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quarta-feira, 30 de março de 2022

"Madalena" de Isabel Rio Novo

Fiquei parada a experienciar várias emoções depois de ter terminado este
livro. Bonito? Tanto o quanto pode ser um livro que nos fala da doença, da morte iminente, da esperança frustrada de alguém que ainda é novo e que se vê com os dias reduzidos a uns poucos.

Mas, apesar do tema forte, achei-o tão bonito! Se não bonito, já que pode ferir susceptibilidades, pelo menos forte. Sem nos apelar à compaixão mas chamando pelos nomes tudo aquilo que uma pessoa passa quando se vê perante um prognóstico de finitude.

Duas estórias são-nos relatadas. Uma professora a quem lhe é detectado um cancro na mama e a história de amor de seus bisavós, Álvaro Amândio e Madalena Brízida, que ela, no decorrer da sua doença vai descobrindo através de uma centena de cartas que vai lendo. 

E digo ela porque ja não recordo o nome desta personagem que em jeito de confidência vai falando de si e da descoberta da história de seus bisavós. É importante o seu nome? Não creio (tampouco sei se o foi referido na obra!). O tom é intimista. Em jeito de confidência, nalgumas partes, a narradora vai descobrindo os segredos que encerraram a relação dos seus bisavós e a forma como as atitudes de Madalena foram criticadas pela família. 

Gostei muito da história em si e da escrita também. Cuidada sem ser pretensiosa, que se lê muito bem embora tenha ido procurar um ou dois termos ao dicionário, porque quando não sei nada é melhor...  Achei engraçado como a autora colocou no meio da narrativa o nome dos seus anteriores livros, facto que pode passar despercebido a quem ainda não os leu. Há um que preciso com urgência de lhe pegar, o "Rua de Paris em Dia de Chuva".

Terminado em 22 de Marco de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

Enquanto se submete a tratamentos para um tumor, uma jovem professora ocupa os longos dias a examinar papéis, retratos e cartas dos bisavós que encontrou num velho armário de livros que outrora lhes pertenceu. É assim que vai desvelando a história dos dois, envolta em mistério, na qual a traição, o ciúme e a tragédia são os ingredientes principais. Álvaro Amândio, o bisavô culto e ensimesmado, mas sobretudo Madalena Brízida, a bisavó sedutora, enigmática e talvez cruel, vão ganhando contornos diante da jovem mulher, à medida que ela própria se vai descobrindo, nos seus amores do passado, nos seus sofrimentos recalcados, talvez até nas razões para ser como é.
Muito mais do que uma narrativa sobre a doença ou os seus efeitos sobre o indivíduo, Madalena – obra vencedora do Prémio Literário João Gaspar Simões – é um romance notável sobre a família e sobre o que, em cada um de nós, é construído pelos que vieram antes, assinado por uma das grandes vozes da ficção portuguesa contemporânea.
 
Cris

 

terça-feira, 29 de março de 2022

"Cadernos da Água" de João Reis

E se?

O mau (e o bom!) deste livro é que João Reis, tendo criado um mundo distópico, ele não é suficientemente longínquo para que consigamos entrar na história sem nos perguntarmos o que poderia acontecer connosco se fossemos afetados pelos mesmos problemas. Sobretudo porque muito do que é referido é assunto recorrente nos nossos dias.

E se?

São várias as personagens que dão voz a esta trama, às vezes apenas brevemente, outras de uma forma um pouco mais longa mas nunca deixando que os capítulos se alonguem muito. Leem-se, pois, de uma rajada. No entanto, a voz de Sara sobrepõe-se às outras. É o elo de ligação entre todas as personagens. Confesso que, pela sua história, foi a que mais me agarrou.

E se?

Neste mundo distópico a seca é extrema, as guerras sucedem-se, o número de refugiados multiplica-se a cada dia. Sara é mãe de Mariana e tenta não se apartar demasiado dela. Depois de algumas dias num terminal de aeroporto sueco, foram para um campo de refugiados. Mariana escreve o que se passa ao seu redor num caderno que possui. Escreve para si embora se dirija a Emanuel. Emanuel, seu companheiro e pai de Mariana, foi feito prisioneiro de Jonas e do seu grupo paramilitar. Não conseguiu apanhar o avião com elas. Dentro do campo, com a escassez de alimentos, de água e de roupas que se faz sentir, as  pessoas mostram o seu melhor e o seu pior também.

E se? E se tudo o que estamos a viver se complicar ainda mais?

Gostei muito deste livro. Pela escrita concisa, pela história tão actual. O final não podia ser outro. Quem sabe como, quando e se vai acabar esta guerra dos homens contra os homens e contra a natureza? 

Parabéns, João Reis, por esta obra! Espero bem que não acertes em cheio e que o mundo em que vivemos não se transforme numa guerra entre pessoas chefiadas por loucos, porcos e maus.

Terminado em 18 de Março de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

Num romance composto a múltiplas vozes, é feminina a voz que se sobrepõe, através do fio condutor de um caderno onde regista o seu dia a dia de refugiada na companhia da filha. O destinatário dos seus apontamentos é o marido, em parte incerta, e somos nós quem os lemos. São portugueses estes refugiados.

O Estado português dissolveu-se, e o território está sem lei. Deram-se as Guerras Meridionais da Água, o Primeiro e o Segundo Eventos, e até uma pandemia de rex-vírus 3, que se espalhou pela Europa, pelo Médio Oriente e pelo Norte de África. Os países do Norte fecharam as fronteiras e interromperam o apoio financeiro que vinham a dar aos países do Sul da Europa, a «taxa do deserto». A seca é extrema.

Uma narrativa distópica de leitura compulsiva a partir da primeira linha. Um romance construído com grande mestria e com um desenlace surpreendente. 

Cris

segunda-feira, 28 de março de 2022

A Convidada Escolhe: O Verão do Lobo

A questão dos lobos na Suécia é fraturante. Ou os protegem ou os dizimam. Predadores. E quando dois deles tiveram como última refeição um ser humano que se revela ser vitima de um crime, a polícia entra em ação. Assim começa... E Hans Rosenfeldt de predadores entende bem, afinal foi um dos autores da saga Sebastian Bergman. E não defraudou as expectativas.

Muitas personagens que guardam segredos de uma vida dupla e que não sabemos a ligação que têm entre si baixou um pouco o meu entusiasmo, nos primeiros capítulos. Os flashes premonitorios também me confundiram um pouco mas o ritmo não quebrou e rapidamente Kadja e Hannah, as duas personagens centrais desta série dominaram mas enquanto Hannah demora a revelar-se, Kadja não perde tempo e a meio do livro já estamos arrebatados com as aptidões e inteligência desta personagem. Nesta fase o suspense e a adrenalina aumentam. Os assassinatos em massa também ajudam. 😆 E estamos num nórdico ao melhor nível, impararável até ao empolgante desfecho em que como não podia deixar de ser ansiamos por continuar a ler no próximo livro.

Vera Sopa

sexta-feira, 25 de março de 2022

"As Dez Figuras Negras" de Agatha Christie

Os clubes de leitura fazem de nós leitores diferentes. Há livros que nos chegam mais rapidamente às mãos porque algum desafio proporcionado pelo clube assim o ditou. Claro que a escolha final é sempre nossa mas abrimos essa porta devido a algumas directivas que o clube sugere e isso é muito bom! Lemos livros que de outra forma não leríamos tão cedo. 

Já não me lembro há quanto tempo não lia nada de Agatha Christie! Claro que a leitura se fez célere e foi sem surpresa que cheguei à conclusão que a dita senhora tinha uma imaginação de se lhe tirar o chapéu! Não cheguei nem próximo de descobrir o assassino mas que piada teria se o fizesse, não é assim?

Dez pessoas são convidadas para passarem umas férias numa ilha, a Ilha do Preto. Não conhecem diretamente o proprietário mas as razões são múltiplas para terem aceitado o convite. E aqui começam os "acidentes". Desde o conhecimento que o proprietário está atrasado até à morte de um dos convidados vão poucas horas. E depois mais um e mais um...

O leitor não sabe mais que os personagens e as hipóteses por eles colocadas fazem sentido. Só que não. Para baralhar ainda mais o leitor estão dez figuras negras na mesa da sala que vão desaparecendo conforme os convidados morrem...

E fica aqui uma recomendação de um livro de um género que pouco leio mas que me deu muito prazer porque se devora, entretém muito e, sobretudo, porque me dá a conhecer uma outra hipótese, outra solucão para a resolução do mistério. Porque na vida, muitas vezes, há outras hipóteses, não é?

Terminado em 12 de Março de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

Dez desconhecidos, que aparentemente nada têm em comum, são atraídos pelo enigmático U. N. Owen a uma mansão situada numa ilha da costa de Devon. Durante o jantar, a voz do anfitrião invisível acusa cada um dos convidados de esconder um segredo terrível, e nessa mesma noite um deles é assassinado. A tensão aumenta à medida que os sobreviventes se apercebem de que não só o assassino está entre eles como se prepara para ir atacando uma e outra vez… É uma obra-prima de terror. Restará alguém para um dia contar o que de facto se passou naquela ilha?

Cris

quinta-feira, 24 de março de 2022

"O Astrágalo" de A.C.Pandolfo e T.Risbjerg. A partir do romance de Albertine Sarrazin

Confesso que nunca tinha ouvido falar desta Novela Gráfica nem do livro que lhe deu origem. Foi num grupo de leitura que falaram dele e da autobiografia de Albertine. Fiquei muito curiosa e pretendo ler o livro. Como na biblioteca tinham disponível esta GN trouxe-a comigo. 

Resultado: mais curiosa fiquei e mesmo sabendo agora (e vendo as imagens tão expressivas!) como foi complicada a vida de Albertine, creio que o livro escrito pela própria mão poderá trazer novos desafios de leitura. 

Em relação à arte desta GN o facto de ser a duas cores traz, a meu ver, ainda mais força à história de vida tão turbulenta de Albertine. Há imagens verdadeiramente assustadoras que completam vivamente os aspectos da sua vida. Foi uma mulher que viveu muito à frente do seu tempo e que partiu cedo mas desde cedo foi marcada por acontecimentos trágicos que em muito ajudaram na sua ânsia tão intensa de viver.

Ah, e para quem não sabe, "astrágalo" é o nome de um osso da perna que Albertine partiu ao saltar quando fugia da prisão onde se encontrava... e as peripécias não ficam por aqui porque a vida desta autora foi realmente muito atribulada!

Lerei o livro em breve. Ou tentarei, pelo menos! Pesquisando no blogue  vejo que o Jorge me presenteou com uma opinião, da qual não me lembrava, e que deixo aqui. Foi para isso que criei este blogue e ao fim de mais de 10 anos ainda serve o objectivo...

Terminado em 7 de Março de 2022

Estrelas 4*

Sinopse

Bonnie encontrou Clyde... Sailor sucumbiu a Lula... e Anne encontrou Julien.

Anne tem 19 anos, e parte um osso do tornozelo chamado astrágalo, ao saltar a parede da prisão onde está presa por assalto. Salva por Julien, um ladrão como ela, Anne irá esconder-se, sofrer, rebelar-se, voltar a fugir, tanto faz, está loucamente apaixonada por Julien.
Estavam em fuga, são jovens e bonitos, são livres e totalmente, furiosamente selvagens... E a sociedade autoritária do pós-guerra da França vai fazer-lhes pagar o preço dessa liberdade. 

Cris

quarta-feira, 23 de março de 2022

"Gente Feita deTerra" de Carla M. Soares

Este não foi o primeiro livro que li da autora mas até agora foi o que mais gostei. O tema que aborda é-me familiar e senti alguma empatia e proximidade com alguns aspectos focados. A capa possui os tons quentes de África, os tons que a terra pode adoptar e fiquei logo encantada tanto com ela, como com o título e a frase que o completa. Não era preciso mais nada para o ler!

A história prende. Auto ficção?, perguntei-me. Não é importante saber mas fiquei a pensar que sim. Esta obra conta-nos a história de duas mulheres, mãe e filha, que têm ou tiveram Africa no seu coração ou, pelo menos, nas suas raízes. Porque se muitos factos são ficção, alguns constituem o passa-a-palavra, tão habitual em quem sofreu grandes perdas.

A filha Filomena, de 42 anos, luta com o sentimento de perda do seu companheiro num acidente. Após cinco anos ela própria acha que já devia ter assimilado essa perda e, contudo, os sonhos perseguem-na não lhe dando noites tranquilas. Estamos em 2015. Entre trabalho e cuidar do filho pequeno, os dias passam monótonos. Os pais são a sua bengala. 

Ao mesmo tempo, o passado dos pais, Brígida e Alberto, desde 1961, é intercalado na narrativa. Filomena descreve o que sabe e o que não sabe, supõe. Filomena escreve.

Gostei muito desta história. Sem pontas soltas, com personagens credíveis e com aspectos muito jnteressantes da guerra em África que, se não verídicos, pelo menos plausíveis.

Aconselho!

Terminado em 7 de Março de 2022

Estrelas; 5*

Sinopse

ATÉ ONDE TERÁ DE IR UMA MULHER PARA SABER DE QUE É FEITA?

Gente Feita de Terra conta a história de duas mulheres, mãe e filha, dos anos 60 até ao início do século XXI.  

A mãe parte jovem de um Alentejo sem futuro, perseguindo um amor na Angola colonial portuguesa, que de princípio a recebe como lhe pertencesse, para depois a expulsar, como a todos, em desespero, mostrando-lhe que a pertença não passara de ilusão.

A filha é uma jovem viúva que habita a Lisboa suburbana do nosso século, rápida e desenraizada, e que na história da mãe tenta perceber a que lugar pertence. 

Gente Feita de Terra transforma, num estilo clássico e bem elaborado, as histórias recentes de Portugal e Angola, com as suas violentas atribulações, em sentimentos, sensações, sentidos de uma grande riqueza. 

Serão os lugares o que as pessoas deles fazem, ou serão as pessoas o resultado dos lugares?

Cris

terça-feira, 22 de março de 2022

Para Os Mais Pequeninos: "Sê Uma Árvore"


Gosto cada vez mais de livros infantis quer pelas suas histórias cheias de conteúdo e ensinamentos, quer pelas ilustrações repletas de cor e que complementam a história acrescentando-lhe pormenores. Já tenho saudades daqueles momentos em que me sentava para contar uma história e onde a imaginação me levava por caminhos muitas vezes bem mais longos que a história do livro que pousava no meu colo...

Este livro faz uma analogia entre as árvores e as pessoas. E que bela ideia! "Sê uma árvore", lê-se logo na primeira página. Estica os teus braços para o sol, podes chegar bem alto. Podes chegar onde quiseres. E é esta ideia que perdura no livro todo. Podes ser quem tu quiseres, chegar bem alto e ao mesmo tempo, criar raízes fundas que te ajudam a percorrer esse caminho. 

Não precisas de ser igual a ninguém, há árvores de todas as formas mas o essencial está lá. E não estás só. "Por isso, sê uma árvore. Porque juntos, somos uma floresta." A breve informação que a autora dá nas suas notas finais foi, na verdade, uma aprendizagem importante. Fiquei curiosa com o referido sobre as árvores, a forma como se ajudam entre si como membros de uma família. Nada ligada às ciências, foi informação que já não possuía nem me lembrava. Fiquei curiosa com o livro referido pela autora sobre esse tema, "A Vida Secreta das Árvores" de Peter Wohlleben.

Gostei muito do mote deste livro e demorei-me nas suas ilustrações tão bem pensadas, tão certeiras na forma de completar o texto. 









 

Cris



quinta-feira, 17 de março de 2022

Resultado do Passatempo Mensal "Toca a Comentar"

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Fevereiro.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionado um vencedora! Foi ela:

Alexandra Guimarães

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 25, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

 


 Cris

terça-feira, 15 de março de 2022

"Destino" de Raffaella Romagnolo

Uma amiga que prezo muito disse-me: "Lê, vais gostar". Como se não fosse o bastante, este livro tem o selo de uma tradutora/escritora que admiro muito. Tenho em crer que para traduzir algo a Tânia Ganho tem de gostar. Qualquer dia perco a vergonha e pergunto-lhe!

Coincidiu também que a Tânia era convidada da Biblioteca Cosmelli Sant'Anna onde se iría falar sobre esta obra. Estavam reunidas as condições para este livro passar à frente da pilha, daquela pilha, que quase chega ao céu, dos livros que quero ler. Foi um encontro muito bom com leitores muito participativos.

Um livro que retrata a amizade de duas mulheres que o destino separou. Duas famílias distintas separadas por um oceano (Itália e Estados Unidos), por vários desencontros e que tem como pano de fundo a História de Itália no séc XX. 

Uma história contada através de analepses várias. Nessas passagens do presente para o passado e vive-versa, não se perde o fio condutor e, sinceramente, não consigo escolher qual desses espaços temporais mais gostei de conhecer. A autora sabe captar e manter a atenção quer com pormenores, quer com descrições mais profundas dos ambientes vividos.

Gostei muito desta obra e recomendo sem reservas!

Terminado em 25 de Fevereiro de 2022 

Estrelas: 6*


Sinopse

Em março de 1946, num carro com motorista, Giulia Masca regressa a Borgo de Dentro. Quarenta e seis anos antes, sozinha, grávida e sem dinheiro, despedira-se de Itália e da miséria para embarcar num vapor rumo a Nova Iorque. Foi o fim de uma época, a do frio entranhado nos ossos, dos confrontos com os patrões na fiação onde trabalhava desde criança, do azedume e das pragas da mãe. Perdida nas multidões de Manhattan, entre os arranha-céus e o bulício das ruas, Giulia começou uma nova vida.
A mulher que agora regressa tem um marido, um filho e um império de pequenos negócios. A América realizou o sonho prometido. Mas o passado continua a assombrá-la. O que será feito da sua mãe, Assunta? Da sua amiga Anita Leone e da sua tempestuosa família? O que terá acontecido a Pietro Ferro, o noivo que Giulia abandonou sem uma palavra de explicação, quase meio século antes?
Durante a sua ausência, as colinas em redor de Borgo de Dentro e os seus habitantes foram protagonistas de duas guerras mundiais, do advento do fascismo e da luta pela libertação. De batalhas, amores e esperanças. Giulia não terá outra escolha senão encarar esses lugares e rostos com um novo e mais profundo olhar, se quiser reconciliar-se com o passado e com a traição que determinou o seu destino.
Raffaella Romagnolo compõe um romance magistral, sobre uma mulher arrojada que nunca esqueceu as suas raízes, porque nem mesmo um oceano as pode diluir. Esta é a história dos que partem mas também dos que ficam. A história da Itália do século XX.
 
Cris

terça-feira, 8 de março de 2022

A Convidada escolhe: O Atalho dos Ninhos de Aranha

O Atalho dos Ninhos de Aranha, Italo Calvino, 1947

Gosto sempre de ler um livro com um prefácio que me ajude a contextualizá-lo nas suas várias facetas. Em 1964 Italo Calvino fez um prefácio para o seu “O Atalho dos Ninhos de Aranha”de 1947. É um longo prefácio em que por várias vezes retoma a frase inicial “Este romance foi o primeiro que escrevi”. Escrito pouco depois da Libertação e da sua experiência como membro da Resistência à ocupação nazi, Calvino reflecte que o livro resulta da energia e da alegria do fim da guerra, da necessidade de verter para o papel a força da oralidade sem limites naquela época, de não querer pôr-se no papel de narrador que escreve as suas memórias de partigiano, pelo que decidiu que enfrentaria o tema “não de caras mas de esguelha. Devia ser tudo visto pelos olhos de uma criança, num ambiente de garotos e vagabundos. Inventei uma história que ficasse à margem da guerra de resistência, dos seus heroísmos e sacrifícios, mas que ao mesmo tempo nos transmitisse a sua cor, o sabor áspero, o ritmo…” Inconformista, avesso às directivas, cartilhas e imagens formatadas e normativas de conduta e militância, escolheu esse garoto – o pequeno Pin – antítese do herói socialista e do romantismo revolucionário, alguém que estilhaçasse os conceitos de herói e de consciência de classe.

O livro é dedicado a Kim – grande amigo e companheiro da Resistência de Italo Calvino – sendo que no capítulo IX a sua personalidade e características de dirigente político rigoroso e analítico são vertidas, dando um tom ideológico que corta, até certo ponto, o fio da narrativa em que Pin e os partigiani são os protagonistas. Pin é a criança que cresce de forma um tanto ou quanto selvagem, sem regras, sem amor, que mascara a sua solidão e desamparo com provocações aos mais velhos, a sua forma de entrar no mundo dos homens e de se sentir um deles. Ele quer ser acolhido pelos grandes, pelos homens da taberna, pelos partigiani, é coscuvilheiro, desvenda os segredos do bairro pobre, canta canções que os homens gostam de ouvir. Para os homens da taberna, Pin é importante porque é irmão da Morena do Beco Comprido. Para Lupo Rosso, Pin é importante porque tem uma arma, escondida num lugar único, mágico, que só ele conhece – o atalho dos ninhos de aranha – a sua única riqueza. Quando é confrontado com a possibilidade de desvendar onde fica esse atalho que leva à arma escondida, Pin hesita porque “o lugar dos ninhos de aranha é um grande segredo e é necessário que seja um verdadeiro amigo, em tudo e para tudo” (pág. 92)

Só há um homem de entre todos aqueles que olha para Pin como uma criança que precisa de carinho, ele também adulto carente. “Primo o grande, doce e cruel Primo” (pág. 211) é o único que “o leva pela mão, aquela grande mão, macia e quente como pão.” (pág. 226).

No prefácio, Italo Calvino escreve a certa altura “A Resistência representou a fusão entre paisagem e pessoas” (pág. 12) . Na minha memória, os bosques, os esconderijos, as casas abandonadas onde homens sujos se amontoam, o vale, os viveiros de cravos, os campos de rododendros, a preocupação dos homens ao encontro da coluna dos alemães: “É um dia azul como os outros, tão azul que quase faz medo, um dia com cantos de passarinhos que quase faz medo ouvir.” (pág. 189).

Um livro lindíssimo.

3 de Março de 2022

Almerinda Bento