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sexta-feira, 17 de junho de 2022

A Convidada escolhe: "Volta ao Mundo em Vinte Dias e Meio"

 Volta ao Mundo em Vinte Dias e Meio, Julieta Monginho, 2021

O terceiro livro que leio da autora e sempre a surpreender-me. O Rijksmuseum em Amsterdão que nunca visitei é central neste romance. Aliás, desta cidade, apenas conheci o aeroporto e o seu parque exterior com milhares de bicicletas estacionadas. Para me/nos orientar neste museu e nos seus quadros, em apêndice no final do livro, a autora faz-lhes uma referência. Tal como fiz em “O Nervo Ótico” de Maria Gaínza, procurei-os no Google e assim fiz uma “viagem” à distância, com toda a diferença que é estar na presença das obras.

Este livro é também uma viagem no espaço e no tempo em torno de várias personagens que ora vivem juntas, ora se afastam, que brigam, se reconciliam, que estão permanentemente em fuga, ou querem empreender uma fuga que lhes permita viver em harmonia. Este livro é um puzzle, uma construção de um lego que nos permite seguir pistas, para não nos perdermos. E se de vez em quando precisarmos de voltar atrás para encontrar os detalhes, as pedras, as chaves para abrir as portas deste dilúvio, o importante é que no fim compreendamos que, quaisquer que sejam as dificuldades da vida e do mundo que nos rodeia, o nosso movimento é sempre para nos salvarmos, para alcançarmos a felicidade.

A capa não podia ser mais apropriada. Um jovem louro, de mochila às costas, observa atentamente “A Ronda da Noite” de Rembrandt. A sinopse, na contracapa, que geralmente dispenso, é sintética e perfeita. Leo, que está sempre a desabafar connosco, leitores, tem uma relação muito forte com alguns dos quadros do museu, que visita assiduamente. Mário, o pai de Leo é segurança no museu e Leo encontra nesses quadros e nas suas figuras “a família” que não tem em casa. Primeiro as discussões, os gritos e depois as cenas são-lhe insuportáveis. “As Figuras dentro dos quadros, acolhiam-no como uma grande família, unida para sempre” (pág. 14), algo que nem Mário, nem Nina a mãe, nem Mart, o escritor companheiro do pai lhe conseguiam dar. A saída seria a fuga em que criasse uma máscara que fosse a síntese de detalhes de cada um dos quadros, mas “sem sorriso algum” (pág. 95). O grande problema era não poder levar o Cão Puck. Leo estabelece um pacto de silêncio com o leitor/a, a quem pede ideias, sugestões e a quem confia o seu plano de fuga.

Anos antes, Mário vira-se forçado a abandonar o Alentejo, quando o pai e os companheiros da venda, “o peso de uma voz em fúria e o peso das vozes masculinas, unidas pelo escárnio, enfim reconciliadas” (pág. 78) o tinham expulsado “repelindo essa nódoa de virilidade” (pág.66). Agora, depois de expulso do museu, por não ter conseguido reprimir a sua fúria, reencontra-se com a velha mãe perdida no seu mundo, mas com lampejos de memórias, para a salvar do dilúvio. Quem resgatar? O que resgatar? “Depois de enrouquecer, sem resposta do filho, Mário abandonou-se a um canto do barco. As lágrimas da vida inteira corriam de uma só vez, rendidas à inutilidade da coragem, à ineficácia das fugas sucessivas. Não existem regressos nem reencontros, pensava ele. Todos os passos vãos, menos os que se encaminham para o fim.” (pág. 131).

Quando cheguei ao fim deste livro, percebi que numa segunda, terceira leitura iria certamente descobrir outros sentidos, mas foram o sentido da fuga e da luta pela felicidade as marcas que senti mais fortes, neste mais recente livro de Julieta Monginho, autora com diversos prémios ao longo duma carreira literária com mais de vinte e cinco anos.

Maio 2022

Almerinda Bento

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Para os Mais Pequeninos: " Se Quiseres Voar" de Julie Fogliano


Se quiseres voar, do que precisas? Sabes que estamos aqui? Que te damos tudo?

São estas as palavras de incentivo que estão subjacentes a este livro com um texto simples e imagens apelativas para que a criança ao lê-las se sinta segura para explorar novos mundos e desejar tudo. Deixar o ninho com segurança, sabendo que podem regressar sempre que quiserem. 

Esta é a mensagem que todas as crianças deviam receber para que, quando fossem adultas, soubessem sempre que o "ninho" continua lá sempre que preciso for.

Atentem nas imagens simples mas tão cheias de significado:

 
 

Cris


segunda-feira, 13 de junho de 2022

"Uma Noite Não São Dias" de Mário Zambujal

Já perdi a conta aos livros que li de Mário Zambujal. De quando em vez lá estou eu a pegar numa obra sua. Espero sempre encontrar um personagem tipo, muito comum nos seus livros, aquele "tuga" espertalhão que pensa que sabe mais do que os outros, às vezes reguila, com trejeitos próprios. Aqui, não encontrei esse personagem tão característico e tive pena, é certo.

Muito própria é, sem dúvida alguma, a escrita deste autor. Peculiar, diria. Adoro quando escreve aportuguesando palavras estrangeiras! Assim, palavras como, "fait divers", "zapping", "T2", "Kitchenet" passam a "fédiver", "zépingue", "tê-dois", "quitechenete". Palavras essas que o nosso cérebro não reconhece à primeira mas que depois merecem o nosso sorriso.

Uma sociedade num futuro não muito longe, 2044, muito acéptica, organizada mas saudosista, é o que vamos encontrar nestas páginas. Um trio que se envolve, um desfecho inesperado. E muito humor, sempre o humor fino que já reconheço tão bem nesta escrita de Mário Zambujal.

Pergunto-me: ele será assim "cá fora"?

Terminado em 3 de Junho de 2022

Estrelas: 4*

Sinopse

Em linha com os livros Cafuné e Crónica dos Bons Malandros ambos assentes na ironia e em histórias cheias de pormenores imensamente cómicos.

"Uma Noite Não São Dias" é um romance pleno de humor e criatividade a que se junta a prosa escorreita tão característica do autor mais querido de Portugal. 

Cris

sexta-feira, 10 de junho de 2022

"O Neto do Homem Mais Sábio" de Tomás Guerrero (GN)

Este ano vou ler mais algumas obras de Saramago. Só li "O Ensaio Sobre a Cegueira", que adorei, mas as minhas tentativas de ler mais alguma coisa dele não surtiram efeito. Aconselharam-me o Claraboia e queria ainda este mês começá-lo.

Fiquei maravilhada com esta graphic novel.  Com prefácio de Valter Hugo Mãe, esta obra merece todo o reconhecimento que lhe puderem dar. Introduz-nos à vida e obra de Saramago de uma forma cheia de imaginação e bom gosto. Pouco sabia da vida deste Nobel e, desta forma tão original, fiquei a par dos aspectos mais relevantes da vida de Saramago.

É numa conversa entre José Meirinho, avô do escritor, com um heterónimo de Fernando Pessoa, Ricardo Reis (também personagem do seu livro "O Ano da Morte de Ricardo Reis") que somos postos ao corrente dos aspectos da vida do escritor. 

As ilustrações são quase todas monocromáticas excepto nalguns apontamentos, como por exemplo, nas capas das obras de Saramago em que uma cor forte foi escolhida. E são belas porque nos obrigam a olhar para os múltiplos detalhes que contêm.

Uma obra para reler pois o olhar será outro certamente. Mais completo, mais atento. Mais pormenores apanharei de certeza porque os traços de Tomás Guerrero contêm múltiplos detalhes, enchendo as páginas muitas vezes por completo, deixando para segundo plano a palavra/escrita/conversa entre o avô de Saramago e Ricardo Reis. Avô esse que, para o escritor, era tão somente um sábio que não sabia ler nem escrever! Daí o título.

Terminado em 2 de Junho de 2022

Estrelas: 6*

Sinopse

“O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever”. Assim iniciava José Saramago o seu discurso diante da Academia Sueca, por ocasião da atribuição do Prémio Nobel da Literatura, em 1998, referindo-se ao seu avô, Jerónimo Melrinho.

E é precisamente o avô Jerónimo quem, em conversa com Ricardo Reis, o heterónimo do poeta Fernando Pessoa que Saramago converteu em personagem no romance “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, guia o leitor pela vida e a obra de Saramago, desde a infância na Azinhaga do Ribatejo até aos seus últimos dias na ilha de Lanzarote.

Uma viagem tão bem documentada como fascinante, que é também uma bela homenagem à literatura portuguesa, através de dois dos seus maiores nomes: Pessoa e Saramago.

“Soube sempre que me comoveria uma e outra vez com Saramago para o resto da vida. Assim, agora. De modo surpreendente, através de um livro que, não sendo imediatamente dele, mo traz numa lisura admirável. (...)

Tomás Guerrero expõe-no porque o entendeu. Este livro é brilhante. É íntimo, delicado, brilhante. Com ele, Saramago continua a nascer.” 

Cris

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Resultado do Passatempo Mensal "Toca a Comentar"

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Maio.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionado uma vencedora! Foi ela:

Ana Machado

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 25, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:



Cris

quarta-feira, 8 de junho de 2022

"A Colónia de Férias" de Manuela Piemonte

Mais um livro baseado numa história verídica da História que envergonha o
Homem. Certamente uma história conhecida por poucos.

Benito Mussolini, o Duce como era conhecido, tornou-se primeiro-ministro de Itália em 1922 e manteve-se aí até 1943. O Partido Nacional Fachista foi exímio em retirar quaisquer liberdades existentes e estabeleceu uma ditadura totalitária. É conhecido como tendo sido o fundador do fachismo. Em 1940, entra na II Guerra ao lado dos alemães a quem considerava os futuros vencedores de uma guerra que, segundo ele, terminaria em breve. 

E é neste espaço temporal que esta história nasce. Por ordem de Mussulini, treze mil crianças da Líbia, que era então uma colónia de Itália, são levadas para colónias de férias em Itália. Essas férias prolongam-se por mais tempo que o estipulado e ficam cativas da guerra. O regime imposto, cheio de regras e trabalhos a realizar, e mais tarde a fome que esses tempos trouxeram, fazem com que essas férias se tornassem um pesadelo. O pós-guerra não trouxe o lar que muitas esperavam. Muitas, quando a guerra acabou foram levadas para campos de refugiados e nem sabiam sequer quais os seus apelidos, nomes da terra natal, nomes dos pais, o que tornava difícil o reencontro. 

As irmãs desta história ficcionada a partir desse facto verídico possuem 5, 7 e 9 anos. Margherita, Ângela e Sara, respectivamente. Só Sara deseja ir de férias. Uma história muito fácil de prender a atenção e fragilizar o coração. As "organizadas", como eram chamadas, viviam num terror de regras e trabalhos. A guerra passar-lhes-ia muito ao lado, não fosse a fome e algumas notícias que apanhavam aqui e ali, muitas vezes perguntavam-se se a sua mãe ainda se lembraria delas e, mais  tarde, a mais pequena poucas lembranças tinha dela. 

Gostei muito de ler pela escrita despretensiosa mas emotiva e, sobretudo, pelo fundo verídico em que se baseia a história.

Terminado em 30 de Maio de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

Três irmãs reféns da guerra, unidas pelo desejo de regressarem a casa: Sara, Angela e Margherita crescem numa família feliz na Líbia, então uma possessão italiana.
No início de 1940, por ordem de Mussolini, as três irmãs, juntamente com outras treze mil crianças da Líbia, são levadas a conhecer a Itália durante as férias de verão e embarcam cheias de expectativas. Mas com o início da guerra, as férias de três meses transformam-se num interminável cativeiro: as irmãs acabam num campo para jovens fascistas, obrigadas a crescer num mundo sem pais, onde reinam a disciplina de ferro e o terror, obedecendo aos ditames da propaganda de Mussolini. Quando o desejo de regressar a casa se torna insuportável, as três irmãs só veem uma saída: fugirem juntas, pondo em risco a própria vida...

Cris

quarta-feira, 1 de junho de 2022

"As Pessoas Invisíveis" de José Carlos Barros

A nota do autor, logo no início das primeiras páginas, faz referência a um massacre em S. Tomé e Príncipe, em Fevereiro de 1953, do qual  nunca tinha ouvido falar. Se calhar nem vocês... O massacre de Batepá. Pela conversa boa a que tive o privilégio de assistir num grupo de leitura da Leya, o autor estava também entre aqueles que não tinham conhecimento de tal barbárie.

Se quiserem saber um pouco mais pesquisem aqui (wikipedia/link). Os mortos, estimados entre 200 a 1000 pessoas, foram sujeitos a torturas elétricas e afogamentos cometidos pelas tropas coloniais portuguesas. Na tentativa de reprimir o povo africano de uma suposta conspiração contra os portugueses, o Governador Geral de então desencadeou uma repressão que teve lugar nesse massacre. Na base e como principal motivo, estava o desejo de angariar mão de obra barata por parte do Governador e latifundiários. Este massacre pode ter sido o ponto de partida desta história mas não pretendeu relatá-lo amiúde. 

A escrita do autor é deliciosa. Apetece ler em voz alta para a podermos saborear melhor. Os sons e os cheiros da trama, os trejeitos da linguagem, a originalidade.

Dois espaços temporais diferentes habitam neste romance. Um,  numa aldeia portuguesa, outro, em S. Tomé. Xavier Sarmiento pertence aos dois. Com um comportamento antagónico, Xavier parece possuir em si duas personalidades diferentes que se  apoderam dele consoante os diferentes espaços. O bom e o mau. Em ambos, um sentimento de pertença mesclado de incerteza. Em Portugal ele cura, em África, mata. 

O final deste livro é polémico para quem já o leu. Confesso que queria mais. Mas, nao dou de todo o tempo perdido, antes pelo contrário! Já há muito que não lia nada assim tão espantosamente bem escrito. Com uma cadência única. Prémio Leya bem atribuído.

Terminado em 28 de Maio de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

Em 1980, é encontrado em Berlim um caderno que relata a descoberta, em terras portuguesas, de uma jazida de ouro, segredo que levará o leitor aos anos da Segunda Guerra Mundial, à exploração de volfrâmio e à improvável amizade de um engenheiro alemão com o jovem Xavier Sarmiento, que descobre ter o dom de curar e se fascina com a ideia de Poder. É a sua história, de curandeiro e mágico a temido chefe das milícias, que acompanharemos ao longo do romance, assistindo às suas curas e milagres, bem como aos amores clandestinos e à fuga intempestiva para África.
Percorrendo episódios da vida portuguesa ao longo de cinco décadas – das movimentações na raia transmontana durante a Guerra Civil de Espanha à morte de Francisco Sá Carneiro –, As Pessoas Invisíveis é também a revisitação de um dos eventos mais trágicos e menos conhecidos da nossa História colonial: o massacre de um grande número de nativos forros, mostrando como o fim legal da escravatura precedeu, em muitas dezenas de anos, a sua efectiva abolição.
Entre realismo e magia, Poder e invisibilidade, ignomínia e sobressalto, o presente romance, de uma maturidade literária exemplar, foi o vencedor do Prémio LeYa em 2021. 

Cris