Maria Stuart, Stefan Zweig, 1935
Em 2018, li quatro
contos de Stefan Zweig, por ocasião de uma das sessões do Clube de
Leitura da Livraria Bertrand do Chiado em que fomos convidas/os a
descobrir a obra deste autor austríaco. Fiquei tão entusiasmada com
a capacidade do autor de analisar as personagens, que na altura
decidi que no futuro havia de ler uma das diversas biografias que
Zweig escreveu. Há pouco “tropecei” neste “Maria Stuart” num
leilão online de livros duma alfarrabista e logo não hesitei
em comprar uma 9ª edição de 1961, da Livraria Civilização, com
tradução de Alice Ogando.
No breve prefácio,
o autor chama a atenção para o facto de a rainha Maria Stuart ser
porventura aquela que é objecto de leituras e interpretações mais
contraditórias, de acordo com quem as faz, sua origem, religião,
corrente ou concepção social. Sendo esta biografia baseada em
documentos, quis o escritor “ser mais objectivo e abordar esta
tragédia com toda a paixão, mas com toda a imparcialidade de
artista. (…) E por muito prudente que se possa ser na escolha, o
historiador será obrigado, muito honestamente, a acompanhar a sua
opinião com um ponto de interrogação e de confessar que este ou
aquele acto da vida de Maria Stuart ficou obscuro e ficá-lo-á
provàvelmente para sempre.”
O que posso dizer
desta biografia, agora que terminei a sua leitura? É extraordinária.
E com vontade de em breve ler “Maria Antonieta” do mesmo autor, a
qual já antes me foi aconselhada. E, embora isto seja mais difícil,
com vontade de voltar a Edimburgo e olhar para o palácio de
Holyrood e o imponente castelo com outros olhos, lembrando aquela que
“com seis dias foi rainha da Escócia, com seis anos noiva do
príncipe mais poderoso da Europa , com dezassete anos rainha de
França” (pág.41), aos dezoito viúva, rainha da Escócia e
herdeira legítima da coroa de Inglaterra, embora tenha tido sempre a
barreira intransponível de Isabel que nunca lha concedeu. 45 anos
duma vida aventurosa que Stefan Zweig vai, ao longo de cerca de
quatrocentos páginas narrando, de forma rigorosa, com uma riqueza e
profundidade na análise psicológica das personagens, estabelecendo
com o leitor um diálogo fluido e claro.
Período conturbado
da história europeia aquele século XVI. As potências
digladiavam-se ambicionando aumentar o seu poderio. A Reforma e a
Contra-Reforma jogavam os seus peões e estendiam a sua influência.
Os casamentos combinados das crianças que viriam a ser os futuros
reis e rainhas eram a moeda dos negócios das potências de então.
Os espiões, traidores, intriguistas enxameavam a corte num ambiente
que podia ir das cartas melosas e dissimuladas, mas cheias de
alçapões, até aos cativeiros sem fim mas sem serem cruéis, mas
também aos envenenamentos ou às mortes brutais com o punhal ou com
o machado do carrasco, qual espectáculo para gáudio do povo.
Shakespeare só teve de usar o seu génio para criar as suas
personagens trágicas a partir das personagens de carne e osso do
tempo em que viveu.
No centro da
biografia de “Maria Stuart”, para além da jovem despreocupada,
culta, apaixonada, impetuosa, sedutora, destemida, corajosa,
arrogante e que escolhe morrer como mártir pelas suas convicções
religiosas, todo o drama da vida de Maria gira em torno do facto de
ser a herdeira legítima da coroa de Inglaterra. Para Isabel, filha
de Henrique VIII e de Ana Bolena, declarada bastarda em vida do pai,
mas rainha de Inglaterra por morte da meia-irmã Maria, a existência
da prima Maria Stuart foi sempre um perigo e um obstáculo de que se
quis livrar com receio de que a coroa de Inglaterra lhe fosse
retirada. Ao longo de vinte e cinco anos, Isabel fez da recusa do
contacto, do fingimento, da ambiguidade e da falsidade na sua relação
com a prima, a quem tratava por “sua irmã”, as armas que
usou como escudo para a fragilidade da sua ascendência.
O livro é
verdadeiramente maravilhoso, numa narrativa marcada por períodos
decisivos da vida da rainha Maria Stuart com indicações precisas de
datas relevantes, sendo as descrições de um escritor de elevada
qualidade. Destaco o penúltimo parágrafo – No meu fim está o
meu começo (8 de Fevereiro de 1587) – o mais dramático e o mais
visual, referente às últimas horas de Maria Stuart antes de subir
ao cadafalso até ao momento em que o carrasco desfere os três
golpes que concluem a decapitação de uma mulher que não vergou.
“Agora, pouco mais tem que fazer. Inclina a cabeça sobre o
cepo, que abraça com os dois braços. Até ao último
momento, Maria Stuart conserva a sua grandeza de rainha. Nenhuma das
suas palavras, nenhum dos seus gestos exprimem medo. A filha dos
Stuart, dos Tudor, dos Guise preparou-se para morrer dignamente.”
(pág.381).
27 de Abril de 2022
Almerinda Bento