Os
Idólatras, Maria Judite de Carvalho, 1969
Sobre “Os Idólatras” escreveu Urbano Tavares Rodrigues numa nota
biobibliográfica que esta foi a “sua única e excelente
aventura no fantástico e na ficção científica”. Já
Baptista Bastos no prefácio de “A Janela Roubada” intiulado
«Maria Judite de Carvalho: uma ternura magoada» diz de “Os
Idólatras” “lamentavelmente incompreendido por aparentemente
inesperado”.
A
fama que rouba a paz e a privacidade aos artistas idolatrados leva-os
a esconder-se e a fugir do público sequioso e ávido é o tema do
conto que dá o nome à colectânea de contos.
De
novo a solidão, no conto “O meu pai era milionário”. Alguém
com muito dinheiro que compra a sua “não morte” através da
congelação do seu corpo. Cinquenta anos mais tarde, ao ser
ressuscitada, enfrenta a solidão absoluta. Ninguém a ouve, ninguém
a entende quando conta a sua história que começa por “o meu pai
era um milionário”. Com efeito, a sua história não passa de um
disco partido.
“Baía
Triste” é a história de um astronauta que ficou no espaço. Para
a mulher que não conseguiu reaver os despejos do marido, ele passa a
ser o brilho de uma luz que se move no espaço.
Em
“Casa de Repouso para Intelectuais e Artistas” a palavra “asilo”
é proibida. Velhos artistas, outrora famosos, agora esquecidos,
entretêm-se a lembrar o passado e a elogiar-se para receberem os
elogios que o público já não lhes dá porque os esqueceu. “A
velhice era uma coisa triste, mas não tanto como o esquecimento a
que tinham sido votados. O escritor murmurava às vezes, de si para
consigo: Dantes havia umas coisas chamadas literaturas… havia
bibliotecas… havia livros…”
E
por aí fora… Neste livro “Os Idólatras” a Terra não é um
planeta habitável. Não há animais. Não há livros. Não há obras
de arte. Não há gente. Há robots. Tudo está super organizado,
desumanizado. As férias são passadas noutros planetas. As pessoas
são ilhas. Não se amam. É a premonição dos quotidianos em função
dos telemóveis, dos tablets, dos televisores, dos gadgets, da
tecnologia. O tempo tem uma dimensão utilitária. Todo o tempo está
compartimentado, agendado e não se pode perder e por isso as pessoas
não conseguem viver com tempos mortos. Ficam infelizes, querem
suicidar-se porque os tempos mortos não fazem sentido para elas. Mas
no fim da vida, também há velhos que ainda querem comprar algum
tempo para poderem viver aquilo que não viveram em vida…
Para
terminar, o belíssimo “A Cidade do Êxito”. A senhora Bruce, que
tinha sido uma famosa pintora de flores, é a única pessoa que não
tem negócios relacionados com Marte. Vive numa casa que está a
“estragar” a paisagem de arranha-céus, no meio de dois grandes
edifícios como se fosse uma ilha. A sua casa térrea é um estorvo
para os dois proprietários que tudo fazem para negociar com ela para
que saia daquela casa e daquele sítio tão apetecivel para que
possam expandir os seus negócios. Ela sempre se recusa, o tempo
passa e, entretanto, os vizinhos proprietários morrem, ela resiste e
vive até aos 115 anos sem que ceda às pressões dos especuladores!
Só a morte levará ao derrube e demolição da casa da senhora Bruce
pelos funcionários camarários que no meio dos despojos levam
quadros de flores como recordação.
Um
livro de ficção que vale bem a pena ler. Maravilhosa e lúcida
escrita.
Março
2019
Almerinda
Bento
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