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segunda-feira, 29 de abril de 2024

"Na Terra dos Outros" de Manuel Abrantes

Que história com um tema tão simples e contudo tão verdadeiro e que traduziu uma realidade até há bem pouco tempo vivida neste nosso Portugal de brandos costumes e preso a tradições tamanhas! Quem não se lembra de ouvir falar que no tempo das nossas avós/bisavós era costume vir "servir" para a cidade? Era uma forma de "rentabilizar" os muitos filhos que se tinham e, também, de ter menos uma boca para sustentar.

Pegando nessa vivência muito portuguesa, Manuel Abrantes, com uma mestria na escrita que eu não conhecia (primeiro romance) construiu uma história na qual reconhecemos traços da História de Portugal ainda recente, pobre e limitado. 

A personagem principal, Maria do Carmo, 11 anos, vai, a contra gosto, servir para uma família lisboeta. As saudades apertam, o trabalho não dá descanso, o amor não abunda. Explorada no seu trabalho, abusada sexualmente, traída repetidamente pelo marido, mal amada pelos filhos, Maria do Carmo tem uma vida dura. Lutadora, não desiste.

É toda uma vida que começa no trabalho infantil e que se prolonga durante a sua vida toda. As necessidades dos outros em primeiro lugar. Casamento, filhos. Até quando?

Uma leitura que gostei muito de fazer e que me recordou de certas histórias que ouvi falar há muito. Escrita envolvente, simples e directa. Recomendo muito. 

Terminado em 6 de Abril de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Na terra dos outros conta-nos a extraordinária vida de uma mulher comum: Maria do Carmo, uma de milhares de raparigas que deixaram a família e o quotidiano severo no campo e abalaram para as cidades, sozinhas, em busca de futuro. «Criadas para todo o serviço», ocupavam-se do que quer que conviesse aos patrões; muitas vezes, recebiam por paga somente cama (dura) e comida (escassa); não havia folgas, férias ou licença para sair. A Revolução de Abril, vivida dentro de portas e entre sussurros, traz grandes mudanças, embora pouco retorno,e Carmo vai reinventando os seus dias, década a década.
Com impressionante desenvoltura romanesca, este livro leva-nos do fim da ditadura às portas da atualidade, acompanhando uma emancipação ainda desigual, ainda por cumprir. A história de uma vida que se cruza com a história de um país em formação: planos adiados, desígnios perdidos, ilusões desfeitas.

Cris

sexta-feira, 26 de abril de 2024

"Um Crime da Solidão - Sobre o Suicídio" de Andrew Solomon

Livro de não ficção. Ouvi num dos grupos de leitura falar sobre esta obra e fiquei curiosa. É um livro relativamente pequeno mas pesado pelo seu conteúdo. Aborda algumas causas prováveis do suicídio e relaciona-o também, mas não só, com a depressão. 

Não é uma leitura fácil e que pode provocar alguns sentimentos de tristeza e desencanto. Talvez por isso eu não o leria caso sofresse de depressão neste momento, embora considere que aborde muito bem muitas das causas que podem levar ao suicídio.

Relata vários casos sobre a depressão e como ela pode estar intimamente ligada ao suicídio e serve como uma pequena “introdução” ao seu livro sobre a depressão, um verdadeiro tijolo, “O Demónio da Depressão”. O facto de referir vários exemplos leva o leitor a ficar mais atento e interessado no tema. E, sobretudo, entender que podemos estar perto de alguém com tendência para o suicídio e não dar atenção, nem reparar! Refere, por exemplo, como é importante falar com alguém que imaginemos estar com problemas profundos. "Algumas pessoas pensam erradamente que questionar alguém sobre suicídio vai aumentar o risco, perguntar não só não aumenta o risco como pode salvar uma vida" (pag.61).

Fala de si, de seus familiares, de amigos próximos e também de gente conhecida e de que forma foram tocados pelo suicídio deles ou pensaram em executá-lo. "O suicídio é resultado do desespero, da impossibilidade da esperança, da sensação de se ser um fardo para os outros. Pode ser alimentado por uma doença mental ou por circunstâncias da vida, mas é quase sempre o resultado das duas." (pag. 55) 

Muitas vezes, a depressão é vista pelos outros como algo leve e não se compreende que existe uma diferença entre a tristeza comum e a depressão. "Ora, eu também fico deprimido e lido bem com isso." (pag. 122). 

Um pouco de empatia com o outro que nos rodeia, precisa-se!

Terminado em 31 de Março de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Andrew Solomon, conhecido dos leitores portugueses através dos livros O Demónio da Depressão e Longe da Árvore, reúne neste volume uma série de textos sobre o suicídio, analisado sempre a partir de uma história pessoal ou de um caso concreto: quer do círculo mais íntimo do autor, como, por exemplo, o inesperado suicídio do exuberante amigo Terry, ou o suicídio assistido da mãe; quer de figuras públicas, como os de Anthony Bourdain ou Robin Williams, ou até os de celebridades literárias, como David Foster Wallace ou Sylvia Plath.

Um Crime da Solidão reflete sobre o suicídio, as suas causas e circunstâncias (solidão, depressão), o efeito de imitação, os aspetos facilitadores (como o fácil acesso a armas) e a incompreensível incidência em pessoas aparentemente realizadas e bem-sucedidas. São nove magníficos textos, na prosa sempre inteligente e cativante de Andrew Solomon.

Sobre O Demónio da Depressão:

«Um livro-chave para uma geração que traz a depressão no seu cerne.»

The Times

«O rico e eloquente testemunho que Salomon produziu sobre a sua estadia no inferno faz nascer a esperança no leitor deprimido.»

The Guardian

Cris


quarta-feira, 24 de abril de 2024

"Nini" de Ticas Graciosa

Não sei exactamente o que deste livro "pertence" à vida da autora mas isso, realmente, não importa de todo. Caso traduza a sua realidade, ou não, o que é relevante é como esta história nos chega a nós, leitores. 

E a história toca o coração de quem a lê, embora a escrita seja simples e a história contada de uma forma linear, o leitor reconhece a verdade destes acontecimentos porque, nas muitas histórias que ouve e vê ao seu redor, elas se assemelham na violência, na indiferença e no amor que muitas vezes as constituem.

Nini tem uma história de vida como, infelizmente, muitas crianças possuem. Agressão e amor, pai e mãe. Cresceu com o medo, sem saber bem que isso não é normal nem justo. Cresceu sem saber que a doença mental tomava de repente o pai. Mas a vida não é necessariamente feita de justiça e compreensão. Cresceu também com a indiferença de quem não quer ver e não ajuda porque não olha com atenção. A indiferença mata. Não querer reparar, mata. 

"Apesar de momentos pesados, a vida tem graça, e cada um de nós pode ser peso ou leveza na vida uns dos outros." (pág 220). Resta-nos saber o que escolhemos ser!

Não esperem um livro leve, esperem sim, um livro duro mas cheio de esperança e a certeza que o ciclo da vida pode ser mudado se o quisermos fazer.

Terminado em 26 de Março de 2024

Estrelas: 4*

Sinopse

De dentro de nós vem o pior que se pode imaginar. Mas também o melhor.

Quando Nini era criança, o pai, atormentado por um transtorno obsessivo, matou-lhe a mãe e suicidou-se — ou, como a mulher em que Nini se tornou viria a aprender, «morreu de suicídio».

Inspirado num único acontecimento real da vida da autora, justamente a morte dos pais, Nini é um romance que mergulha na construção literária de uma criança que cresce num ambiente preconceituoso e violento, e no esforço que faz para o compreender e superar ao longo da vida.

Um entusiasmante romance de estreia de Ticas Graciosa, que, com espantosa riqueza de imaginação e surpreendente habilidade, ficciona uma dor talvez há muito esquecida, mas que lhe tem imposto uma constante aprendizagem, quase uma luminosa missão para a vida: alertar.

E Nini? Terá ela compreendido, terá ela perdoado?

Cris

segunda-feira, 22 de abril de 2024

"A Uma Hora Tão tardia" de Claire Keegan

Confesso que quando comprei este livro já não me lembrava que era um livro de contos (tem três) e escolhi-o pela autora - quero ler tudo o que escreve... Não dei o tempo por perdido e realmente há um dos contos que ainda me lembro dele, forte como é: "Antártida". O meu coração bateu forte com esse conto. 

Dos outros dois, reconheci a escrita e o tom mas, se uma parte de mim acha que Claire Keegan podia escrever livros mais gordos e a outra metade acha-os perfeitos assim, o que é certo é que contos para mim nunca são suficientes. Falta-lhes sumo. Queria mais.

Para quem gosta de contos, acho estes perfeitos. Espreitem.

Terminado em 20 de Março de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Um tríptico de histórias sobre amor, desejo, traição, misoginia e as sempre intrigantes interações entre mulheres e homens.

Celebrada pelos seus contos, Claire Keegan oferece-nos três histórias que constituem uma exploração da dinâmica de género, numa trajetória entre os seus primeiros e últimos trabalhos.
Em «A Uma Hora tão Tardia», Cathal enfrenta um longo fim de semana, recordando a mulher com quem poderia ter passado a vida, se tivesse agido de forma diferente.
Em «A Morte Lenta e Dolorosa», a chegada de uma escritora à casa à beira-mar de Heinrich Böll é perturbada por um académico que impõe a sua presença e as suas opiniões.
E, em «Antártida», uma mulher casada viaja para fora da cidade para descobrir como é dormir com outro homem e acaba nas mãos de um estranho possessivo.

Cada história investiga as dinâmicas que corrompem o que poderia existir entre seres humanos: a falta de generosidade, o peso das expectativas e a iminente ameaça de violência; e todas prometem permanecer na memória do leitor muito depois de fechar o livro.

«Claire Keegan é um dos melhores escritores de ficção do mundo.» [George Saunders]

«Cada palavra é acertada e oportuna. O efeito ressoa e é profundamente comovente.» [Hilary Mantel]

«Uma obra-prima.» [The New York Times]

Cris

sexta-feira, 19 de abril de 2024

“Kim Jiyoung, Nascida em 1982” de Cho Nam-Joo

História que se lê com muita fluidez, sobre uma mulher de 36 anos, Kim Jiyoung, casada, com uma filha e que, sem motivo aparente, começa a ter comportamentos estranhos, assumindo momentaneamente a personalidade de mulheres da sua família e amigas (transtorno dissociativo, supõe-se). A ida ao psicólogo é o passo tomado de seguida. Este é o começo que deixa logo um suspense no ar. Está-se em 2015, na Coreia do Sul. Depois, a trama recua no tempo e vamos percorrendo toda a sua vida até chegar ali.

E é nesta retrospectiva da sua vida que tomamos consciência do papel da Mulher na Coreia. Mas não só. Embora focado muito nas condições diferenciadas entre géneros e nas expectativas do que é esperado especificamente na Coreia em relação à Mulher, é certo que todos nos revimos um pouco na vida de Kim.

Embora estejam longe os tempos em que não era suposto as raparigas possuírem a mesma educação que os rapazes e as famílias coreanas perceberem que as mulheres tinham o direito de completar os seus estudos, depois, em ambiente profissional, elas continuam a ser discriminadas e muitas têm de abandonar os seus empregos sobretudo quando têm filhos. A exigência leva, muitas vezes, a momentos de ruptura psicológica.

"No entanto, em determinados momentos cruciais nas vidas das mulheres, o estigma "mulher" surgia-lhes à frente para lhes toldar a visão, amarrar-lhes as mãos e refreá-las. Os sinais contraditórios eram confusos e desconcertantes." (pág.70)

"O mundo tinha mudado bastante, é verdade, mas os pequenos hábitos, regras e convenções, não - o que significava que o mundo não tinha mudado praticamente nada" (pág.135)

É um livro rápido de ler e mescla muito bem a ficção com dados verídicos, o que torna a leitura muito "real". Recomendo. 

Terminado em 17 de Março de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Quem é Kim Jiyoung?
Kim Jiyoung é uma menina nascida numa família que queria um menino. Uma irmã obrigada a dividir um quarto enquanto o irmão fica com um só para ele.
Uma rapariga perseguida na escola por professores do sexo masculino. Uma filha cujo pai a culpa quando ela é assediada na rua.
Kim Jiyoung é uma boa aluna que não recebe qualquer recomendação para estágios.
Uma funcionária-modelo que é esquecida nas promoções. Uma esposa que abdica da sua independência por uma vida doméstica.
Kim Jiyoung começou a agir de forma estranha.
Kim Jiyoung está deprimida.
Kim Jiyoung é todas as mulheres.

Cris


quinta-feira, 18 de abril de 2024

“Pequenas Coisas Como Estas” de Claire Keegan

1985, pequena cidade irlandesa.

Um dos aspectos de que gosto muito na escrita de Claire Keegan é o facto de me prender à sua narrativa, logo no início das suas obras. A sua linguagem é simples, clara, sem equívocos. Mas a trama envolve-nos num crescendo ao qual não nos sentimos capazes de resistir.

Esta é uma história que poderia traduzir bem a realidade de uma família que vive numa pequena localidade irlandesa marcada pelo estigma da pobreza, muito preocupada com o seu dia a dia, os seus assuntos, tantos!, de uma família numerosa. Bill Furlog, comerciante de carvão, tudo faz para que nada falte às suas 5 filhas e sua mulher. O seu dia é ocupado com trabalho intenso e quando chega a casa, à cama precisamente, fecha os olhos e nada mais pensa. Esta vida amortecida (quase) impede-o de pensar. 

Mas anseia por mais. Esta inquietação crescente leva-o a pensar na sua infância, criado que foi unicamente pela sua mãe, sem saber quem era o pai, e na sorte que o acompanhou desde cedo porque foi criado pela patroa, com todo o carinho. Até que um acontecimento, ao qual não deu importância conscientemente, o fez questionar sobre alguns acontecimentos que decorriam na cidade e aos quais ninguém, hipocritamente, ligava. Até que ponto seria melhor fechar os olhos para bem da sua família a quem Bill quer proteger de tudo?

O leitor, juntamente com Bill, vai, aos poucos apercebendo-se do mistério que envolve a cidade. A indiferença de todos, o horror e a crueldade do que se passa atinge-nos em cheio. Expectantes, interrogamo-nos como irá reagir o protagonista. Final belíssimo, como aconteceu noutro livro que li desta autora, “Acolher”.

Um livro que nos traz interrogações. Muitas. Devem lê-o, sem sombra de dúvida!

Foi baseado em acontecimentos verídicos que tiveram lugar num convento financiado pelo estado e gerido por freiras católicas romanas, na Irlanda, que não explanarei melhor aqui para não matar o factor surpresa, e que foi descoberto em 1993. A dedicatória da autora é dedicada a essas mulheres e crianças.

Terminado em 15 de Março de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Estamos em 1985, numa pequena cidade irlandesa. A autora narra-nos a vida de Bill Furlong, um comerciante de carvão e pai de família.
Uma manhã, ainda muito cedo, quando vai entregar uma encomenda no convento local, Bill faz uma descoberta que o leva a confrontar-se com o passado e os complicados silêncios de uma povoação controlada pela Igreja.

Cris


segunda-feira, 15 de abril de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Março

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Março.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Carla Pereira Sousa

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:


Cris

segunda-feira, 8 de abril de 2024

"Jane Eyre" de Charlotte Bronte

Uma leitura conjunta ajudou a pegar num livro que morava cá há tanto tempo que me tinha esquecido que já habitava na estante (tendo pedido outro como oferta no Natal de 2022). Resultado: quando fui procurar por ele, apareceram-me dois! Mas, quem é livrólico compreende bem estes acidentes… Mas voltando ao facto de ter sido lido no âmbito de uma leitura conjunta: é a melhor maneira de ler livros “esquecidos”, tanto mais que podemos sempre ir comentando com os parceiros de leitura durante todo o decorrer da obra. Sem pressões e sem metas rígidas, é como mais gosto. Acabo sempre por avançar mais depressa porque, caso contrário, com prazos precisamente estabelecidos sinto a obrigação de obedecer aos prazos e isso faz-me “comichão”… ;)

Quem já leu Jane Eyre e não gostou ponha o dedo no ar! Claro que, tendo sido publicado em 1847 (publicado primeiro com um pseudónimo masculino, Currer Bell, note-se!), tem de ser lido contextualizando a época e os costumes. Mas a crítica tão evidente e profunda ao papel da mulher na sociedade da época está, quase, em cada linha. Jane é uma personagem que serve esse fim, corajosa e destemida para a época. É a narradora desta obra, sendo o subtítulo “uma autobiografia” um alerta logo no início. Algumas vezes, utiliza a técnica em que o narrador interpela e fala diretamente com o leitor. Leitura que se faz num ápice pese embora as suas mais de 400 páginas! Agarra de imediato a atenção, não é lento e possui suspense q.b..

Jane começa por relatar a sua infância onde vive numa casa sem amor, ou melhor, com maus tratos, com a madrasta e suas duas meias irmãs e um irmão que exerce violência física sobre ela. O pai, falecido, deixou ordens em relação a Jane que a esposa nunca se preocupou em cumprir e… Assim começa uma história verdadeiramente entusiasmante! O facto que começar a relatar a obra desde a infância de Jane, demonstra que Charlotte sabe como agarrar o leitor. Ainda mais escrito na primeira pessoa!

Charlotte e suas irmãs tiveram uma vida tão atribulada que fiquei verdadeiramente interessada em ler uma biografia sua, talvez a escrita por Elizabeth Gaskell. Vou procurar. Morreu cedo, aos 38 anos, e as suas irmãs Anne (“Agnes Gray”) e Emily (“O Monte dos Vendavais”) já tinham ambas falecido.

Gostei muitíssimo. Devorei esta obra.

Terminado em 14 de Março de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Jane Eyre, pobre e órfã, cresceu em casa da sua tia, onde a solidão e a crueldade imperavam, e depois numa escola de caridade com um regime severo. Esta infância fortaleceu, no entanto, o seu carácter independente, que se revela crucial ao ocupar o lugar de preceptora em Thornfield Hall. Mas, quando se apaixona por Mr. Ro- chester, o seu patrão, um homem de grande ironia e algum cinismo, a descoberta de um dos seus segredos força-a a uma opção. Deverá ficar com ele e viver com as consequências, ou seguir as suas convicções, mesmo que para tal tenha de abandonar o homem que ama?
Publicado em 1847, Jane Eyre chocou inúmeros leitores da Inglaterra vito- riana com a apaixonada e intensa busca de uma mulher pela igualdade e a liberdade.  

Cris


sexta-feira, 5 de abril de 2024

A Convidada escolhe: “Vemo-nos em Agosto”


“Vemo-nos em Agosto”, Gabriel García Márquez

Foi com “Cem Anos de Solidão” que me iniciei e maravilhei com Gabriel García Márquez, já lá vão muitos anos. Com “A Hora Má: o Veneno da Madrugada”, tentei, mas não fiquei fascinada como com aquele primeiro romance incrível que me permitiu horas e horas de deslumbramento. Até que de novo fiquei rendida ao grande Gabriel García Márquez com “O Amor nos Tempos de Cólera”, um dos livros da minha vida. Outros livros do autor colombiano oferecidos mas ainda não lidos têm ficado por desvendar na estante, a aguardar a sua vez.

Dez anos após a morte do autor chegou às livrarias “Vemo-nos em Agosto”, lançado no dia em que Gabo faria 97 anos. Trata-se do seu último livro. Em 1999 Gabriel García Márquez anunciou que estava a escrever um romance com cinco contos autónomos e foi escrevendo várias versões até que a doença lhe tirou as forças para o dar por concluído. No Prólogo, assinado pelos dois filhos do autor, referem as palavras do pai, consciente da fragilidade da sua condição:“A memória é ao mesmo tempo a minha matéria-prima e a minha ferramenta. Sem ela não há nada.” (pág.7). Ao tomarem a decisão de divulgar o livro, apoiando-se nas várias versões existentes, Rodrigo e Gonzalo García Barcha reconhecem que se tratou de“um ato de traição”, pois para o pai “Este livro não presta. É preciso destruí-lo.”(pág.8), embora confiem que “Gabo nos perdoe”se os leitores o celebrarem.

O que poderei dizer deste pequeno livro que se lê dum trago? Ana Magdalena Bach de 46 anos, casada e feliz há 27 anos com um homem de 54 anos, com um filho e uma filha, visita a campa da mãe, sepultada numa ilha num pobre cemitério no cimo duma colina “o único lugar solitário onde não podia sentir-se só.”(pág.16). Uma vez por ano, no dia 16 de Agosto, apanhava o ferry até à ilha numa viagem de quatro horas, sempre acompanhada por um livro, apanhava o mesmo táxi, comprava um ramo de gladíolos sempre na mesma florista e ocupava o mesmo hotel. Visitava a campa da mãe, levava-lhe os gladíolos e no dia seguinte regressava a casa.

Tal como a sua vida de casada era feita de rotinas previsíveis e felizes, também aquela rotina anual a levava sozinha à ilha onde a mãe se deslocava com frequência em vida, com a desculpa de que lá tinha um negócio próprio. A experiência de uma relação ocasional com um estranho, que Ana Magdalena Bach conhece no bar do hotel, quebra todo um esquema em que vivera até então. “Nunca mais voltaria a ser a mesma.”(pág.29) “Não obstante, foram-lhe necessários vários dias para tomar consciência de que as mudanças não eram do mundo, mas sim dela própria, que andara sempre pela vida sem a ver, e só nesse ano, ao regressar da ilha, começara a vê-la com os olhos do escarmento.” (pág.31)

A ansiedade por uma nova aventura que se procura em próximos 16 de Agosto na ilha traz consigo alterações no comportamento e no sono e mudanças também na sua relação com o marido, levando-a a suspeitar que ele a enganava. Sentimentos contraditórios de culpa, humilhação, desejo, raiva, frustração e desânimo surgem ao longo do livro em diferentes momentos em que a personagem feminina se depara com diferentes parceiros ou putativos parceiros. Mas assume-se de forma activa e afirmativa enquanto mulher que aspira ao direito ao prazer, fora da sua condição de mulher casada.

Não sendo um livro incrível, é um livro que não se esquece, pois consegue transportar-nos para o insólito duma situação pouco expectável. Os pormenores das descrições dos diferentes locais, das roupas que a protagonista veste, os títulos dos diferentes livros que leva em cada viagem, os diálogos, os momentos que nos fazem rir, tornam o livro muito visual e daí ficar na memória como um momento de agradável fruição de leitura.

Não sei se Gabriel García Márquez ficaria satisfeito pela traição dos filhos. Uma coisa é certa: “Vemo-nos em Agosto” tem estado nos tops de vendas de algumas das livrarias do país e as apreciações dos leitores fiéis de Gabriel Garcia Márquez dividem-se quanto a este livro. Em minha opinião, ainda bem que ele não foi destruído, como o autor desejou.

31 de Março de 2024

Almerinda Bento

quinta-feira, 4 de abril de 2024

"O Assassinato de Roger Ackroyd" de Agatha Christie

Confesso que o que mais gostei nesta leitura esteve directamente ligado às conversas que foram surgindo no grupo que se formou para esta leitura conjunta. E isto porque, tratando-se de Agatha Christie eu acerto sempre e torna-se aborrecido saber de antemão saber quem é o assassino... SÓ QUE NÃO!

Nunca acerto. Mas para a próxima tenho de ir escrevendo ao lado horas, teorias, nomes e sei lá mais o quê. Mas a autora não seria tão conhecida se o assassino estivesse ali à nossa frente, pois não?

Por essas e muitas outras razões fico-me por aqui. Uma mansão, criados e mordomo, familiares e amigos, um morto. Um médico da aldeia chamado para socorrer quem já não podia ser socorrido é o narrador desta trama e, finalmente, Hercule Poirot, retirado das "lides profissionais" nessa povoação onde ocorreu o crime. Quem matou o dono da casa e qual o motivo? Para variar, muitos são aqueles que têm razões para o fazer e meios também. Lá bem escondido está o dito cujo.

Leiam e vejam se o descobrem!

Terminado em 9 de Março de 2024

Estrelas: 4*

Sinopse

Roger Ackroyd sabia de mais. Sabia que a mulher que amava envenenera o primeiro marido, um homem extremamente violento, e suspeitava que ela era vítima de chantagem. Agora, que as trágicas notícias sobre a morte dela apontam para suicídio por overdose, são muitas as perguntas que parecem não ter resposta. O perplexo Ackroyd decide investigar, uma decisão que tem consequências inesperadas. Ao deparar-se com as primeiras pistas sobre o caso, Ackroyd transforma-se no novo alvo do criminoso. O Dr. Sheppard, médico da aldeia, fala então com o vizinho, um detetive reformado que escolhera o campo para passar tranquilamente os seus últimos anos de vida. A escolha não podia ser mais acertada pois o pacato vizinho é nem mais nem menos que o formidável Hercule Poirot...

Cris

quarta-feira, 3 de abril de 2024

A Convidada escolhe: "Paula Rego"


“Paula Rego – A Luz e a Sombra Uma Forma de Olhar”, Cristina Carvalho, 2023

Quando lemos os romances biográficos de Cristina Carvalho, sempre sentimos a estreita ligação afectiva entre a narradora e o biografado ou a biografada e às vezes perguntamo-nos se o que estamos a ler se refere à narradora ou à pessoa que é objecto do romance biográfico. É essa profunda ligação e a liberdade que é dada ao leitor, um dos grandes fascínios da escrita de Cristina Carvalho. Ao longo da leitura deste maravilhoso romance, tantas vezes me acorreu se a narradora era Paula Rego ou Cristina Carvalho, porque sinto que as duas personalidades têm muito em comum. Mas isto sou eu, enquanto leitora e enquanto leitora deste “Paula Rego”. Trago aqui o epílogo, em que Cristina Carvalho faz uma reflexão sobre a memória e avisa:“Este curto livro não pretende revelar a intimidade da artista, nem isso seria possível. Também não pretende analisar a estrutura, o ideal ou a imaginação que esteve presente em toda a sua obra, tudo o que se conhece e tudo o que se não conhece. É, precisamente, o deixar à vontade a imaginação de quem observa, tendo por base algumas circunstâncias vivenciais, relacionais, em suma, existenciais.” (pág. 153)

Quero, antes do mais, dizer como gosto da pintura de Paula Rego e como passei a gostar ainda mais depois da grande série que fez sobre o aborto, apoiando com a sua Arte a luta que se travava cá em Portugal pela dignidade e pela liberdade de escolha. As mulheres – “seres mártires ao longo de tantos séculos” (pág. 30) – as suas vidas de sofrimento e a incompreensão a que têm sido votadas estão sempre presentes nas telas de Paula Rego. “São fortes, musculadas, as mulheres que eu pinto. (…) Às vezes eu própria me assusto! São tão feios, tão brutais, tão violentos, esses corpos, que fico a pensar no que acabei de conceber. (…) Mas chego sempre à mesma conclusão: preciso, tenho obrigação de mostrar a toda a gente um sofrimento mais do que silencioso, este sofrimento das mulheres da minha época, de todas as épocas.”(pág. 69). No inesquecível capítulo “Os Uivos do Mar” Cristina Carvalho transporta-nos para as praias da Ericeira onde os abortos aconteciam “sem disfarces”(pág. 62).

O pai, uma das figuras de referência de Paula Rego, cedo percebeu que a filha tinha qualidades que não se coadunavam com a tacanhez de Portugal de Salazar e, em 1952, envia a filha para Londres para estudar na Slade School of Fine Art: “Vais-te embora, que isto não é um país para mulheres!” (pág. 47). Menina, adolescente, mulher que viveu e conviveu toda a vida com medos, com depressões, fez, através da Arte, a cura e a representação das ideias, das memórias da infância com os avós, das histórias tradicionais contadas pela tia Ludgera, da vida comum das pessoas e sobretudo das mulheres.”Os meus quadros representam e apresentam a vida tal qual é: grotesca, disforme, raras vezes amena ou calma” (pág. 134).

Sendo estruturantes os espaços e os diferentes sítios que marcaram a infância e depois a idade adulta de Paula Rego, não admira que este romance biográfico dedique tanta atenção à descrição desses lugares, com especial carinho pela Quinta da Ericeira onde viveu com os avós e mais tarde já casada com Victor Willing, com quem partilhou a antiga adega, amplo espaço transformado em oficina. Mas Londres, que Victor preferia para trabalhar e a que regressaram definitivamente depois de 1976, Paula Rego sentia-a como sua pátria, nem portuguesa nem inglesa. No entanto, o amor pela Ericeira nunca a deixou e ficou registado em muitas das suas telas.

Depois de se ler “Paula Rego – a Luz e a Sombra Uma Forma de Olhar”, sente-se necessidade de revisitar a obra de Paula Rego, de olhar com mais atenção para “A Dança”, de encontrar alguns detalhes como as lagostas, de observar as mulheres e descobrir em muitas o rosto de Lila ou de ver Anthony Rudolph, modelo e amigo de Paula Rego durante um quarto de século, ou imaginar os bonecos e figuras grotescas que se amontoavam no estúdio de Londres. E rever o filme “Paula Rego – Histórias & Segredos” feito pelo filho Nick Willing.

28 de Março de 2024

Almerinda Bento












segunda-feira, 1 de abril de 2024

A Convidada escolhe: "Tanta Gente, Mariana"

 

“Tanta Gente, Mariana”, Maria Judite de Carvalho, 1959

Maria Judite de Carvalho é, em minha opinião, uma das grandes escritoras do século XX. Já li vários romances e contos dela e voltei à leitura de “Tanta Gente, Mariana”, depois de este título ter sido escolhido pelo Círculo de Leitura da UNISSEIXAL. Toda a sua escrita é triste, sem esperança e o título “Tanta Gente, Mariana”, retirado de uma conversa de Mariana com o pai, quando ela era uma jovem de quinze anos, sintetiza bem a solidão da personagem, marca de uma vida, mesmo quando estava rodeada de pessoas e de amigos.

“Sou uma velha de 36 anos” (pág. 38), assim se vê Mariana. Ela é uma mulher só, sem família, com dificuldades económicas que a roupa coçada evidencia e a enfrentar a certeza de uma morte para breve.

Almerinda Bento