Gosta deste blog? Então siga-me...

Também estamos no Facebook e Twitter

sexta-feira, 29 de julho de 2022

"À Procura da Manhã Clara" de Ana Cristina Silva

Já li muitos dos livros publicados por Ana Cristina Silva, se não todos mesmo. Gosto da sua escrita simples mas, ao mesmo tempo, poderosa. Às vezes nem se dá por ela o que, a meu ver, é algo muito positivo.

Creio que é o caso deste livro. Saber contar uma história de alguém desconhecido por muitos, mas fazê-lo de uma forma clara, intensa, que nos agarre de imediato às palavras é mérito que tem de se atribuir ao autor, neste caso, à autora!

Faço parte do número de pessoas que não sabia da existência de Annie Silva Pais, filha do último director da PIDE, e gostei muito de ficar a conhecer toda a sua irreverência, vontade indomável, numa época em que as mulheres portuguesas pouco tinham a dizer ao país, muito menos ao mundo. 

Rebelde, num país que a queria submissa, Annie foi uma mulher fora da caixa e, aos poucos, soube o que queria fazer da vida, o que defendia e em que acreditava. Sempre em confronto com as ideias da mãe, que a queria dobrar às suas vontades, é, no entanto, com o pai, que adora, que vem a sentir mais desconforto devido aos ideais que abarca e que são o oposto dos preconizados pelo diretor da PIDE. Este dilema interno de amor/ódio vai marcá-la sempre. Defensora da liberdade e de ideais muito pouco salazaristas, é em Cuba que encontra o caminho que idealiza e que pretende seguir.

Muito, muito interessante, esta história, contada com mestria por esta autora, boa parte através de cartas que supostamente Annie escrevia mas não enviava. Apraz-me dizer que Annie era uma amante de literatura e adorei as referências a autores mencionadas aqui.

Gostei muito. 

Terminado em 18 de Julho de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

O retrato da filha do último diretor da PIDE, que abandonou tudo pela revolução cubana

Annie Silva Pais, filha de Armanda e Fernando Silva Pais, trocou o marido e uma vida confortável na sombra do Estado Novo pelos ideais da revolução cubana. E por amor. Assumiu paixões tão ardentes como o fogo revolucionário e tornou-se tradutora e intérprete, membro confiado da equipa de Fidel Castro, à qual pertenceu até morrer. Para trás deixou a família e Portugal, onde regressou apenas em 1975, em trabalho e também para interceder pela libertação de seu pai, que nunca deixou de amar. Silva Pais foi o último diretor da PIDE.

Que mulher foi Annie? O que a motivou? O que leva uma filha do regime – filha de um dos homens fortes do regime –, casada com um diplomata suíço, a largar tudo e encontrar um propósito como militante da revolução cubana? Mais: o que guardava o seu coração?

Ana Cristina Silva combina realidade e ficção num romance tão sedutor como a figura desta mulher. Pesando factos e indícios, oferece-nos um retrato pleno de intimidade – e humanidade – numa irresistível galeria de personagens, de entre as quais sobressai Che Guevara, o grande amor de Annie.

Cris


quarta-feira, 27 de julho de 2022

"A Ilha na Rua dos Pássaros" de Uri Orlev

Este é mais um livro muito especial onde a vivência do autor se mescla,  certamente, com a história que conta. Uri Orlev viveu escondido com seu irmão e mãe no gueto de Varsóvia. Teria por volta de 8 anos quando tal horror começou. De 39 a 41 manteve-se escondido, sentiu a morte da mãe e foi posteriormente enviado para Bergen-Belsen com o seu irmão. Sobreviveu. Fala um pouco disso na Introdução que escreve e com que inicia esta história inacreditável de sobrevivência e coragem de um menino de 12 anos. Passado alguns meses esse menino fez-se homem por força das circunstâncias.

Esta história que nos conta é ficção. E, ao mesmo tempo, não é. Porque, se nos aparece como verosímil, se o nosso coração fica preso com os horrores narrados, é porque sabemos que alguém terá passado por situações semelhantes. Infelizmente.

Alex vive com o pai num gueto que poderia ser o de Varsóvia mas poderia ser outro qualquer também.  A mãe desapareceu e esperam pela sua vinda. A esperança do seu regresso aquece ainda os seus corações. Quando é feita uma nova selecção, Alex consegue fugir e estas páginas são marcadas pelos seus dias de incerteza, coragem e solidão, escondido num prédio em ruínas. 

Fiquei presa às suas palavras de menino-homem. De tal forma que li este livro numa tarde. Foi-mo emprestado por uma amiga mas é dos que quero comprar. Se o virem por aí, não o deixem escapar. Vale, vale.

Terminado em 24 de Julho de 2022

Estrelas: 6*

Sinopse

“A segunda Guerra Mundial está em curso. Os tempos são difíceis na Polónia, especialmente para os judeus, e Alex é um deles. A mãe desapareceu e o pai foi «seleccionado» pelo exército alemão para ir para um destino desconhecido. Só, Alex é obrigado a refugiar-se num edifício abandonado na Rua dos Pássaros. Aqui, deseja aguentar o Inverno e esperar o prometido regresso do pai.

Coragem e valentia não são excepcionais em tempo de guerra, mas Alex só tem 11 anos e a sua história é, na verdade, sobre o desejo de alguém vencer a crueldade e a injustiça.”

Cris

 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

"O último Verão em Roma" de Gianfranco Calligarich

Este livro veio à luz do dia em 1973, ganhou alguns prémios mas, incompreensivelmente, nunca mais foi reeditado. A escritora Natália Ginzburg, de quem tenho ouvido falar muito bem e quero muito ler,  "encontrou-o" de novo e, anos depois, eis a sua reedicção. Tinha boas referências e as minhas expectativas eram elevadas. 

Entra-se muito facilmente na história mas a personagem principal, o ambiente em que se move, o espírito "depré" que lhe toma quase os momentos do seu dia, conseguiu  criar em mim uma crescente irritação durante toda a leitura que, em vez de me afastar das suas páginas, teve precisamente o efeito contrário! Creio que devo dar a mão à palmatória ao confessar isso. 

Estive sempre à espera que houvesse um abanão que o fizesse reagir a esse amor louco, uma mudança de atitude. Mas, independentemente da história em si, preciso de reconhecer o quanto ela está bem escrita e o quanto ela representa uma época e um lugar. Roma, uma cidade que é de todos mas que não pertence a ninguém. Leo Gazzarra e Arianna. Um retrato marcante de um amor, de uma solidão e de uma cidade que se, por um lado, me deixou levemente irritada porque me apetecia abanar o Leo, também consegui reconhecer o quanto está bem feito.

Deixei-vos curiosos? (A ideia é mesmo essa...)

Terminado em 13 de Julho de 2022

Estrelas: 4*

Sinopse

Leo Gazzarra passa os dias e as noites a deambular por Roma com Arianna ou em tumultuosas incursões alcoólicas com o seu amigo Graziano. Tudo o que desesperadamente procura fazer é baralhar de novo o jogo de cartas inúteis que a vida lhe concedeu.

A verdadeira distinção deste romance é a forma como ilumina, com uma clareza desesperada, a relação entre um homem e uma cidade, ou seja, entre solidão e multidão. 

Intenso, breve, sagaz e devastador, este livro é um clássico da literatura italiana e evoca obras inesquecíveis como O Grande Gatsby, À Espera no Centeio e Fiesta – O Sol Nasce Sempre.

Cris

 

sexta-feira, 22 de julho de 2022

"Claraboia" de José Saramago

Apetece-me ler Saramago. Li "O Ensaio Sobre a Cegueira" e vi o filme tempos depois. Lembro mais do livro, de ter gostado daquele atropelo das palavras que me soube tão bem, de como essa forma de escrever me catapultou para a história com muita rapidez! Depois disso peguei em alguns (Caim, por exemplo) e larguei. Pode ser a que a altura seja esta...

Aconselharam-me "Claraboia" talvez por ser uma das suas primeiras obras e a forma típica da escrita do nobel não estar ainda aqui espelhada. Mas, sinceramente, não foi esse aspecto que me afastou das suas obras. Desde que a estória me cative, essa forma gulosa de escrever sem grandes sinais ortográficos não me perturba.

Nesse aspecto Claraboia é bem diferente, pois. Mas foi com muito prazer que iniciei esta caminhada por entre os tantos personagens de um prédio na zona de Lisboa. Com papel e lápis para ir apontando os laços de parentesco destas gentes tão sui generis e que  representam tão bem o Portugal salazarista, fechado em si mesmo e pouco aberto às novidades como foi o nosso país há alguns anos. Retrato perfeito de uma época, escrito por Saramago em 1953.

Gostei muito e vou continuar. "Todos os Nomes" ou "A Viagem do Elefante" -  será um destes o próximo.

Terminado em 8 de Julho de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

«Claraboia é a história de um prédio com seis inquilinos sucessivamente envolvidos num enredo. Acho que o livro não está mal construído. Enfim, é um livro também ingénuo, mas que, tanto quanto me recordo, tem coisas que já têm que ver com o meu modo de ser.»
José Saramago

Claraboia, cuja redação José Saramago terminou a 5 de janeiro de 1953, consiste num datiloscrito de 319 páginas, assinado com o pseudónimo de «Honorato». 

Cris

quarta-feira, 20 de julho de 2022

"O Perfume das Flores à Noite" de Leïla Slimani

Falarem-me de Leïla Slimani é tocarem-me na ferida. Li Canção Doce há muito e, embora de repente não me lembre da totalidade da história, ficou-me sempre um amargo na boca quando me recordo dele. Por ser duro, por ser muito bom. Pela história e pela escrita. Para mim esta autora será sempre daquelas que quero ler tudo. Pode escrever em cima de papel higiénico que tudo farei para lhe chegar, como costumo dizer. E lê-la! 

Este livro é de um registo diferente do que referi anteriormente. A escrita é a mesma. Forte, poderosamente bela. No entanto, este pequeno livro transporta-nos para o mundo interior de Leïla. Ao aceitar passar a noite num museu, os seus pensamentos divagam tanto para o poder da escrita e suas próprias influências, como para as suas memórias na sua cidade natal, Rabat em Marrocos, e o choque cultural vivido quando veio para França. Sentir que não pertence verdadeiramente a nenhum lado e, ao mesmo tempo, ser uma cidadã do mundo.

Deambulações noturnas num museu em Veneza conjuntamente com aquelas próprias e interiores de quem prefere a solidão às massas. Gostei muito desta caminhada noturna e interior pelos meandros da própria Slimani mas "Canção Doce" continua a ser a minha obra preferida, pela surpresa/dureza que constituiu ao lê-la.

Terminado em 30 de Junho de 2022

Estrelas: 4*+

Sinopse

Como escritora que acredita que a verdadeira audácia vem do interior, Leïla Slimani não gosta de sair e prefere a solidão à distração. No entanto, aceita um inusitado convite para passar uma noite num museu em Veneza – um edifício mítico na Punta della Dogana. A noite insone acaba por ser o pretexto para a escritora deambular por outras paragens e outros tempos. Percorrendo, de pés descalços, as salas e os corredores do museu, estimulada pelo perfume das damas-da-noite que a transportam para a infância em Rabat, Leïla Slimani fala-nos do belo e do efémero, da virtude do silêncio, da magia da criação artística, da solidão e do sacrifício da escrita.

Acompanhada pelas palavras e histórias de outros criadores, como Virginia Woolf, Rilke, Montaigne, Murakami e Emily Dickinson, Leïla conduz o leitor por uma viagem intensa, uma reflexão iluminada e um desfile de memórias comoventes.

Cris

segunda-feira, 18 de julho de 2022

"Torto Arado" de Itamar Vieira Júnior

Houve um "hype" tão grande com este livro no Instagram que, embora ansiasse lê-lo para tirar teimas, também tive receio de lhe pegar e não sentir tudo o que falavam sobre ele.

O autor foi uma estreia para mim. Brasileiro. Não sei porquê mas tenho a ideia de não me conseguir concentrar na leitura de autores brasileiros pela musicalidade da escrita, pelos termos desconhecidos desta língua irmã. Li há muito Jorge Amado e foi precisamente essa musicalidade que me atraiu embora, sim, alguns termos ficassem pelo caminho sem os perceber. Outros, fui tirando pelo contexto. A mudança de narrador, que alterna entre estas duas irmãs, está perfeita. Serve para manter este mistério e fazer perdurar esta estranha sensação de não saber a quem aconteceu este facto importante que, obviamente, não vou revelar.

Algo parecido se passou aqui. Alguns termos não me chegaram ao entendimento e, sinceramente, não tive vontade de procurar o seu significado. E porquê? Porque a escrita e a história são tão fantásticas que só queria avançar na leitura.

É impossível não nos sentirmos presos por todas as personagens cativantes que povoam este pequeno livro, que se lê num ápice, especialmente pelas duas irmãs, Bibiana e Belonísia. O acontecimento tremendo que as marca definitivamente para o resto das suas vidas, tem contornos mais marcantes numa que noutra. Adorei o facto que não estar explícito em quem esse facto mais teve consequências físicas. E são páginas e páginas de uma escrita muito apelativa e de uma estória que não lhe fica atrás...

Como pano de fundo está um retrato muito intenso de um Brasil pós escravatura, com hábitos enrreigados tanto entre senhores/proprietários como entre trabalhadores ainda escravizados sem direitos nenhuns nas roças existentes. Essas roças continuaram a ser, por muito tempo, mundos fechados onde os donos eram muito mais que donos das terras: eram-no também dos destinos de quem lá trabalhava sendo muito difícil alguém sair desse futuro que lhe pertencia desde a nascença.

Um forte sentido de comunidade e de família, agrega toda esta população "escravizada" que vai despertando para as injustiças que lhes são cometidas há anos.

Lido em ebook, este é um dos livros a TER na estante porque é tão bom!

Terminado em 26 de Junho de 2022

Estrelas: 6*

Sinopse

Um livro comovente que traz a herança dos clássicos.

Bibiana e Belonísia são filhas de trabalhadores de uma fazenda no Sertão da Bahia, descendentes de escravos para quem a abolição nunca passou de uma data marcada no calendário. Intrigadas com uma mala misteriosa sob a cama da avó, pagam o atrevimento de lhe pôr a mão com um acidente que mudará para sempre as suas vidas, tornando-as tão dependentes que uma será até a voz da outra. Porém, com o avançar dos anos, a proximidade vai desfazer-se com a perspectiva que cada uma tem sobre o que as rodeia: enquanto Belonísia parece satisfeita com o trabalho na fazenda e os encantos do pai, Zeca Chapéu Grande, entre velas, incensos e ladainhas, Bibiana percebe desde cedo a injustiça da servidão que há três décadas é imposta à família e decide lutar pelo direito à terra e a emancipação dos trabalhadores. Para isso, porém, é obrigada a partir, separando-se da irmã.
Numa trama tecida de segredos antigos que têm quase sempre mulheres por protagonistas, e à sombra de desigualdades que se estendem até hoje no Brasil, Torto Arado é um romance polifónico belo e comovente que conta uma história de vida e morte, combate e redenção, de personagens que atravessaram o tempo sem nunca conseguirem sair do anonimato.
 
Cris

 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

"A Pediatra" de Andréa Del Fuego

Este livro tem uma personagem fortíssima que nos marca de uma maneira determinante por ser completamente fora da caixa e não possuir um comportamento nada expectável para o estereótipo que possuímos de uma pediatra. Deixa-nos sem chão muitas vezes, desconstrói o que imaginamos saber sobre essa profissão, faz-nos rir amiúde! Adorei toda esta falta de carácter, de linguagem cáustica, mordaz e sarcástica.

Tudo o que é espectável ser ou fazer uma pediatra, Cecília não é, não faz. Uma personagem que nos obriga a gostar dela, pese embora seja ridiculamente cruel nas suas atitudes, deontologicamente pouco fiável no tratamento dos seus pacientes. Como é possível amarmos alguém que não é suposto conseguir a nossa admiração? 

Respondendo à questão anterior: só alguém com muito talento nos fazia gostar desta personagem imprevisível, audaz e de mau carácter! Muitos parabéns Andrea Del Fuego! Criou uma personagem admirável!

Terminado em 13 de Junho de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

Cecília é o oposto do que se imagina de uma pediatra – uma mulher sem espírito maternal, pouco apreço por crianças e zero paciência para os pais e mães que as acompanham. Porém a medicina era um caminho natural para ela, que seguiu os passos do pai. Apesar de sua frieza com os pacientes, ela tem um consultório bem-sucedido, mas aos poucos se vê perdendo lugar para um pediatra humanista, que trabalha com doulas, parteiras e acompanha até partos domiciliares. Mesmo a obstetra cesarista com quem Cecília sempre colaborou agora parece preferi-lo.
Ela fará, então, um mergulho investigativo na vida das mulheres que seguem o caminho do parto natural e da medicina alternativa, práticas que despreza profundamente. Em paralelo, vive uma relação com um homem casado, de cujo filho ela acompanhou o nascimento como neonatologista. E é esse menino que irá despertar sentimentos nunca antes experimentados pela pediatra.

Cris 

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Resultado do Passatempo Mensal "Toca a Comentar"

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Junho.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionado uma vencedora! Foi ela:

Cidália Ferreira

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 25, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

 
Cris

 

quinta-feira, 7 de julho de 2022

"Suite Francesa" de Irène Némirovsky

Começado a ler em Maio e só terminado em Junho, esta Suite Francesa, merece toda a atenção da vossa parte. Comecei a lê-lo numa leitura conjunta com umas amigas mas na segunda parte, interrompi e fui ver o filme que diz respeito somente a essa parte, porque iam passá-lo na TV. Depois dei um tempo para me recompôr e recomecei em Junho.

Como falar-vos de um livro que é muito mais do que uma(s) história(s)? Porque este livro, que é constituido por duas partes distintas (Tempestade em Junho e Dolce) e que a autora pretendia fazerem parte de um todo de cinco partes, carrega com ele o peso da história verídica de Iréne Némirovsky e sua família. 

Isso faz com que não se consiga analisar simplesmente a obra, se bem que eu note uma forte componente de alguém que pretendia ser imparcial perante a guerra (II Guerra), perante os invasores e os invadidos. É aí, precisamente, que acho que Iréne Némirovsky mostra o seu carácter humano e de alguém com uma percepção muito própria da guerra e das suas consequências no ser humano. Tanto os franceses como os alemães possuem qualidades e defeitos. A guerra não é vista apenas como uma luta entre maus e bons. Uns e outros, nuns e noutros, o bem e o mal caminham juntos. Para Iréne Némirovsky não há generalizações abusivas nem estereótipos quando se trata da construção das personagens. E para quem está a viver a guerra, a senti-la na pele, conseguir escrever sobre o que vê e criar personagens, descritos com esta profundidade de sentimentos, é algo fabulosamente fantástico (passe o pleonasmo!)!

As duas histórias são muito fáceis de ler no que concerne à fluidez da leitura e da escrita, muito embora a primeira, pelos tantos personagens que contém, necessite de mais atenção. A segunda, porque tomei a liberdade de ver o filme que existe sobre ela, pareceu-me mais visual e algumas cenas do filme vieram-me à memória. 

No final, anotações da autora quanto ao pretendido para esta obra inacabada, juntamente com várias cartas trocadas entre ela e familiares e amigos tornam a leitura mais difícil emocionalmente. Iréne Némirovsky, para quem não sabe, foi morta num campo de concentração na Polónia. 

Este livro foi encontrado e publicado pelas filhas que sobreviveram à guerra, escondidas e acarinhadas por amigos. Como refere a nota para a edição portuguesa, trata-se de um retrato da II Guerra absolutamente "realista e de uma lucidez espantosa", que qualquer um deve ler!

Terminado em 19 de Junho de 2022

Estrelas: 6*

Sinopse

"Suite Francesa" é, ao mesmo tempo, um brilhante romance sobre a guerra e um documento histórico extraordinário. Uma evocação inigualável do êxodo de Paris após a invasão alemã de 1940 e da vida sob a ocupação nazi, escrito pela ilustre romancista francesa Irène Némirovsky ao mesmo tempo que os acontecimentos se desenrolavam à sua volta.

Embora tenha concebido o livro como uma obra em cinco partes (com base na estrutura da Quinta Sinfonia de Beethoven), Irène Némirovsky só conseguiu escrever as duas primeiras partes,...

Cris

quarta-feira, 6 de julho de 2022

"Um Casamento Americano" de Tayari Jones

O que realmente gostei neste romance foi a sua verosimilhança com a realidade. Não com a nossa, felizmente, mas com a americana. Lê-lo fez-me lembrar alguns documentários ou notícias sobre pessoas condenadas injustamente. Levam anos a prová-lo (quando o conseguem e possuem dinheiro para tal) e ficam com a sua vida destruída. Aqui, como pano de fundo, está o preconceito racial, muito entranhado ainda hoje nessa sociedade. Creio que a autora poderia ter tocado mais neste ponto, salientando-o.

As personagens foram construídas com muita profundidade emocional. Roy, Celestial e Andre parecem estar vivos, ao nosso lado. Os seus sentimentos mexem connosco. Roy passa alguns  anos na prisão, acusado de um crime que não cometeu. O leitor sabe isso de antemão mas, mesmo assim, momentos houve em que duvidei. 

Como casal afro-americano, Roy e Celestial, constituem a personificação de que o "sonho americano" é possivel.  Financeiramente estão bem, possuem sucesso e boas perspectivas de futuro. No entanto, o seu casamento recente tem pela frente uma prova que, mesmo assim dura, estão dispostos a superar. A ida para a prisão de Roy constitui um sério obstáculo ao seu recente casamento. Se a vida cá fora, para Celestial, se mostra difícil, para Roy a vida prisional quase o faz desistir. Somente a esperança de conseguir provar a sua inocência e o facto de ter alguém à sua espera o faz continuar... Quando sai, nada é igual. A sua relação mudou. As cartas trocadas são já anteriormente prova disso,  mas Roy persiste na esperança.

A escrita é muito cativante. A História também. Dois factores que, conjugados, resultam num livro obrigatório.

São quase 350 páginas que voam nas nossas mãos! Tradução de Tânia Ganho. Irrepreensível, "comme d'habitude"!

Terminado em 12 de Junho de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

Roy Othaniel Hamilton e Celestial Gloriana Davenport conheceram-se durante o tempo da faculdade e estão casados há pouco mais de um ano. Vivem em Atlanta. Roy é um homem afável, que aprecia regras e tem um bom emprego. Celestial, é bonita, cheia de carácter e uma artista promissora. Um dia, durante uma visita aos pais de Roy, na Luisiana, a porta do quarto de motel em que se tinham hospedado é arrombada e Roy é preso, acusado de violação. Mas está inocente. Celestial sabe-o e nós, os leitores, também. Roy é condenado a 12 anos de prisão.

A segunda parte do livro é epistolar e como que um diálogo entre os dois, ele preso, ela em liberdade. À medida que os anos passam, os ressentimentos aumentam, assim como os silêncios e os intervalos das cartas. Cinco anos volvidos, Roy ganha um recurso e é libertado. Na terceira parte do livro (cheia de acontecimentos) veremos como tudo mudou e como o passado não pode ser desfeito.

Uma narrativa fortíssima, com um extraordinário trabalho no delinear das três personagens principais (e narradores: Roy, Celestial e Andre, o grande amigo comum), face a questões morais, raciais e legais. 

Cris

 

 

terça-feira, 5 de julho de 2022

Para os Mais Pequeninos: "A Minha Voz É Linda"


Linda mesmo é a mensagem que este livro quer transmitir! Apanhou-me de surpresa o que nestes livros infantis é sempre uma mais valia porque, mal o livro começa  nós, adultos, sabemos geralmente para onde ele nos quer levar...

Primeiro, quero sublinhar o papel dos professores que está subjacente nesta história para detectar diferenças e fazer com que todos os alunos as aceitem com normalidade. Depois, o facto de terem um papel primordial na confiança e na auto-estima dos miúdos, que se quer sempre num crescente.

A timidez de quem não fala porque o medo é maior, a descoberta da sua força interior porque alguém confia nele e a força que as palavras e a poesia podem ter.

A minha voz é linda, um belo título, como bela pode ser a descoberta de todo um mundo que a timidez não deixa viver. Adorei esta história!

Conteúdo selecionado para o artigo "Mais de 11 livros para crianças recomendados por idade", publicado no blog da editora educativa Twinkl.

 

 

Cris


segunda-feira, 4 de julho de 2022

"Não Ponhas Um Ponto Final Onde Deus Pôs uma Vírgula" de Shiva Ryu

Todos sabemos (excepto quem lê) que os livros nos marcam de formas diferentes.
Este foi-me oferecido num encontro organizado pela Bertrand onde falaram um pouco dos livros mais recentes das diferentes chancelas dessa editora. Não teria pegado nele se não fosse isso e, depois, reparei logo no título. A curiosidade levou a melhor. Li-o e ofereci-o a uma amiga de quem gosto muito.

Podem substituir a palavra "Deus" por "Vida" ou o que preferirem. O que é certo é que todos nós já vivemos ou passámos por um obstáculo que nos parece intransponível e que nos deita abaixo. A forma como o enfrentamos vai definir o que sentimos em relação a ele. Mais tarde, reparamos que esse obstáculo, muitas vezes, passou a ser o trampolim para outras experiências mais ricas e melhores. 

Já sabemos isso. No fundo de nós, reconhecemos a verdade nessas palavras porque já as vivenciámos. Se não em tudo, em muitas coisas que nos acontecem. Se aprendi alguma coisa com este livro? Não. Se valeu a pena? Sim!  Muitas vezes esquecemo-nos das coisas simples, creio. Faz-nos bem repensarmos o que temos como certo. Se este livro me fez bem e me fez pensar? SIM.

Terminado em 4 de Junho de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

Com a sua linguagem maravilhosamente poética, Shiva Ryu, poeta e viajante espiritual, leva-nos a um mundo povoado de beleza e sabedoria. Não Ponhas Um Ponto Final Onde Deus Pôs Uma Vírgula nasce das respostas que o autor obteve a uma pergunta fundamental: o que é que a vida me está a tentar dizer?

Por vezes, a vida pode levar-nos por um caminho que não faz parte dos nossos planos, mas que é precisamente o caminho pelo qual o nosso coração anseia - mesmo que o nosso cérebro não o veja assim.
Recorrendo a parábolas das mais diversas tradições espirituais, a alegorias filosóficas e a histórias da literatura mundial, Shiva Ryu leva-nos a deambular pela demanda do sentido e da beleza da existência, num desafio a reconhecer a riqueza sem limites do momento presente a da dimensão do espírito. 

Cris