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sexta-feira, 13 de setembro de 2024

"Gente Pobre" de Fiódor Dostoiévski

Queria gostar muito deste livro mas estive sempre a lê-lo com uma sensação de irritação constante. Teria sido pela forma em como Dostoiévski escreve? Pela caracterização das personagens? Por senti-lo datado, fruto de uma época (escrito em 1846) e não me saber distanciar convenientemente? Algo me irritou mas não sei definir com clareza pelo que irei ler outro livro deste autor para tentar perceber se as sensações se mantêm.

Este é um romance epistolar pelo que todo ele se centra nas cartas trocadas entre um funcionário já entradote na idade e uma jovem costureira, ambos muito pobres. Da parte dele sente-se nas palavras que lhe dirige, amor e paixão, com um tom paternalista que não me seduziu. Da parte deda, uma amizade, o sentir que se encontra só, sem amigos e só ele é quem lhe dá atenção. Amor desesperado, sem futuro, desgraças umas atrás das outras que ora aproximam, ora afastam estas duas personagens.

O ambiente social no bairro de São Petersburgo é muito bem descrito e a leitura, para além do tom crescente de irritabilidade que me fez sentir, flui bem nas suas poucas páginas.

Veremos o que Dosto me fará sentir num próximo livro...

Terminado em 12 de 1Agosto de 2024

Estrelas: 4*

Sinopse
Romance epistolar, Gente Pobre marca a estreia de Dostoiévski na literatura, em 1846 -­ quando o autor tinha apenas 25 anos -­ ­­, e estabelece desde logo os fundamentos para uma abordagem social, psicológica e profundamente corrosiva da compreensão humana.

O autor transporta-nos para um dos bairros mais miseráveis de São Petersburgo, onde um funcionário de meia-idade troca correspondência com uma jovem costureira. Demasiado pobres para se casarem, o seu amor passa todo e apenas por cartas mantidas ao longo do tempo, que reflectem a cruel realidade do quotidiano num ambiente de extrema precariedade.

A análise pormenorizada das personagens e das suas convicções, enquadradas por um pano de fundo de crítica subtil, ganha em Dostoiévski uma força e um poder imagéticos que extravasam as páginas dos seus livros. Genialmente construído com um mínimo de descrição, este é um romance que obriga o leitor a reinventar tudo aquilo não é dito.

Cris

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A Convidada Escolhe: “A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”

A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”, Patrícia Reis, 2024

Antes de tudo, Patrícia Reis adverte o/a leitor/a que “esta não é uma biografia imparcial” (p. 17) nem é “uma radiografia” (p. 17) e que lhe “foi muito difícil terminar esta biografia” (p. 13). Ligam biografada e biógrafa o facto de serem amigas, jornalistas e a tristeza e a solidão de Maria Teresa Horta, desde a morte do marido, não ter deixado de, até certo ponto, contaminar a feitura deste livro.

Cada uma das cinco partes de que é feito “A Desobediente” tem, a encimar os diferentes capítulos que as constituem, os nomes de cinco das muitas obras de Maria Teresa Horta: “Espelho Inicial”, “Estranhezas”, “Anunciações”, “Jardim de Inverno” e “Poesis”.

A primeira parte – “Espelho Inicial” – que se ocupa da infância, da adolescência, da sua paixão por Luís de Barros e das escolhas de Maria Teresa Horta até ao nascimento do seu único filho, é o período estruturante de todo o resto da sua vida. Fala da mãe, da avó Camila sua grande aliada, do pai, do sentimento de desamor, de solidão e abandono, a percepção dos preconceitos em relação às mulheres e a intrepidez que desde sempre assume na escrita. A sua personalidade nos meios onde se move tem a marca da luta pela liberdade que então não existia em Portugal. Apaixonada pela escrita, pela poesia e também pelo cinema, para além de sócia de um cineclube, faz parte da direcção do cineclube ABC o que era inédito na altura. A censura, as intervenções da PIDE e o ódio visceral de Moreira Baptista secretário da Informação por Maria Teresa Horta são episódios num país que nega direitos básicos, que vicia as eleições e que manda assassinar Humberto Delgado, para além de torturar todos os que se opunham ao regime. No entanto, é também nesta altura que ela começa a entrar em contacto com escritores e a receber apoios e incentivos dos seus pares.

Minha Senhora de Mim” foi uma pedra no charco na literatura feita até então por mulheres e de tal forma incomodou o poder, que a violenta agressão feita a Maria Teresa Horta por um grupo de legionários, iria motivar a criação de “Novas Cartas Portuguesas”. Jornalistas e também amigas de Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno decidem ao longo de nove meses escrever uma obra ímpar que vai abalar concepções sobre as mulheres, sobre a política e até sobre a própria criação literária. Uma sociedade podre e cheia de contradições não podia ficar indiferente àquela obra que é apreendida ao fim de três dias de ter sido publicada. Natália Correia, Maria Lamas, José Gomes Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues e tantos outros, para além de todos os apoios internacionais com destaque para Simone de Beauvoir e Marguerite Duras vão ser alguns dos nomes que acompanharam a onda de extraordinária solidariedade para com as três escritoras e que ficou conhecido como o processo das Três Marias que terminou com a sua absolvição no dia 7 de Maio de 1974.

A revolução aconteceu, mas as contradições criadas com as reivindicações das mulheres e com as reivindicações feministas não deixaram de existir por uma revolução democrática ter acontecido. Havia no Portugal acabado de chegar à democracia muita incompreensão e insensibilidade sobre as reivindicações específicas das mulheres, nomeadamente a questão do aborto, um tabú, a par de tudo o que tivesse a ver com os corpos das mulheres. Tema tão caro a Maria Teresa Horta, mulher assumidamente feminista, e que está no coração da sua poesia, desde sempre. Aliás, e como a biografia sobre Maria Teresa Horta abundantemente refere, nem o 25 de Abril trouxe maior visibilidade à obra da poetisa, nem lhe granjeou grande popularidade. Ser feminista não traz popularidade nem simpatia, mesmo no seio da esquerda. E então quanto à direita, nem se fala.

Se a obra de Maria Teresa Horta está largamente divulgada, traduzida e estudada em todo o mundo, nomeadamente “Novas Cartas Portuguesas”, com destaque no Brasil, os prémios e o reconhecimento em Portugal vieram, embora tardiamente. A quarta parte da biografia dá destaque a algumas das suas obras e ao romance “As Luzes de Leonor – A Marquesa de Alorna, uma sedutora de anjos, poetas e heróis”, a que dedicou treze anos de intenso trabalho, uma verdadeira “devoção”, em que “Leonor e Teresa se confundem”. (pág. 357) Insubmissa, desobediente, coerente, Maria Teresa Horta recusa receber o prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus das mãos do então primeiro-ministro Passos Coelho (2011).

A última parte da biografia começa com a morte inesperada de Luís de Barros, poucos meses antes da pandemia. A perda e a solidão são imensas, depois de uma vida de paixão intensa pelo marido ao longo de 56 anos. Maria Teresa Horta sabe que a salvação está na poesia e decide dedicar mais um livro ao marido, desta vez com o título “Paixão”. Embora mais limitada ao espaço da casa, continua sempre a escrever e sempre atenta ao mundo e à política. Mesmo a terminar a biografia, transcrevo este período que é significativo sobre esta mulher extraordinária: “O modo como está o mundo também te diz muito sobre o modo como está a vida das mulheres. Imagine-se as mulheres da Ucrânia, as atrocidades que sofrem, os devaneios pelos quais têm passado. As notícias são importantes por isso, para conseguirmos medir a pulsação das coisas”. (pág. 404)

É sempre com muito respeito e humildade que escrevo sobre livros que li e que me merecem consideração para fazer uma apreciação, como registo que gosto de partilhar. Este livro, entre outros, é um deles. Antes do mais pela consideração que me merece uma mulher feminista que toda a vida assumiu a liberdade e que nunca virou costas às dificuldades e às suas convicções mais profundas, numa postura de coragem e de coerência num mundo tão adverso à frontalidade e ao feminismo. E claro, também pela coragem da autora e pelo trabalho de grande fôlego e valor que é o de biografar uma mulher com uma vida tão rica e tão inspiradora. Parabéns. Muito obrigada às duas.


22 de Agosto de 2024

Almerinda Bento




segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Agosto

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Agosto.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Alexandra Guimarães

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

 

Cris

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

"Notas Sobre o Luto" de Chimamanda Ngozi Adichie

Já há muito que queria ler este livro. Sabia do que se tratava, tanto mais que o título não engana ninguém. Gosto muito desta autora e dela já li "Meio Sol Amarelo", em 2010, e adorei (opinião aqui).

Peguei nele agora com o objetivo de preencher uma das categorias do "Bingo de Verão Dona Leitura", "Livro referenciado noutro livro". Estava a ler o último livro da Tânia Ganho,"0 Meu Pai Voava" (opinião aqui), em que numa das suas páginas refere este. O tema é pesado, sobretudo se sofremos recentemente o luto de algum familiar, em particular o pai.

Como não foi o caso, consegui distanciar-me o suficiente para apreciar a leitura de ambos com a devida distância. Este é um livro escrito na primeira pessoa onde se mesclam sentimentos muito intensos de choque, pena, dor, raiva, saudade e impotência. Chimamanda sabe verbalizá-los e colocá- los no papel, o que pode ajudar quem lê a interpretar os seus próprios sentimentos. 

O pai de Chimamanda morreu durante a pandemia, longe da autora, o que fez com que surgissem várias situações que dificultaram o processo de luto, nomeadamente as deslocações que estavam restringidas, o que fez com que Chimamanda não estivesse junta com sua família para receber e dar apoio.

Escrito com muita sensibilidade e, mesmo sendo composto por textos curtos, essa delicadeza passa para o leitor. Gostei muito.

"Escrevo sobre meu pai no pretérito e não consigo acreditar que escrevo sobre o meu pai no pretérito."

Terminado em 9 de Agosto de Agosto de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

No dia 10 de junho de 2020, na Nigéria, o académico James Nwoye Adichie morreu subitamente.Chimamanda Ngozi Adichie, sua filha, partilha connosco os efeitos devastadores que esta morte teve em si. Tece na sua própria experiência os fios da história da vida do pai até aos seus últimos dias, já em confinamento, em que conversava com os filhos e os netos por videochamada.  Notas sobre o Luto é um tributo a uma vida vivida em pleno. É a história do amor imenso de uma filha por um pai. Ao falar-nos sobre uma das experiências humanas mais universais, é um livro sobre aquilo que nos une a todos.

Cris

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

"À Espera de Ser Preso Durante a Noite " de Tahir Hamut Izgil

Livro de não-ficção que não podia deixar de ler. Há temas que me puxam porque, pela sua veracidade, sinto que preciso ler. A leitura para mim é, além de algo prazeroso, uma fonte de aprendizagem. Sei que muitas pessoas não gostam de ler precisamente sobre assuntos verídicos onde a alma humana é exposta no seu pior. Mas considero que, para além do conhecimento que adquirimos, também é nesses momentos que o Homem mais revela o seu lado bom, excepcional até.

Mal tive conhecimento deste livro e li a sinopse sabia que era para ser lido... para ontem. Era sobre um assunto sobre o qual nada conhecia e esta leitura, escrita na primeira pessoa, foi uma verdadeira viagem ao terror do que pode ser viver sob ameaça constante. A ansiedade que o autor e sua familia sofreram nos últimos anos que viveram na China, é visível na escrita e passa para o leitor. Não é que seja um livro muito gráfico nos momentos descritos, visto Tahir ter tido "sorte" e não ter sofrido cenas de tortura. Mas como bem refere a contracapa "o terror está na antecipação" face ao que aconteceu a uma grande maioria do povo Uigur e do que poderia ter acontecido a Tahir e sua família. 

Tahir é poeta, escreve. O que há de mais desolador para um escritor quando tem de medir as suas palavras, quando tem de apagar os seus ficheiros, quando o medo se instala?

A sua vontade de permanecer na sua terra, pensando sempre que a situação não poderia piorar, quase o impediu de sair do país. A repressão cada ver maior do governo chinês sobre o povo Uigur, as proibições constantes que impediam o acesso à informação vinda do estrangeiro, as proibições de carácter religioso, a retirada dos passaportes, os desaparecimentos de pessoas para "estudo", a vigilância constante, as denúncias, fizeram Tahir repensar a sua vontade de permanecer no seu país.

Tahir encontra-se exilado nos Estados Unidos. O meu exemplar do livro ficou cheio de post-it marcando partes que achei relevantes. Não deixem de ler com receio de não conseguirem assimilar o horror contido nestas páginas. Como referi, não possui cenas muito gráficas mas é terrível o que se capta desta obra. Urgente ser lido!

Terminado em 6 de Agosto de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse
Os uigures, uma minoria predominantemente muçulmana da China ocidental, vivem numa prisão gigantesca, controlados pelas forças de segurança e por um sofisticado sistema de vigilância biométrico. Mais de um milhão de pessoas desapareceu nos campos de concentração chineses para as minorias muçulmanas.

Tahir Hamut Izgil, um destacado intelectual e poeta, não desconhecia a perseguição. Depois de tentar viajar para o estrangeiro em 1996, a polícia torturou-o até ele confessar as acusações forjadas e enviou-o para um campo de trabalhos forçados, para «reeducação». Mas, mesmo após três anos no campo, ele nunca teria previsto a solução radical do governo chinês para a questão uigur, duas décadas depois.

Em 2017, a perseguição do povo uigur pelo governo chinês assumiu proporções terríveis. Um por um, os amigos de Tahir foram desaparecendo. Tornou-se claro para ele e para a sua mulher que a fuga do país era a única esperança da família. 

Cris

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

"A Orfã Perdida" de Stacey Halls

Desta autora li "As Bruxas de Pendle (opinião aqui) que recomendo muito! Logo que vi esta obra sabia que a iria lê-la e, esperava eu, gostar tanto dela como a anterior! A leitura correspondeu às altas expectativas.

O mergulho na história foi rápido e perfeito! Vamos para Londres em 1754. O ambiente da época é descrito de uma forma muito gráfica, com descrições pormenorizadas e rapidamente visualizamos uma Londres sombria, suja, nos seus bairros pobres e degradados. Gente que vive no limite da pobreza, sem condições de higiene, com trabalhos duros.

Bess deixou a sua filha recém nascida no Hospital
dos Expostos, pretendendo juntar dinheiro para a recuperar. Ao fim de seis anos consegue juntar aquilo que considera o suficiente para pagar as despesas que o Hospital teve com ela e vai buscá-la. Os acontecimentos que se seguem mostram uma Bess determinada, que tudo fará para recuperar a filha. 

Muito, muito bem narrado. A dado momento, embora a autora nos tenha dado a entender o que aconteceu com Clara, a filha de Bess, queremos sempre saber o que vai acontecer com esta mãe e filha! Muito intenso, revelador do ambiente pobre, sujo e precário de uma Londres do séc. XVIII, que adorei conhecer.

Recomendo muito!

Terminado em 28 de Julho de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse
O amor de uma mãe não tem limites…

Londres, 1754. Seis anos depois de deixar Clara, a filha ilegítima, no Hospital dos Expostos, Bess regressa para recuperar a criança. Receando o pior – que Clara tenha falecido –, a última coisa que espera é que lhe digam que a criança foi resgatada… pela mãe! A vida de Bess fica de pernas para o ar enquanto tenta descobrir quem se fez passar por ela… e porquê!

Numa casa sombria afastada da cidade, uma jovem viúva não sai da sua residência há mais de uma década. Quando um amigo próximo, médico no Hospital dos Expostos, lhe sugere a contratação de uma ama para a filha, a jovem hesita em acolher uma pessoa desconhecida no seu lar. Mas o seu passado, cheio de segredos, está prestes a regressar, ameaçando destruir o mundo que ela cuidadosamente construiu.

Tendo como cenário a vibrante Londres georgiana, A Órfã Perdida explora de forma brilhante segredos familiares, o poder das classes sociais, da igualdade e do significado de maternidade.

Cris

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

"A Maldição das Flores" de Angélica Lopes

Primeiro, a capa. Chamou-me a atenção, mas não pelos melhores motivos. Rosas a mais, cor de rosa intenso demais. Creio que as rendas que lá se encontram poderiam ser mais realçadas, dado o teor da história. Gostei mais da capa brasileira, mais singela não tão vistosa. Críticas à parte, vamos falar da história que me encheu as medidas!

Livro de leitura compulsiva. Entra-se de imediato na história, nas histórias melhor dizendo... São-nos apresentados dois espaços temporais separados entre si 100 anos. Rio de Janeiro, 2010 e Bom Retiro, Pernambuco, 1918. Esta última história, sem querer desvendá-la, é muito intensa porque traduz com mestria um tempo em que as mulheres pouco tinham a opinar e não decidiam as suas vidas.

Numa cidade pequena algumas mulheres dedicavam-se a elaborar peças de renda que depois vendiam. Era um espaço de convívio, liderado pela família Flores, chamada assim porque possuíam um jardim colorido. Era uma família de mulheres, dizendo as más línguas que os homens que se metiam com elas tinham vida curta, morrendo prematuramente. Independentes financeiramente, estas mulheres não eram bem vistas. Com elas trabalhavam algumas jovens também. Numa sociedade machista e que impõe demasiados limites às mulheres, uma forma de comunicar diferente, um abecedário criado com os pontos de renda, vai transformar as vidas de algumas delas.

Um segredo que passou gerações e vem parar às mãos de Alice, jovem ativista, que tudo questiona e que vem a descobrir uma história de violência ocorrida há quase cem anos.

Com vários twists, segredos escondidos que são revelados aos poucos, esta leitura deixou-me presa. Trama muito inteligente, bem narrada e verosímil. Personagens carismáticas, muito humanas, tornam-se reais aos nossos olhos!

Gostei muito e aconselho!

Terminado a 23 de Julho de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Rio de Janeiro, 2010. Quando uma tia lhe entrega um véu de renda com quase cem anos, Alice não sabe o que fazer com ele. Para a jovem ativista, um véu – seja de missa ou de casamento – não é mais do que um símbolo das amarras que sempre prenderam as mulheres sob o domínio dos homens. O que ela não sabe é que aqueles pontos na renda escondem um código secreto e contam uma história de violência e de luta pela liberdade.

Bom Retiro, Pernambuco, 1918. Os pais de Eugênia julgam ter arranjado o melhor dos maridos para a filha. Viúvo e pai de duas crianças, o Coronel Aristeu é o homem mais poderoso da região, e a união trará poder e prestígio social a Eugênia e à sua família. Porém, ela não ama aquele homem e o matrimónio acontece contra a sua vontade. Isolada na fazenda do marido, longe do mundo e das pessoas que sempre conheceu, inventa um código secreto usando os pontos da renda e com ele conseguirá comunicar com a única amiga em quem pode verdadeiramente confiar. A mensagem a transmitir não podia ser mais clara: ela tem de fugir depressa.

Um século separa Eugênia de Alice, mas o véu de uma acaba nas mãos da outra. A uni-las estão laços fortes, uma história que pede para ser contada e o mesmo desejo – o de serem donas do próprio destino.

Cris

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

"O Meu Pai Voava" de Tânia Ganho

Ponto 1: Se a Tânia escrevesse uma lista telefónica, eu iria comprá-la e lê-la. 

Ponto 2: A frase anterior reflete o respeito e a admiração que tenho por esta autora e pela mestria da sua escrita. 

Ponto 3: Gosto muito de a ouvir falar, perco-me nas suas palavras. Ia de propósito a um clube de leitura na Biblioteca da Amadora, organizado por ela, e agora vou à Livraria Buchholz. Os temas escolhidos são sempre muito abrangentes e as opções de leitura são variadas. Ouvi-la é um prazer.

E agora sobre este livro...

Um livro num formato pequeno mas que revela tanto! Escrito de uma forma intimista, revelador de uma profunda admiração pelo seu pai, recentemente falecido, é um livro de memórias. As suas, porque a memória é algo muito próprio e pessoal, porque as outras pessoas que lidaram com ele terão certamente outras.

Foi um deitar cá para fora de acontecimentos, sensações e marcas sobre alguém que a autora amava. É um livro sobre o luto, a perda, sobre a doença, sobre o "nunca mais", sobre as lições deixadas através do exemplo. É sobre o amor, sobretudo!

E é com esse sentimento que se termina este livro. Amei! Capa belíssima (foto real).

"Depois deixou de encontrar palavras e apontava simplesmente.(...) As palavras foram-lhe morrendo, uma a uma, até restar o silêncio. Um silêncio impotente e aterrador. Deixou de sorrir com os olhos." Pág. 30

"(...) mas ensinou-me essa lição, que infelizmente, noutros momentos da minha vida, ignorei: Ouve a tua intuição." Pág. 74

Terminado a 19 de Julho de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse
"Não sei para quem escrevo estas palavras.
Para ele, talvez.
Desde que morreu, escrevo sem parar.
Escrevo para recuperar o fulgor com que ele viveu."

Cris

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

"Marzhan, Mon Amour" de Katja Oskamp

O que acontece quando uma mulher de 48 anos vê o seu último romance recusado pelas editoras? O que fazer para sobreviver? E que tal mudar de profissão? Pedicura, por exemplo?

Com um tema muito original, que nos parece estranho à primeira já que a profissão de escritora não parece ter nada a ver com a de pedicura, vamos percebendo, estando na pele da narradora/escritora o quão atenta aos pormenores ela é, observadora de mão cheia. E ficamos presos às histórias dos seus clientes que nos vai contando, que mais não são que as histórias de um bairro. Vidas que passam despercebidas e que se revelam naqueles momentos únicos onde ela trata e massaja os pés dos seus clientes com carinho. Uma atenção que oferece, um momento que dá aos outros.

E são muitas as histórias de vidas que, mesmo sendo diferentes da nossa (talvez por isso mesmo!) nos conquistam a atenção. Nomes, atitudes, sensações, que reconhecemos naqueles que nos são próximos ou que ouvimos falar. Uma abordagem muito original, repito, que me deu muito prazer ler. Temas variados, vidas que se entrelaçam na dela e a quem ela oferece atenção e carinho.

A historia de um bairro berlinense multifacetado contada por uma mulher / escritora / pedicura nada amargurada com o que a vida lhe trouxe. Gostei muito!

E começa assim:
“Os anos da meia-idade, em que não és nova e ainda não és velha, são nublosos. Já não avistas a margem de que partiste, e ainda não distingues com suficiente nitidez a margem para a qual te diriges. Nesses anos, esperneias no meio do grande lago, ficas sem fôlego, perdes as forças devido à repetição dos movimentos que fazes a nadar. Desesperada, paras e rodas em torno de ti mesma, uma volta, depois outra, e outra ainda. Surge o medo de ires ao fundo a meio do cominho, sem tom nem som.” Pág. 9


Terminado a 18 de Julho de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Uma mulher que se aproxima dos «anos invisíveis» da meia-idade abandona a carreira de escritora para se tornar pedicura em Marzahn, em tempos a maior área residencial pré-fabricada da Alemanha Oriental, nos arredores de Berlim. A partir daí observa atentamente os clientes e colegas, mergulhando nas suas histórias pessoais. Cada uma das histórias se destaca como uma vinheta, contada com humor e emoção, e juntas formam um retrato matizado de uma comunidade.

Cris

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

"O Mistério das Caraíbas" de Agatha Christie

Pouco tenho a referir desta leitura. Considero que os livros da Agatha Christie são leituras prazerosas sobretudo se lidas ao mesmo tempo com amigos e se se forem comentando as hipóteses, como foi o caso, mas que, tal é a multiplicidade de suspeitos, pouco retenho passado alguns dias.

Por acaso, neste, o meu palpite estava certo mas confesso que as razões que me levaram a suspeitar do assassino não estavam corretas e há sempre um twist que não conseguimos prever. E não me perguntem sequer uma pontinha da história que passado um mês já não me recordo. Tampouco dos personagens envolvidos e de quem foi o criminoso. Mas, a memória é mesmo assim: retém o que acha importante.

Contudo, esta leitura serviu o objetivo porque foi muito engraçado fazê-la conjuntamente com várias amigas e, sobretudo, os últimos capítulos terem sido feitos à volta de uma farta mesa com muitas risadas e outras conversas que nada têm a ver mas que reforçam as amizades livrólicas !

Terminado a 14 de Julho de 2024

Estrelas: 4*

Sinopse
«Quer ver a fotografia de alguém que cometeu um crime?», pergunta um desconhecido a Jane Marple, de férias nas exóticas ilhas das Caraíbas. Mas antes mesmo de lhe dar qualquer opurtunidade de responder, o homem muda abruptamente de assunto. No dia seguinte, Miss Marple descobre que o seu interlocutor está... morto!Mas o que terá acontecido à fotografia?

Cris

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

"Cartas Portuguesas" de Mariana Alcoforado

Já tinha ouvido falar dsstas cartas que atribuem a sua autoria a Mariana Alcoforado, uma freira portuguesa de Beja que viveu no séc. XVII.
No âmbito do passatempo de verão do clube de leitura a que pertenço, o Dona Leitura, li-as num ápice.
São cinco cartas, pequenas, escritas a um homem que combateu por Portugal e que, pelo que se percebe, terá ido para França. O tom das quatro primeiras cartas é de sofrimento, inquietação e angústia. É de alguém que se sente traído, abandonado mas que ainda tem esperança que a situaçao se altere. Poderá nao ter resposta às suas cartas porque algo o impede? Questiona o amor vivido, não porque duvide do seu mas porque a dúvida se instala em relação ao ser que ama: será que ele a ama de igual forma?
Na última carta o tom é diferente, passando a tratar por você esse amor que não se conhece a identidade. Mostra-nos uma freira ainda sofredora mas arrependida, com remorsos por se ter entregue completamente a um amor que, sabe agora, não era recíproco e decidida a pôr um ponto final na sua dor. Refere troca de cartas que a fizeram perder as esperanças e consolidaram a ideia de traição.
"De si nada mais quero. Sou uma doida, passo o tempo a dizer a mesma coisa. É preciso deixá-lo e não pensar mais em si. Creio mesmo que não voltarei a escrever-lhe. Que obrigação tenho eu de lhe dar conta dos meus sentimentos?"
Não é possível ler estas cartas e não querer saber mais sobre esse amor entre uma freira e um homem do exército! 

Terminado em 12 Julho 2024

Estrelas: 5*

Sinopse
Passados 300 anos da morte da freira portuguesa mais famosa de todos os tempos, uma nova edição anotada das cartas que lhe foram atribuídas e que se tornaram uma das histórias de amor impossível mais famosas da literatura ocidental. Publicadas originalmente em 1669, estas cinco cartas de uma freira portuguesa destinadas ao seu apaixonado, um oficial francês, tiveram grande impacto na literatura europeia da qual a França era a porta-estandarte. A investigação histórica que foi feita no decorrer de séculos e até aos nossos dias confirmou, por um lado, que a religiosa teria sido Mariana Alcoforado e, por outro, que o oficial francês seria o marquês de Chamilly, na época em Portugal com o contingente francês para apoiar as forças portuguesas que se opunham ao exército espanhol na luta pela Independência de Portugal. Mais tarde, a continuada investigação considerou mais provável que se tratasse de uma obra de ficção da autoria do editor original, mas inspirada em factos verídicos. A verdade é que a incerteza se mantém e os factos históricos coincidentes mais contribuem para adensar o mistério. Aquilo de que não se duvida é da influência cultural e literária da obra na literatura europeia. Com efeito, as Cartas foram adaptadas diversas vezes ao teatro e ao cinema e são uma referência na literatura europeia e nas belas-artes.. Esta edição que agora se publica, no tricentenário da morte de Mariana Alcoforado, é acompanhada por um Estudo Histórico que recapitula precisamente todo este percurso de investigação e o impacto cultural da obra ao longo dos tempos.

Cris

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

"Dedico-lhe o Meu Silêncio" de Mario Vargas Llosa

Não me recordo de outros livros que tenha lido de Vargas Llosa, o escritor peruano que anuncia que este será o seu último romance. Mas quem pode prever? Às vezes nem o próprio escritor, digo eu. O papel, a caneta e o pensamento estão ligados de tal forma para quem escreve desde os 16 anos que... nunca se sabe! Mas isto sou eu já a divagar.

O fio condutor deste livro é a música peruana, como refere a sinopse. Dado não conhecer praticamente nada sobre o assunto, achei que seria interessante mergulhar neste romance. O personagem principal, Toño, é um estudioso e apaixonado pela música crioula. Escreve artigos sobre isso, é professor esporádico numa faculdade e... ganha mal. A sua mulher desdobra-se em múltiplos trabalhos para poderem viver e sustentar as duas filhas do casal. 

Toño, depois de ouvir por acaso um músico que nunca tinha ouvido falar, Lalo Molfino, fica maravilhado pelo seu desempenho que acha absolutamente excepcional e tenta saber mais sobre o mesmo. A sua morte leva-o a uma espiral de acontecimentos, no mínimo desastrosos, que o levam ao extremo, tanto física como psicologicamente. Toño pretende demonstrar que a música crioula tem um forte impacto na unificação do seu país, o Perú, ajudando a aproximar as pessoas e a combater o racismo, a diminuir as diferenças sociais e económicas. Decide escrever um livro sobre o músico e sobre a sua teoria.

Alguns assuntos abordados com mestria que me tocaram deveras: 

Toño sofre de ataques de pânico e a sua evolução é marcante; uma forte crítica social e referências ao Sendero Luminoso que me fizeram pesquisar sobre o assunto e enriquecer-me; a insatisfação constante de Toño e a sua necessidade doentia de recomeçar tudo de novo vezes sem conta fez-me refletir sobre a instabilidade da mente humana e a utopia.

Terminado em 11 de Julho de 2024

Estrelas: 4*

Sinopse

Pode dizer-se que o novo romance de Varga Llosa o devolve aos terrenos da utopia; desta vez, com a música peruana como fio condutor. O protagonista da história, Toño Azpilcueta, é especialista em «música crioula» e descobre um violonista, Lalo Molfino (personagem de Travessuras da Menina Má). O talento do violonista revive o amor de Toño pelas valsas, marineras, polcas e huaynitos, peças enraizadas na música popular do país. A música crioula não é apenas uma marca do país; é muito mais importante: um elemento capaz de provocar uma revolução, quebrando preconceitos e barreiras raciais para unir todo o país.

O romance decorre no início dos anos 90, em plena ofensiva terrorista do movimento comunista Sendero Luminoso. A música revela-se como elo de união de uma sociedade e o virtuosismo de Lalo Molfino seria decisivo. Toño Azpilcueta decide investigar o guitarrista para descobrir como ele se tornou um músico tão excelente.

Assim, viajou pelo Peru até à sua terra-natal, mergulhando nos seus mistérios, na história da sua família, nas suas relações amorosas. É então que tem a ideia de escrever um livro para contar a história da música crioula.

Cris

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

A Convidada escolhe: Memórias de Adriano

Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar, 1951

Este era um livro que há muitos anos aguardava a sua vez de ser lido e nomeado como “livro da vida” por vários amigos. De Yourcenar apenas tinha lido “A Obra ao Negro” e uma interessante biografia da vida e obra desta autora, editada pela ASA. Mas a verdade é que ia adiando a leitura até que chegou a sua vez. Costuma-se dizer que há livros que devem ser lidos na altura certa e eu achei que estava na altura de o fazer, mas confesso que há muito que não demorava tanto tempo a terminar um livro. Julho passou e só em Agosto consegui terminá-lo. É verdade que as condições psicológicas e físicas, quando não são as melhores, nos retiram o interesse por aquilo que adoramos fazer.

Depois deste intróito, que não é nenhuma confissão, só a partir de certa altura comecei a engrenar com o livro e tenho de reconhecer que é uma obra de grande envergadura. Pensar que Marguerite Yourcenar teve um processo de trinta anos de gestação desta obra, que escreveu, deitou fora, abandonou e, por fim, num trabalho frenético a concluiu entre 1947 e 1950, tendo finalmente sido publicada em 1951, é algo de extraordinário. No final, Marguerite Yourcenar brinda-nos com um conjunto de Apontamentos sobre As Memórias de Adriano, que nos ajudam a perceber e a valorizar esta, que terá sido uma das mais significativas das suas muitas obras literárias. Constituído por seis capítulos com títulos em latim, não posso deixar de referir o facto de esta obra ter sido traduzida para a língua portuguesa por Maria Lamas.

O livro é uma longa carta na primeira pessoa do imperador Adriano dirigida a Marco Aurélio, na sequência da sua visita ao médico Hermógenes, para ser observado. Adriano tem 60 anos e como escreve “ começo a avistar o perfil da minha morte”. Enumera algumas das actividades que já não consegue cumprir, sofre de insónias e dores de cabeça e com esta carta propõe-se-lhe “contar a minha vida. (…) Não espero que os teus dezassete anos compreendam alguma coisa disso. Procuro no entanto instruir-te e também chocar-te.” (pág. 23). Começa por falar da sua infância, do avô, do pai, das suas origens, d’”as minhas primeiras pátrias foram os livros” (p. 34), da sua paixão pela língua e cultura gregas, o que lhe causou alguma desconfiança de entre os membros do Senado. A corte que rodeava Trajano, doente e sem sucessor, estava cheia de inimigos, de traidores e o ambiente que se vivia era de intriga e violência. O próprio Trajano que confiara a Adriano a tarefa de compor os seus discursos, não tinha uma atitude de total confiança naquele a quem dera o anel de sucessão no poder.

Quando Adriano sobe ao poder, o seu desejo era ser justo, clemente, escrupuloso e, sobretudo, estabelecer a paz nos territórios conquistados por Trajano. “Humanitas, Felicitas, Libertas” são as palavras que manda cunhar nas moedas do seu reinado. “ O fim que eu me propunha era uma prudente abolição de leis supérfluas, um pequeno grupo de sábias decisões firmemente promulgadas. Parecia ter chegado o momento de, no interesse da humanidade, revalorizar todas as prescrições antigas” (p. 99). Considerei extraordinária esta medida que é de uma actualidade incrível: “Insisti para que nenhuma rapariga casasse sem o seu próprio consentimento: essa violação legal é tão repugnante como qualquer outra” (p. 102). O sentimento de não pertença a qualquer sítio, mas também de não se sentir isolado onde quer que estivesse, leva-o a sentir-se como um deus, o que “obriga, em suma, a mais virtudes que ser imperador.” (p. 125). “Aos 44 anos, sentia-me sem impaciência, seguro de mim, tão perfeito quanto a minha natureza mo permitia, eterno.” (p. 124).

Casado com Sabina, por quem nunca nutriu qualquer tipo de interesse, o capítulo com o título Saeculum Aureum fala-nos da sua relação devotada com o jovem grego Antínoo, a quem chama de “o meu jovem favorito” e frequentemente “criança” que termina abruptamente com o suicídio de Antínoo, no Egipto. O desgosto daí resultante é devastador e Adriano regressa à sua amada Grécia por pouco tempo, tendo tido contacto com um bispo dos cristãos, reflectindo na sua carta sobre as virtudes e defeitos da seita fundada por Jesus.

A morte do jovem amado Antínoo leva Adriano a desinteressar-se pela vida, mas a guerra com a Judeia vem ao arrepio da sua vontade de paz e reconhece que esta guerra que ele não desejou foi um dos seus fracassos. É também nessa altura que o corpo cansado começa a mostrar as suas fragilidades, acrescido do desespero pelas noites de insónia. No regresso a Roma, deseja encontrar o seu sucessor e preparar a sua morte. Tal como acontecera com Trajano, Adriano não tinha filhos, tendo adoptado Lúcio que morre entretanto e Marco Aurélio para lhe suceder.

O último capítulo – Patientia – é o retrato dos últimos anos de Adriano, um imperador notável que morre aos 62 anos. Um homem poderoso que viveu a doença, a decadência, o desespero e o desejo de pôr termo à vida através do suicídio, mas que finalmente tomou conscientemente a decisão de renunciar a precipitar a sua própria morte.

Marguerite Yourcenar, não sendo uma historiadora, mas sim uma escritora, teve no entanto que ter feito um prodigioso trabalho de investigação histórica para fazer um livro desta envergadura. Recebeu o Prix Femina Vacaresco em 1952 e foi a primeira mulher a ser eleita para a Academia Francesa em 1980, com 77 anos.

3 de Agosto de 2024

Almerinda Bento

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Julho

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Julho.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Carla Pereira Sousa

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

Cris

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Para Os Mais Pequeninos: "Perla, A Cadelinha Poderosa" de Isabel Allende e Sandy Rodrigues


Ter uma cadelinha com poderes especiais não seria fantástico? Aposto que para os mais pequeninos é um desejo frequente! E esta história de Isabel Allende sobre uma cadelinha vem-nos mostrar como isso é possível. 

O primeiro poder é ser simpático e amável para com os outros. Foi usando este poder que Perla cativou Nico e fez com que ele a escolhesse e levasse para casa!

O segundo - rugir como um leão - conquistou os pais que queriam um cão de guarda e não uma mini cadelinha... Mas mais importante que esta impressão resultante de um primeiro contacto, foi o impacto que Perla teve na vida de Nico e que se veio comprovar mais tarde! Têm de espreitar e ler com os vossos pequeninos esta história tão bonita, feita de pequenos pormenores da vida desta família.

Uma história que nos fala da importância de sabermos ultrapassar obstáculos que nos surgem, de como com um pouquinho de coragem e algumas ferramentas conseguimos vencer quem nos quer fazer mal ("Todos os rufias são cobardes!").

Palavras escritas com mestria e ilustrações maravilhosas que nos conquistam, a nós adultos. Creio que as crianças vão adorar!




Cris

quarta-feira, 31 de julho de 2024

"A Coccinela Perfeita" de António da Costa Neves


Jacob está prestes a fazer 18 anos. Vive com uma tia algures no Alentejo, em Azarelhos. A mãe morreu e o pai, ausente, encontra-se a trabalhar na Noruega. Não tem facilidade de arranjar amigos mas os que tem bastam-lhe porque é através deles e da tia que retém informações que lhe são difíceis de adquirir e tem de fazer um esforço para compreender o seu significado.

Escreve apontamentos que constituem este livro, por aconselhamento do seu médico, o Dr Milagres, um dos seus amigos, como forma de se estruturar melhor. É, pois, o narrador. Escreve com humor sem que disso se aperceba, é exaustivo nas suas explicações sobre determinados assuntos, expõe-se e abre a sua alma para o papel. Vamo-nos apercebendo das suas dificuldades, sobretudo pelo entendimento literal que faz das expressões dos que o rodeiam, situações que vai descrevendo e que nos fazem sorrir, e dificuldade em compreender as emoções dos outros. Jacob é inteligente. Muito. Sabe tudo sobre os temas que lhe interessam, tem uma memória fotográfica excelente, aprende a pintar rapidamente e reproduz na perfeição quadros célebres, cálculos é com ele. É autodidata. Síndrome de Asperger, pensei e bem. Que lhe reserva o futuro?

Fiquei presa a esta escrita que tão bem traduz os sentimentos de alguém que tudo sabe e que nada sabe. Alguém que foge aos padrões estabelecidos. Para além deste tema que achei interessantemente desenvolvido e completo, uma pitada de um mistério antigo relacionado com uma morte vai-nos aguçando o interesse. Gostei muito desta leitura e recomendo! No entanto, enquanto escrevia estas linhas, questionei-me: até que ponto o facto de ser Jacob o narrador seria algo verosímil? Porém esta dúvida não tira nenhum mérito ao livro.

Coloquei tantos pos-its que foi difícil escolher algumas frases para colocar aqui. Ficam apenas estas

“E ser-se diferente também ajuda, porque, dizia-me a minha experiência, as pessoas nunca esperam muito de nós e contentam-se, quase sempre, com o pouco que lhe damos” pág. 37

“O Dr. Milagres diz que a minha dificuldade é a comunicação, mas o que vejo e sinto é que, para além de cada povo ter a sua língua, não há nenhuma palavra que não seja equívoca e não possa ter o significado que cada um lhe quiser dar. Por isso considero que viver é difícil e comunicar ainda mais.” Pág. 38

“Teria de pensar e pensar nunca foi uma coisa fácil para mim. Pensar requeria um pensamento estruturado, coisa que eu não tinha. Requeria o sentido da correlação e eu era completamente desconectado. Requeria raciocínio analógico, argumentação e juízo, predicados de que não tinha sido dotado. Eu era um tipo singular e uma aberração completa. Dizia e fazia coisa impensáveis: os meus olhos eram uma máquina fotográfica de alta precisão, os meus ouvidos um radar atómico, e a minha cabeça uma calculadora eletrónica. E, no entanto, era avesso a contactos e engasgava-me ao mais pequeno confronto com o desconhecido.” Pág. 60

“Por instantes, lembrei-me de uma frase, que a sabedoria oriental, árabe, persa e tibetana, tem por sua, mas que, nalguns sites, já vi atribuída a Lao Tsé: “Sempre tive pena de mim mesmo porque não tinha sapatos até um dia que encontrei um homem que não tinha pés.” Sou o que sou e ninguém, até hoje, me ouviu uma queixa. Para quê?” pág. 71

Terminado em 30 de Junho de 2024

Estrelas 5*

Sinopse

Jacob é um jovem esquisito, de quem a maioria se afasta por ser diferente. É possível que seja autista, porventura asperger, e carrega consigo o fardo da incomunicabilidade. Possui, no entanto, três características maravilhosas que fazem dele o ser especial que é: memória fotográfica, capacidade de cálculo instantâneo e uma habilidade congénita para decifrar padrões.

Para além disso, tem quatro amigos. Só quatro, mas todos especiais: o Fredo do Quim da tasca, sempre pronto a puxá-lo para os truques de cartas; o engenheiro Isaac, com quem partilha o amor pela natureza; o doutor Bartolomeu, um indivíduo vagamente misterioso, que o inicia no mundo da pintura; e também um médico, o Dr. Milagres, que, mais do que com medicamentos, o “trata” com livros e bons conselhos.

Servida por uma linguagem fluida e torrencial em que prevalece a ironia, A Coccinella Perfeita é uma metáfora na definição de um objetivo e de como o alcançar. Simultaneamente, é um romance policial de acontecimentos misteriosos e insolúveis, ocorridos no passado, cujas consequências se projetam no presente.

Cris

domingo, 14 de julho de 2024

"Cada Letra, Uma História" de Pedro Fernandes e Ilustração de Romont Willy


Uma história para cada letra! São histórias pequeninas de, em média, duas páginas. Divertidas algumas, outras apontam alguns medos e outras sensações que os protagonistas sentem e como lidam com elas.
Para cada título um nome próprio começado por uma letra segundo a ordem do abecedário e outro também da mesma letra, normalmente um animal ou um objecto, por exemplo: " O Igor e a iguana".
Com ilustrações alegres e coloridas que dão sentido às histórias, faz todo o sentido ler ou contar uma por dia, ou melhor, uma por noite, ao deitar.
E o melhor? Os pequenitos podem ouvir, enquanto acompanham a leitura, todas as histórias através de um sistema de acesso via QR code.
Aprendendizagem e diversão juntas num livro que aconselho para os pequeninos!




Cris

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Junho

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Junho.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Isabel 

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

Cris

quarta-feira, 3 de julho de 2024

"Cadente" de Mário Rufino

Primeiro romance deste autor. Conta-nos a relação entre uma avó e um neto. A avó, cujo neto criou e muitas "noites" perdeu à sua conta pelas preocupações que lhe foi dando ao logo do seu crescimento, vai perdendo faculdades, a sua memória, sem que o seu neto, já homem feito, se aperceba quanto.

Que maravilha de escrita tão cuidada, tão profunda na sua abordagem aos sentimentos da avó e neto ! Fiquei encantada com a sensibilidade com que este tema foi abordado, O neto que não se apercebe do declínio da avó e que depois não o quer ver, e a avó que vai sentido medo, dor e aflição por estar a perder as suas capacidades. É impossível ficar indiferente à escrita apurada, ao amor que se sente nas palavras escritas, que se adivinham próximas do coração do autor e que chega directamente ao nosso, como leitores. Adorei, na verdade. É livro que quero reler.

Um livro que recomendo muitíssimo!

"As pastas, as pastas. Um simulacro de controlo, mas nada controlamos. Por mais que obedeçamos às leis, estamos a um passo de sermos acusados pelo infortúnio. Perder o emprego seria mais um e estava perto disso. Teria de voltar à casa de partida e assumir o papel contrário, o papel de cuidador de uma criança riscada pelas rugas. O papel que não queria assumir." pág. 124

"Foste abençoada por teres sido burlada. Deus abriu as portas do teu cérebro e a corrente de ar levou tudo ou quase tudo. Mas olho para ti e sei que pouco ou nada existo. Vejo-te mas não te tenho. Partiste e o corpo não sabe." pág 162

"Entreguei-a ao portão e deixei-a com ansiedade de primeiro dia de creche. Agarrou-se aflita à minha mão, como em todas as outras primeiras vezes. -Fiz asneira? Vens-me buscar? Não tinha feito nada, o corpo é que a traía e a esquecia. Deixei-a e ela foi de mão dada com a auxiliar. Ela ia e sentava-se junto a outras crianças velhas, entalava as mãos entre as pernas trementes. Agarrava o choro por uma ponta, a vergonha puxava as lágrimas para dentro e ela afogava-se em temor de ficar sozinha, de padecer de um castigo sem culpa." pág. 194

Terminado em 25 de Junho de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

A avó é forçada a cuidar do neto, quase adolescente, quando a mãe lho entrega. Depois de ter sofrido durante a revolução (por estar «no lado errado da história»), de perder tudo e de regressar à vida, tem de cuidar de um neto que mal conhece. Quando ele entra na adolescência e na droga, ela procura um emprego duro para conseguir pagar as contas. Até que a doença muda tudo – é lenta, mas imparável. Ela precisa de cada vez mais cuidados; ele quer começar uma vida nova, mas vai percebendo que morre um pouco de cada vez que a avó se esquece das suas histórias e do seu nome. Para se resgatar, tem de lidar com o passado e com a sua própria culpa. Mais do que isso: tem de aprender a olhar para ela, ouvi-la e guardar as memórias para a salvar do esquecimento.  

Cris

 

segunda-feira, 1 de julho de 2024

"Coração-Castelo" de Raquel Ochoa

Este livro, romance finalista do Prémio Leya, foi um chamamento para os meus olhos. A sinopse agradou-me por se tratar de um assunto para mim desconhecido. No séc. XVII, por volta de 1637, cerca de 35 000 camponeses japoneses refugiaram-se no castelo de Hara, fugidos que estavam dos tributos excessivos que não lhes deixavam, sequer, víveres para sobreviverem e também fugidos da proibição de professarem o cristianismo (kirishitans). Resistiram ao longo de vários meses e foram comandados por um jovem de 16 anos a quem atribuíam poderes especiais, "milagres", e era conhecido pelo "mensageiro do céu". Esta tentativa de resistência e revolta da população ficou conhecida pela Rebelião de Shimabara. O xogunato de Tokugawa enviou uma força de mais de 125 000 tropas para combater os revoltosos e após um cerco prolongado, obtiveram a vitória, exterminando os sobreviventes. A política de perseguição formal aos cristãos continuou até à década de 1850. (Informações retiradas da Wikipédia).

Finda esta explicação histórica, que adorei conhecer ao longo destas páginas, vamos ao romance e à escrita de Raquel Ochoa. Podia ser uma "seca" contar tudo isto? Podia, mas não foi. Ao introduzir a história de uma mãe e do seu filho - Jana e Tago - que se juntaram à multidão que caminhava em direcção a Hara, uma pitada de romance e mistério foi colocada acertadamente na trama o que levou a fixar a minha atenção e a ler com muito gosto esta obra. 

Haru, um ex-samurai; Clarimundo, um missionário português; a irmã e o pai de Haru, invisual de muita idade, apimentam e completam esta trama. Segredos antigos, um fim que todos temem e que o leitor suspeita, fazem querer ler mais depressa. Mas há sempre surpresas na ficção e Jana é uma mulher lutadora, que sabe manejar armas e faz de tudo para salvar o seu filho. Que fim a aguarda?

Escrita cuidada mas simples (algumas palavras preferiria que tivessem notas de rodapé em vez de um glossário no final) que me conquistou. No meu coração permanece sempre a lembrança do primeiro livro que li desta autora em Setembro de 2010, A Casa-Comboio. Posteriormente li Mar Humano e O Vento dos Outros.

Recomendo muito se for uma temática que vos interesse, esta de um país culturalmente muito diferente do nosso.

"- Toda a vida sempre pensei que a fé é o maior dom - dizia-lhe a avó, preparando-a para o desconhecido, suspeitando não ser compreendida pela neta. -E não precisas de pôr esse ar sério, a fé ajuda-nos a imaginar o futuro.

- Que interessa o futuro? O futuro vai ser igual ao presente, que já é igual ao passado.

- O futuro é sempre melhor porque nele colocamos a esperança." (pág. 113)

Terminado em 21 de Junho de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Japão, 1637.

Com a proibição de professar o cristianismo e a imposição de avultados tributos à população, cerca de 35 000 camponeses liderados por um general-menino com reputação de fazer milagres invadiram várias fortalezas governamentais e acabaram por se refugiar na ruína do castelo de Hara.

Reconstroem-no em conjunto para resistir, ao longo de vários meses, à resposta do xogum – um cerco implacável levado a cabo pelas suas tropas.

Entre os que lutam contra a tirania, encontram-se Jana e o seu filho pequeno, bem como o ronin Haru – samurai renegado e agora ao serviço do seu povo.

Apesar do ódio mútuo inicialmente sentido, Haru não consegue ficar indiferente a essa mulher que carrega um mistério e sabe pegar em armas, nem ao ciúme provocado pela relação dela com o missionário Clarimundo, um dos poucos portugueses que ainda não deixaram o Japão.

Mas são forçados a lutar em conjunto e, no caos que só a guerra poderia causar, os sentimentos entre estas três personagens vão exacerbar-se.

Tal como no final do cerco, não existirá redenção, só a grande busca da liberdade.

E a certeza de que há vida enquanto houver amor.

Este é um extraordinário romance sobre um episódio real, que foi finalista do Prémio LeYa em 2023.

Cris