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sexta-feira, 24 de março de 2023

"Filhas de Uma Nova Era" de Carmen Korn

O primeiro livro de uma trilogia de que já tinha ouvido falar muito bem. Já estava há muito na estante à espera de vez e o difícil foi não pegar logo no segundo... Será lido em Abril e tenho a certeza que se avizinham horas de leitura muito agradáveis. 

Fiquei fã destas quatro mulheres que se vão aproximando e, com o decorrer dos anos, se vão unindo com fortes laços de amizade. Começamos a acompanhá-las  a partir de 1919, no pós Primeira Guerra. Hamburgo, recomeça aos poucos a viver. O racionamento, a falta de alimentos, a fome, ainda é uma constante. Henny e Kathe são amigas de infância, vivem perto uma da outra e estudam enfermagem. Lina e Ida juntam-se a essa amizade, mais tarde. 

São muitos os personagens que giram em seu redor. Apontei, claro, porque é mais fácil para mim conhecê-los melhor sabendo quem é quem. A caracterização individual de cada um está bem completa, detalhada, o que faz com que criemos empatia com uns e não com outros, consoante os seus aspectos comportamentais e até físicos. 

As suas vidas decorrem envolvendo-se  social e politicamente, conforme as condições de uma Alemanha em reconstrução, de um de país que, aos poucos, se adivinha cada vez mais susceptível de ser dominado pelos ideais nazis. 

O leitor fica preso a estas personagens tão diferentes e está sempre à espera que algo aconteça. Hitler sobe ao poder, as leis de Protecção de Sangue e Honra alemã começam a condicionar as suas vidas. Ser judeu representa não viver em segurança, ser preso, não poder trabalhar. Mas não só os judeus sofrem represálias. Quem politicamente não é a favor das ideias nazis, é preso e torturado. A II Guerra está aí. 

Não há forma de largar as páginas deste livro, estas mulheres fortes que lutam pelos seus ideais. E no entanto, o mistério adensa-se. Que motivo as fará separarem-se? 

Só tenho um "defeito" a apontar: como é que um livro "acaba" onde não deve? 😀 Inteligentemente, a autora soube terminar este primeiro volume. De mestre! Agora é pegar no segundo que espero gostar ainda mais!

Terminado em 11 de Março de 2023

Estrelas: 6*

Sinopse

A história emocionante de quatro mulheres que enfrentam juntas as suas próprias batalhas Hamburgo, 1919. A Primeira Guerra Mundial acabou e a cidade começa agora, finalmente, a despertar.

Henny e Käthe, amigas desde a infância, sonham tornar-se parteiras e acabam de iniciar a sua formação. Henny deseja deixar de viver na sombra da mãe, e a rebelde Käthe, convicta comunista, está apaixonada por um jovem poeta.

Outras duas mulheres se cruzarão nos seus caminhos: Ida, rica e mimada, filha de um importante empresário falido que pretende casá-la com um herdeiro rico; e Lina, uma jovem e humilde professora, que guarda um segredo do passado.

As quatro amigas tornam-se inseparáveis e, apesar das suas diferenças, crescem e enfrentam juntas os golpes e as alegrias do destino, a transformação do mundo, o fim das liberdades e a chegada da terrível ameaça nazi.

Grandes e pequenos feitos que ficarão para sempre ligados pelo elo da amizade.

Filhas de Uma Nova Era é a primeira parte de uma emocionante saga − sobre liberdade, amor e coragem − que através de uma geração de mulheres que não se deixou arrastar pelas circunstâncias que lhes calharam em sorte, nos narra a fascinante história do século xx.

Cris

quarta-feira, 22 de março de 2023

"Coisas de Loucos" de Catarina Gomes

Livro de não ficção que, muito embora o tema pesado, se lê com muito prazer tal é a forma como retrata vidas de pessoas desconhecidas, que nos parecem próximas, e nos interpela de variadíssimas maneiras. 

Um caixote com alguns pertences de utentes do antigo Hospital Psiquiátrico Miguel Bombarda é o pontapé de saída para uma investigação detalhada sobre essas vidas esquecidas. Loucos? Com alguns distúrbios de personalidade, algumas atitudes menos próprias para a altura e viram-se enclausurados anos e anos. Fácil foi entrar nesses portões do antigo hospital, sair mostrou-se mais complicado. Em quase todos os casos, impossível.

Com uma forma muito respeitosa de abordar o tema da loucura, Catarina Gomes faz uma investigação meticulosa e, para um mero leitor, quase inacreditável. Registos, correspondências trocadas, visitas a familiares e lugares, tudo é abordado com minúcia e detalhe. Quando a loucura representava um estigma para a família, quando os cruéis tratamentos mais pareciam torturas (lobotomias e eletrochoques como solução primeira), sem condições mínimas de higiene, e os doentes eram deixados quase ao abandono (vê-se pelos parcos registos médicos), trazer à vida estas pessoas é um acto de respeito e coragem. A quem interessa conhecer estas vidas? A todos nós, acredito. Gente esquecida, que poderia ser qualquer um se tivéssemos tido o azar de ter vivido nessa altura e de sofrer de qualquer um dos males que os afligiam.

Leopoldina de Almeida, modista (que por morte do marido e sem recursos veio acabar na mendicidade), Noé Galvão (relojoeiro, sofrendo de epilépcia), Simão Proença (lobotomizado), Manuel de Avelar Rodrigues (Capitão de Alto Mar), Valentim (homossexual e bailarino), Clemente (estudante), Ricardo Vinte e Um (proprietário de um armazém de loiças, internado pela PIDE), Jaime Fernandes (cujos desenhos tiveram direito a exposições). Todos, anos e anos, encarcerados. Quase todos até à sua morte (terá havido algum que teve direito a uma vida no exterior após o internamento? Já não me recordo bem mas creio que não!)

Esta leitura torna-se impressionante pelas vidas que desvenda, pela investigação espectacular, quase inacreditável, e pelo tom respeitoso como aborda a vida destas gentes. Também pelo tom fluido e com carácter verídico que faz mergulhar o leitor, de imediato, numa época diferente da actual.

Recomendadíssimo!

Terminado em 15 de Março de 2023

Estrelas: 6*

Sinopse

Uma caixa de objectos abandonados no Hospital Psiquiátrico Miguel Bombarda contém as pistas para resgatar do esquecimento a vida de doentes que ao longo de décadas ali permaneceram confinados. Coisas de Loucos teve origem na descoberta acidental de uma caixa de objectos de antigos doentes do primeiro hospital psiquiátrico português, o Miguel Bombarda.

Catarina Gomes inicia então uma série de investigações para encontrar os «loucos» a quem pertenciam esses objectos abandonados. Nascidos entre o final do século xix e o começo do século xx, muitos foram admitidos em «Rilhafoles», nome original do Bombarda. Os psicofármacos e a terapia ocupacional não tinham ainda sido inventados, e por isso o único «tratamento» que receberam foi o do isolamento.

Mas antes de serem forçadas ao confinamento estas pessoas tiveram família, amores, trabalho, tiveram planos de futuro. São essas suas vidas que Catarina aqui resgata do esquecimento.

Cris

terça-feira, 21 de março de 2023

"Afirma Pereira" de Antonio Tabucchi (GN de Pierre-Henry Gomont)


Li o livro em 13 de Fevereiro passado (opinião aqui) e gostei tanto que fiquei muito curiosa para ver como a história seria representada numa novela gráfica.

Achei que as imagens caracterizam muito bem os personagens e o enredo. Como a história ainda estava fresca na minha memória, dei-me conta que os aspectos mais importantes estão representados e esta GN sumariza bem toda a envolvência relatada.

Uma particularidade que, acredito, no livro está mais reforçada é a repetição e o uso constante de formas verbais do verbo "afirmar" que nos dá a ideia de que alguém estaria a relatar os factos ocorridos na trama e que lhe foram contados pelo Sr. Pereira, um jornalista que dirige a secção cultural de um jornal dito "patriótico".

A crescente consciência política durante a toda a trama, de um homem que, mesmo sendo jornalista, nada quer ver para além do politicamente correto, é algo que impele o leitor para uma leitura veloz. A surpresa final, como já referi na opinião que fiz sobre o livro, é a cereja no topo do bolo!

Se não leram o livro (que acho sempre melhor e mais completo, é claro!) peguem nesta GN. As bibliotecas estão aí para isso...

Conteúdo selecionado para o artigo "11+ livros incríveis para celebrar o Dia Mundial do Livro", publicado no blog da editora educativa Twinkl.


Terminado em 28.Fevereiro.2023

Estrelas: 4*

Sinopse

Nomeação Melhor Álbum de Autor Estrangeiro editado em  Portugal no Amadora BD 2018

«"Afirma Pereira" é um romance existencial decididamente optimista.»
Antonio Tabucchi

Obra emblemática sobre a resistência contra o totalitarismo e a censura, "Afirma Pereira" conta a progressiva tomada de consciência de um homem contra a ditadura, aqui contada numa adaptação gráfica profunda, imbuída de uma notável expressividade e dinamismo no seu desenho.

Um verdadeiro retrato duplo: o de um homem cheio de sensibilidade humanista, e o de uma Lisboa ao mesmo tempo plena de cor e de melancolia.

Cris

segunda-feira, 20 de março de 2023

Para os Mais Pequeninos: "A Frederica Vai Ao Dentista"




Cada vez mais acho que esta rubrica se destina aos mais pequeninos (como é suposto!) e aos pais e educadores! Este livro é exemplo disso.

Creio que será ainda necessário, nos nossos dias, desmistificar o papão que pode ser para alguns a ida ao dentista! Começar pelos mais pequeninos é sempre a melhor forma de ensinar, dar a conhecer o que se vai encontrar, sem dor!

A Kika vai ao dentista. Não se lembra de ter lá estado antes e por isso pensa que é a sua primeira vez. Tem cinco anos e a sua curiosidade é muita e fá-la perguntar à médica tudo o que vai acontecer! Cuidadosa, a médica vai explicando num discurso dirigido a quem é pequenino! O seu mano acompanha-a, curioso. A consulta corre bem, a Kika não tem cáries, esses "bichinhos pretos" que se escondem nos dentes. É importante ensinar a escovar bem os dentes e a médica explica como fazê-lo. A Kika vem radiante do dentista!

Com uma linguagem direta e simples o ensinamento é transmitido aos mais pequeninos. Para os pais, uma nota final elaborada pela autora, Catarina Magalhães, médica dentista, esclarece mais alguns pormenores importantes. Saliento as ilustrações de Margarida Josué, bonitas e apelativas, que conseguem até transformar a "célebre" cadeira do dentista numa "nave espacial"! 

Mostrando como é fácil e necessário tratar bem dos nossos dentes, este livro vai agradar, certamente, aos pequeninos e seus pais!

Nota: Livro integrado no PNL, Plano Nacional de Leitura.

Hoje é Dia Mundial da Saúde Oral





Algumas questões acerca do livro, colocadas à autora:
1. Qual a razão deste livro? A mensagem que deixa aos pais/cuidadores e crianças, significa que detecta que os primeiros descuram a ideia ao dentista?

2. Da sua experiência conclui que o medo desta visita é transmitido pelos próprios pais, os quais podem trazer do passado memórias desagradáveis?

3. É hábito lavar os dentes ao acordar. Refere, no entanto, que os dentes devem ser lavados depois do pequeno almoço. Actualmente a recomendação médica é esta?

E as respectivas respostas:
1. Pretendo com este livro para além de descomplicar a ida ao Médico Dentista, educar e consciencializar para a necessidade de adoção de corretas medidas de saúde oral desde muito cedo. Medidas estas que devem ser corretamente explicadas por um profissional.
A Frederica Vai ao Dentista é um livro recomendado para crianças com mais de três anos, com ilustrações em traços ternurentos.  No final da história, os pais encontrarão uma secção que explica a importância da primeira consulta de odontopediatria e de um acompanhamento regular e atento na construção dos hábitos de higiene oral dos mais novos.

2. Este é um livro essencial para lidar com a ansiedade que existe em torno da primeira consulta.  
A história da Frederica  dá a conhecer um consultório dentário em detalhe, dismistificando o aspecto assustador de alguns dos instrumentos. 
De facto a ida ao médico dentista sempre foi um motivo de preocupação, acredito que hoje em dia esse receio tenha diminuído contudo alguns pais associam a ida pela primeira vez ao médico  dentista a uma  experiência menos positiva.

3. Está preconizada a escovagem dentária após cada refeição.

Cris

sexta-feira, 17 de março de 2023

"A Voz Adormecida" de Dulce Chacón

Livro emprestado por uma amiga livrólica porque não existe disponível no mercado. Se o virem por aí numa banca de livros usados não hesitem, agarrem-no!

Foca um tema bastante recorrente nas leituras que escolho, que me deixa sempre surpreendida e com mais conhecimentos sobre o mesmo, a Guerra Civil Espanhola (1936/1939). Desta feita a trama passa-se no pós-guerra à volta de um grupo de mulheres e, por arrasto, de seus familiares que se encontram aprisionados numa prisão nos arredores de Madrid. Não são apoiantes de Franco/dos Falangistas e, como tal, sofreram represálias e torturas várias nas prisões. 

A guerra, depois de “acabada” não significa paz para toda a gente. Outras guerras se apresentam. A maior parte das vezes, guerras internas de superação dos traumas vividos, outras, se pertencem ao grupo dos vencidos, guerras físicas, represálias e torturas, como referi. Hortência, Elvira, Tomasa, Reme, Pepita vão encontrar tudo isso na prisão. Até a morte. Mas o sentimento de partilha, unidade e amizade fá-las não desistir da luta e é com verdadeiro interesse que as páginas passam por nós. A resistência ao regime franquista passa também pelo interior da prisão.

Com capítulos curtos, este livro é um verdadeiro “page turner”. Não apetece largar! Recomendo muitíssimo. 

Terminado em 26 de Fevereiro de 2023

Estrelas: 6*

Sinopse

Um grupo de mulheres, encarceradas na prisão madrilena de Ventas, ergue a bandeira da dignidade e da coragem como única arma possível para se confrontarem com a humilhação, a tortura e a morte.

A Voz Adormecida ajuda-nos a mergulhar no papel que as mulheres tiveram durante anos decisivos para a história de Espanha. Relegadas ao meio doméstico, decidiram assumir o protagonismo que a tradição lhes negava para lutar por um mundo mais justo. Umas na retaguarda e as mais ousadas na vanguarda da luta armada da guerrilha, onde deixaram a evidência da sua valentia e sacrifício. 

Cris

quinta-feira, 16 de março de 2023

O Farol e O Jogo Lúgubre de Paco Roca

Esta obra inclui duas graphic novels baseadas em dois contos de Paco Roca diferentes no seu conteúdo mas ambas muito apelativas. O ponto de partida é a Guerra Civil de Espanha, as consequências e marcas que deixou a quem nela participou, sobretudo de quem saiu derrotado.

Em "O Farol", Francisco, jovem que aos 16 anos se alistou nos Carabineiros, desertou e, fugido das tropas falangistas, chegou a um velho farol inoperacional. Encontrou um velho faroleiro “louco” que o convidou a ficar uns dias por lá. Jovem, desiludido com a vida e sem sonhos para o futuro, Francisco, vai aos poucos ganhando esperança. As histórias entre estes dois seres, tão diferentes na idade e, no entanto, tão próximos nos seus valores pessoais, cativam o leitor. Todas as imagens deste conto são em preto e azul. 

Já "O Jogo Lúgubre" pareceu-me uma história bem macabra entre um pintor (baseada na história de Salvador Deseo) que vive isolado juntamente com a sua amante e dois estranhos amigos. Quando um secretário novo se apresenta para substituir o antigo, começam para ele uma miríade de problemas. Desde os maltratos dos habitantes da aldeia mais próxima, quando se apercebem onde é que ele vai trabalhar, até às situações sinistras que vivencia na casa do pintor…

Achei verdadeiramente interessante o Prefácio do autor, as explicações que fornece de como chegou a estas histórias e toda a base que as sustenta.

Terminado em 16 de Fevereiro de 2023

Estrelas: 4*

Sinopse

Este livro contém duas novelas gráficas do início da carreira de Paco Roca.

O Farol publicada em 2004, é uma ode à imaginação, aos sonhos e à liberdade. Um faroleiro e um jovem combatente republicano fugido das tropas falangistas discutem sobre as questões da vida, pelo meio de muitas referências literárias. a bicromia em preto e azul resulta perfeita para o ambiente desta obra optimista e de ritmo lento, em contraponto com a segunda história.

O Jogo Lúgubre (título de uma pintura de Dalí) escrita e desenhada inicialmente a preto e branco, em 2001, é uma bizarra história de horror, que parte de um misterioso livro escrito por Jonás Arquero, secretário pessoal do universal pintor catalão Salvador Dalí (Deseo no livro). Em 2012 esta obra, a mais querida de Paco Roca na altura da sua edição, foi publicada em bicromia, num preto e vermelho mais adequada ao tom de terror do relato. Descubra duas dimensões distintas de Paco Roca neste álbum. 

Cris

quinta-feira, 9 de março de 2023

Para os Mais Pequeninos: "100 Primeiros Animais"


Com páginas cartonadas, cheias de cor e desenhos sugestivos, este livro vai ser um sucesso nas mãos
pequeninas que o vão querer descobrir com avidez! Os animais de diferentes meios são os actores principais!

Com um vocabulário rico para uma aprendizagem eficaz, com muitas perguntas no final das páginas para que a interacção se faça com mais fluidez e um jogo de memória no final, tenho a certeza que os pequeninos vão adorar!

Fiquei cheia de vontade de me encontrar com os membros mais pequeninos da família para me poder divertir e ensinar juntamente com eles!

Ora vejam:




Cris

terça-feira, 7 de março de 2023

"A Convidada Escolhe: Misericórdia"

Misericórdia, Lídia Jorge, 2022

Este é um livro que emociona, que comove profundamente, que nos expõe como humanidade, um daqueles livros sobre que tenho dificuldade e até pudor em escrever, talvez usando pinças para não estragar nada. Comovente, por vezes irónico, crítico, nada piegas. Um hino à dignidade, à resistência, à força de vontade para continuar a viver. Um livro maravilhoso e impossível de esquecer.

Maria Alberta Nunes Amado é uma dos setenta residentes no Hotel Paraíso, onde é conhecida por Dona Alberti. Os seus problemas de mobilidade são ultrapassados por diferentes cuidadoras que a transportam no interior da residência, a lavam e vestem, a enfeitam com o colar e os brincos, a acordam, lhe dão os bons dias, a deitam, a esquecem, lhe fazem a higiene sem a ouvir, sem a ver ou lhe responder, lhe fazem as confidências mais íntimas, lhe cantam, lhe afagam as mãos. Tem um gravador Olympus Note Corder DP-20 para onde dita impressões dos dias, das noites, das visitas, do que gosta e não gosta naquela que não é a sua casa, lugar de exílio, e desenha palavras com um pequeno lápis Viarco, usando a mão esquerda e a sua capacidade de extrair dos dias o que sobressai da rotina da instituição que transforma os utentes em peças iguais e sem identidade. Sente saudades das flores que amava no jardim da que foi a sua casa e guarda na bolsa que traz ao peito aquilo que ainda lhe confere algum poder, pertença e intimidade. Pode ser atormentada durante a noite pelo esquecimento do nome de uma capital de um atlas que conhece tão bem, mas resiste a essa entidade que tem vida própria – a noite – que não lhe dá descanso, trazendo-lhe memórias. 

O Hotel Paraíso é feito de muitos mundos. Desde a Doutora Noronha que havia sido a estagiária Anita, o senhor Paiva sempre a querer fugir, a Dona Joaninha eternamente apaixonada e que não queria morrer sem saber ler, Lilimunde do Pará com quem Dona Alberti tanto se identifica, a cheirar a bergamota, sobrevivente das máfias da imigração e a viver o seu primeiro amor, o sargento João Almeida que trouxe do exterior um sopro de vida, o senhor Tó alguém que nunca se quis render, Salomé, a “sólida máquina Bosch”, Ali, o marroquino “strong” e “jolie” que acreditou que aqui em Portugal seria respeitado, as senhoras que se sentiam superiores e os homens que persistiam nos seus tiques marialvas. As cuidadoras, os cuidadores chegam e partem. Partem em levas e chegam em levas. Trabalho imigrante, mal pago, precário, indispensável. 

A morte era banal no Hotel Paraíso. Os que partem definitivamente, rapidamente são esquecidos e substituídos por novos utentes. Mesmo quando a vontade é desistir e ir, o final de 2019, antes do espectáculo de fogo-de-artifício a partir do terraço do Hotel Paraíso, dá a Dona Alberti uma força para continuar a viver e os telefonemas que faz são o renovar de votos que o Ano do Carro seja um ano de vida e esperança no futuro. “Sinto um entusiasmo pela vida como não sentia há muitos anos” (pág. 408). Os telefonemas foram aos que lhe eram mais caros: ao senhor Frank, vizinho da casa antes do Hotel Paraíso, a Lilimunde, a menina a quem Edu Horvat não soube que deixou uma semente, à Associação da Boa Vontade que tem um voluntário que a visitou e lhe leu dois textos muito importantes e à filha a quem deseja que realize todos os seus sonhos, mesmo que ela Maria Alberta discorde das escolhas da filha. 

Infelizmente, o Ano do Carro foi trágico e mortal para muitos dos utentes do Hotel Paraíso, incluindo Dona Alberti tão segura de que a noite não a iria sufocar. E também para Luís Sepúlveda, o autor das duas histórias de “As Rosas de Atacama” que o voluntário da Associação da Boa Vontade lhe lera: a do professor Galvez, “pedagogo da dignidade” e “Cavatori”, que homenageia os cavatori e os/as marmoristas nunca nomeados nas belas estátuas de Carrara.  

Transcrevo o epílogo de “Misericórdia”:

“A Maria dos Remédios, minha mãe muito amada, que me pediu que escrevesse esta história. 

E a Luís Sepúlveda, meu bom amigo de longa data.

Eles nunca se conheceram, mas estão unidos no tempo das estrelas e cruzam-se no interior destas páginas”

Lídia Jorge

Boliqueime, 15 de Junho de 2022


Almerinda Bento

4 de Março de 2023 


segunda-feira, 6 de março de 2023

Resultado do Passatempo Mensal "Toca a Comentar"

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Fevereiro. 

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionado um vencedor! Foi ele:

Carla Pereira Sousa

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 20, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros: 



Cris


sábado, 4 de março de 2023

Na Minha Caixa de Correio

 










Uma ida à feira de Corroios e o meu aniversário... e as minhas estantes ficaram mais ricas! 😀
Cris