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quinta-feira, 28 de abril de 2022

" Verões Felizes" de Zidrou & Jordi Lafebre

Já há bastante que tinha ouvido falar muito bem desta Graphic Novel. Este
livro é o primeiro volume e não será, certamente, o último que irei ler. 

São duas histórias (Rumo ao Sul e Calheta) contadas por um casal já idoso que relembra as férias passadas com a sua família mais próxima, os seus filhos. Para as férias vão junto com eles os problemas mais íntimos que estão a passar e que querem esconder aos membros mais pequenos mas, vai também, o desejo forte de os ultrapassar, proporcionando um período alegre e divertido.

Os momentos inesquecíveis sucedem-se e divertimo-nos com as peripécias por que passa esta família. Gostei muito!

Terminado em 21 de Abril de 2022

Estrelas: 5*

Sinopse

Esta série não contém lutas sangrentas nem conspirações internacionais.
Fala da vida, da verdadeira. a vida - bonita - de pessoas que, ao longo do ano, trabalham arduamente para poderem gozar umas férias de Verão.
1973, 1969, 1980... volte atrás no tempo, entre com o Pierre, a Madô, a Julie-Jolie, a Nicole, o Louis e a Pêpete na sua 4L Vermelho Estérel, e reviva as férias da sua infância!
Instale-se na 4L vermelha dos Verões Felizes e... rumo ao Sul! no programa constam piqueniques, parques de campismo e sessões de bronzeamento na praia. 
Entre ataques de riso e ataques de choro, a família diverte-se à beira-mar, discute, zanga-se, mas mantém-se sempre unida, numa banda desenhada alegre e optimista.

Cris

terça-feira, 19 de abril de 2022

"A Mãe de Frankenstein" de Almudena Grandes

Para mim, Almudena tem selo de qualidade. Autora espanhola, falecida recentemente (1960-2021), tem ainda livros por traduzir em Portugal. Espero sinceramente que o façam porque são leituras muito interessantes e onde se aprende sempre mais.

O livro anterior que li dela (vejam aqui a minha opinião!), constituiu uma leitura muito gostosa, com pontos mais fortes e interessantes (sobretudo quando diziam respeito à história do Dr.), mas houve momentos em que a leitura era mais demorada porque retratavam questões políticas mais densas. Como eram histórias várias com múltiplos personagens precisavam de toda a nossa atenção para que não nos perdessemos no enredo. Mas o cômputo final foi muito positivo, sem dúvida alguma.

Já neste livro não tive idêntica dificuldade. É um Sr. Calhamaço mas que se lê com uma fluidez vertiginosa porque há, comparativamente, menos personagens, se bem que os saltos no tempo se dêem com frequência e sem aviso prévio. Mas, Almudena é uma mestre na arte da escrita. Em tempo algum tive dificuldade em situar-me! 

A época histórica que serve de pano de fundo a esta história espectacular é o pós-Guerra Civil de Espanha, tempo de Franco e da respectiva ditadura.

O protagonista e,  maior parte das vezes, o narrador, é um jovem psiquiatra que, tendo fugido de Espanha na altura da Guerra Civil e quando adolescente, regressa no tempo do franquismo para implementar um tratamento novo para certas doenças do foro psiquiátrico num manicómio feminino. Reencontra uma paciente especial e é em torno dela que a trama se vai desenvolver.

O ambiente político que se vivia, inibidor das liberdades mínimas pessoais, vai impulsionar o enredo para determinados caminhos, facto mais ou menos esperado em contextos politico-económicos repressivos. Baseado em factos e pessoas verídicas, este livro cativa, prende e é uma verdadeira lição de História sem que nos apercebemos dela!

No final somos brindados com muitos pormenores que enriquecem sobremaneira a obra, a leitura e o nosso gosto pelo conhecimento em si. Rico, nada expectável, fluído e apelativo, este livro é uma aposta certeira.

Mas sinceramente, o que me atraiu nele foi o nome da autora. Não achei a capa uma escolha muito feliz e o título não mereceu a minha atenção. Depois de ler esta obra, sei que este faz todo o sentido mas não fora o nome da escritora... Já falei com outras pessoas sobre isso e tentei convencê-las a pegarem nele, vale tanto a pena! E cá estamos nós a falar de novo em capas que não refletem o conteúdo. As pessoas são um pouquito assim, não concordam? O invólucro é, por vezes, enganador! Para melhor ou para pior.

Recomendo muitíssimo! Este livro é tão, mas tão bom!

Terminado em 10 de Abril de 2022

Estrelas: 6*

Sinopse

Em 1954, o psiquiatra Germán Velázquez regressa a Espanha para trabalhar no manicómio feminino de Ciempozuelos, a sul de Madrid. Depois de partir para o exílio em 1939, viveu quinze anos na Suíça, onde foi acolhido pela família do doutor Goldstein.

Naquela instituição psiquiátrica, Germán reencontra Aurora Rodríguez Carballeira, uma mulher inteligente e paranoica, tristemente célebre por matar a tiro a própria filha. Ali conhece também María Castejón, que cuida dela com enorme desvelo e gratidão. A amizade que acaba por nascer entre a jovem auxiliar e o doutor Velázquez leva o leitor a descobrir não apenas a sua origem humilde como neta do jardineiro da instituição, os anos de criada em Madrid e a infeliz história de amor que protagonizou, mas também o que levou Germán a abandonar a tranquilidade suíça e regressar a Espanha. Almas gémeas a fugir dos seus passados, ambos querem dar uma oportunidade a si próprios, porém vivem num país humilhado, onde os pecados se convertem em crimes, e o puritanismo – defendido pelo regime de Franco – encobre todo o tipo de abusos.

Em A Mãe de Frankenstein, Almudena Grandes regressa ao período mais difícil da história de Espanha, destacando as feridas imensas que uma guerra interminável provocou.

Cris

 

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Resultado do Passatempo Mensal "Toca a Comentar"

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Março.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionado uma vencedora! Foi ela:

Carla Sousa

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 25, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

 
Cris

 

segunda-feira, 11 de abril de 2022

A Convidada escolhe: "Contos de Cães e Maus Lobos"

Contos de Cães e Maus Lobos”, Valter Hugo Mãe, 2015

À medida que fui lendo “Contos de Cães e Maus Lobos”, o quinto livro que leio de Valter Hugo Mãe, fui percebendo que me iria ser difícil escrever sobre os doze contos deste livro. Achei mesmo que me iria limitar a transcrever alguns excertos mais significativos que me tinham mais impressionado. Para além da escrita pessoalíssima de Valter Hugo Mãe, cada conto é acompanhado de imagens de artistas plásticos que o autor convidou. Destaco a capa belíssima de Paulo Damião que ilustra o primeiro conto “ A Menina que carregava Bocadinhos” e o prefácio de Mia Couto a que deu o título “Um Pequeno Prefácio para Contos Gigantes”. A certa altura, Mia Couto escreve: “ Tal como nos livros anteriores, há nesta antologia de contos o convite ao regresso a um recanto de que nunca saímos, um reencantamento de infância, uma cumplicidade de quem partilha vazios e silêncios”. (…) “ Está nestes contos aquilo que está em toda a sua obra: o questionar das nossas certezas mais fundas, uma visita às profundezas da alma.” (…) “E é por isso que estes contos, mais do que gigantescos, não têm tamanho.”

“A Menina que carregava bocadinhos” é o sonho de liberdade. “A liberdade também era isso, não voltar”… …a criada vestiu a sua blusa de princesa e soltou os cães que se puseram em rebuliço e latindo.” (pág. 29).

O menino nadou para depois de uma onda grande e não voltou. A mãe estendeu as mãos na água buscando o seu corpo diluído. Julgava ela que o filho se diluíra como um cubo de açúcar incapaz de adocicar o mar. Jurou que o buscaria sempre. Haveria de o reconhecer nem que ele se tornasse ínfimo.” (pág. 37). Assim começa o segundo conto com o título “O menino de água”, que na nota do autor que figura no final do livro “é para todas as pessoas que acreditam que as crianças não se podem perder pela tragédia do mundo que os adultos criam.” (pág. 159).

Crescer não é fácil; por vezes é até doloroso e um processo solitário. Assim li “Querido monstro” de que escolhi esta passagem: “…nenhuma tristeza define obrigatoriamente o que podemos fazer no dia seguinte. No dia seguinte, ainda que guardemos a memória de cada dificuldade, podemos sempre optar por regressar à busca das ideias felizes.” (pág. 52).

Quando decidimos não agir em conformidade com aquilo que a sociedade espera de nós, podemos ser postos de lado ou ser considerados malucos. Assim aconteceu com “A princesa com alma de galinha”. “Um dia, a princesa disse que queria ser enfermeira e imediatamente correu pelo reino a notícia de que a moça estava maluca.” (pág. 59).

Da história de uma criança que vive no cimo de um monte isolado com a mãe e o pai que é guarda-florestal, transcrevo este parágrafo e relevo o papel determinante que certos professores e professoras têm nas nossas vidas e na nossa maneira de olhar para o mundo: “Percebi que para dentro de nós há um longo caminho e muita distância. Não somos nada feitos do mais imediato que se vê à superfície. Somos feitos daquilo que chega à alma e a alma tem um tamanho muito diferente do corpo.” (pág. 85).

“O rapaz que habitava os livros” fala de quando a paixão dos livros se sobrepõe a tudo. “Os livros não esquecem nada. Eles são para sempre a mesma memória admirável. Esquecer livros é uma agressão à sua própria natureza. Embora, na verdade, eles nem se devam importar, porque podem esperar eternamente.” (pág. 93). “Todos os livros são conversas que os escritores nos deixam. Podemos conversar com Camões, Shakespeare ou Machado de Assis, mesmo que tenham morrido há tantos anos. A morte não importa muito para os livros”. (pág. 95).

Tinha um pássaro no coração. Era assim mesmo, o lugar mais decente para aprisionar um animal de estimação”. (pág. 106), do lindíssimo conto “Modo de amar”.

A história da menina do capuchinho vermelho e do lobo mau é recriada em “O mau lobo”. Aqui de novo a inocência da menina e do lobinho que vai ser curado com as mezinhas que a avó conhece.

“As mais belas coisas do mundo” foi talvez o conto que mais amei de entre os doze contos do livro, o qual nos fala da relação do narrador com o seu avô. Dá vontade de o transcrever todo, de o reler e reler e reler. “Eu entendi que o meu avô era como todas as mais belas coisas do mundo juntas numa só. E entendi que fazer-lhe justiça era acreditar que, um dia, alguém poderia reconhecer a sua influência em mim e, talvez, considerar de mim algo semelhante. Com maior erro ou virtude, eu prometi tentar.” (pág. 128).

Quando li “Quatro Velhos”, o penúltimo conto, não consegui deixar de pensar no conflito actual entre a Rússia e a Ucrânia!

Neste encantamento que é ler e ficar a matutar depois de cada conto, chego ao último “Bibliotecas” ilustrado por Jas e fico rendida logo com a primeira frase: “As bibliotecas deviam ser declaradas da família dos aeroportos, porque são lugares de partir e de chegar.” (pág. 149). Vira-se a página, no alvoroço da descoberta que Valter Hugo Mãe nos propõe sobre o que são as bibliotecas, e não resisto: “Adianta pouco manter os livros de capas fechadas. Eles têm memória absoluta. Vão saber esperar até que alguém os abra. Até que alguém se encoraje, esfaime, amadureça, reclame o direito de seguir maior viagem. E vão oferecer tudo, uma e outra vez, generosos e abundantes. Os livros oferecem o que são, o que sabem, uma e outra vez, sem se esgotarem, sem se aborrecerem de encontrar infinitamente pessoas novas. Os livros gostam de pessoas que nunca pegaram neles, porque têm surpresas para elas e divertem-se com isso. Os livros divertem-se muito.” (pág. 150). E a terminar: “Todos os livros são infinitos. Começam no texto e estendem-se pela imaginação. Por isso é que os textos são mais do que gigantescos, são absurdos de um tamanho que nem dá para calcular. Mesmo os contos, de pequenos não têm nada. Se os soubermos entender, crescemos também, até nos tornarmos monumentais pessoas. Edifícios humanos de profundo esplendor. // Devemos sempre lembrar que ler é esperar por melhor”. (págs. 151, 152)

Na Nota do Autor, que encerra o livro, acompanhada da arte de Duarte Vitória, Valter Hugo Mãe esclarece que “Não sei escrever para crianças. Acho que apenas ausculto a sua candura, mas não sei rigorosamente dirigir-me a elas. Sou desajeitado. Os contos que invento ficam arrevesados de ser uma coisa e outra. Talvez sejam a consciência magoada pela evidência de hoje me ter adulto”.

Se quem ler este meu texto tiver ficado tentado a ler este “Contos de Cães e Maus Lobos” já me darei por feliz. É de facto um livro invulgar.

6 de Abril de 2022

Almerinda Bento

quinta-feira, 7 de abril de 2022

"O Gigante Com Pés de Princesa" de Pedro Fernandes


Esta história recordou-me algumas da minha infância e, também, umas que contava aos meus filhos. Não que tenha lido nada igual mas pelo facto de ser passada num mundo de pessoas um pouquito maiores que o habitual. 

Um gigante menino que nasceu com pés pequenos e que não cresciam na devida proporção, é alvo de chacota dos seus pares. Tinha pés de princesa e sofria muito com os risos que ouvia quando passava. O pior é que não se ficavam só pelos risos! De tal forma que pensou em desistir!

Contar uma história que parece pertencer a um mundo imaginário para falar com as crianças de um problema actual - o bulling - não é algo inédito mas é necessário.  Cada vez mais necessário mostrar como se pode dar a volta à questão,  mostrar que há outras formas de resolver o assunto e que podemos pedir ajuda.

Ilustrações supimpas! Espreitem aqui:







Cris

terça-feira, 5 de abril de 2022

"A Breve Vida das Flores" de Valérie Perrin

Este  livro vai directamente para os meus livros favoritos do ano. Não tenho dúvida alguma sobre isso.

Primeiro porque o enredo conquista logo ao fim das primeiras páginas. É  completamente diferente daquilo que já li e foi uma das coisas que me encantou. A sua originalidade. 

Depois, a forma delicada como é tratado o tema que serve de pano de fundo (a morte), faz com que o leitor a "entenda", tanto quanto se consegue entender tal fenómeno. Não é tratada de forma melodramática mas a autora consegue com mestria transmitir uma percepção real da dor da perda.

A personagem principal é maravilhosa. A frágil e corajosa Violette.

Analepses constantes poēm-nos a par dos segredos do passado de Violette e das restantes personagens que giram em torno dela tanto mansamente como tempestivamente. Julian, Sacha e Phillipe, os homens da sua vida.

As revelações são feitas com parcimónia. Algumas vezes delicadamente, outras com uma fúria devastadora que nos interrompe a leitura e nos faz voltar atrás. Tudo encaixa e as surpresas vão até ao final. Não há momentos desinteressantes, tudo se completa, tudo mantém o leitor preso.

Para ler obrigatoriamente!

Terminado em 31 de Março de 2022

Estrelas: 6*

Sinopse

Violette Toussaint é guarda de cemitério numa pequena vila da Borgonha. A sua vida é preenchida pelas confidências - comoventes, trágicas, cómicas - dos visitantes do cemitério e pelos seus colegas: três coveiros, três agentes funerários e um padre. E os seus dias pareciam ser assim para sempre. Até à chegada do chefe de polícia Julien Seul, que quer deixar as cinzas da mãe na campa de um desconhecido.

A história de amor clandestino da mãe daquele homem afeta de tal forma Violette, que toda a dor que tentou calar, toda a tristeza pela morte da sua filha vêm ao de cima. É tempo de descobrir o responsável por aquela tragédia.

Atmosférico, tocante e - tantas vezes - hilariante, este é um romance de vida: dos que partiram e vivem em nós, da luz que se pode revelar mesmo na mais plena escuridão. Porque às vezes basta a simplicidade de um gesto, basta a frescura da água viva para nos devolver ao mundo, a nós mesmos e aos outros. «Um romance maravilhoso.»

Cris

segunda-feira, 4 de abril de 2022

A Convidada Escolhe: "Homens Imprudentemente Poéticos"

Homens Imprudentemente Poéticos”, Valter Hugo Mãe, 2016

De cada vez que leio Valter Hugo Mãe percebo que estou a entrar num mundo muito próprio, em que a língua se transfigura e em que as personagens têm de ser lidas para além da capa exterior que as cobre. Comecei com o Sr. Silva e os companheiros de fim de vida no lar “Feliz Idade” em “a máquina de fazer espanhóis”(2010); seguiu-se Halla nos fiordes da Islândia, a sobreviver à morte da irmã gémea em “A Desumanização”(2013) e depois, o mais perturbador de todos, “o remorso de baltazar serapião” (2006) que lhe valeu o prémio José Saramago e que o Nobel classificou de “tsunami”.

Depois de algum tempo sem ler nenhum romance deste autor – para além das crónicas com o título Autobiografia Imaginária no JL – e porque já três novos livros de Valter Hugo Mãe se amontoavam na pilha dos “a ler/oferecidos”, foi a vez deste “Homens Imprudentemente Poéticos”. E quem são estes homens imprudentemente poéticos? Dois vizinhos num Japão antigo, o artesão Itaro e o oleiro Saburo, que criam uma inimizade incompreensível, como tantas vezes acontece. O artesão na arte de fazer leques é um homem obstinado, obcecado em fazer premonições sobre acontecimentos futuros, a partir da morte de animais/insectos. O oleiro, também ele um homem obstinado, pensando que conseguia salvar a mulher da morte que lhe havia sido profetizada por Itaro, faz crescer o jardim pela floresta adentro. Além destes dois homens que são afinal as personagens principais do romance, as figuras femininas são Matsu “que faz parte das pessoas diferentes” (pág. 47) é a irmã cega de Itaro, cuidada pela criada Kame. A senhora Kame, que tinha sido acolhida pela família do artesão, é a pessoa cuidadora, protectora, que está sempre presente em função dos outros “era um bicho domesticado. Viam-na com o carinho que se dava aos gatos enamorados por seus donos”.(pág. 38). E por fim, a senhora Fuyu, a mulher do oleiro Saburo, cuja presença ele teima em manter mesmo depois de morta, usando o seu quimono como espantalho nos canaviais, para afugentar os pássaros e, se possível, para a fazer voltar.

Como acontece com todos os livros de Valter Hugo Mãe, este é também muito visual. A floresta, lugar mágico povoado de bichos onde os suicidas procuram a sua morada derradeira, as violetas, as cerejeiras em flor, as flores do jardim, o lago Biwa e os seus peixes e, especialmente, o poço. A cena do poço no fundo do qual Itaro vai permanecer “sete sóis e sete luas” vai ser um lugar de descoberta, onde experiencia a mais profunda escuridão igual à cegueira da irmã e onde vence na luta contra o medo. É um dos capítulos mais intensos, assim como os três capítulos sobre a irmã Matsu que constituem a terceira parte do romance e que são duma enorme beleza poética.

Termino com alguns excertos para mim muito significativos:

Contar-se-ia para sempre que um homem fora condenado a meditar no fundo de um poço durante sete sóis e sete luas e que, apavorado com o escuro, se amigou do próprio medo. Sentindo-lhe carinho.” (pág. 165)

“… o artesão cerrou os olhos, ainda mal acostumado à abundância da luz, e sentiu-se confortável no escuro. Educara-se para o escuro. De verdade, sentiu nenhum medo da cegueira. Considerou que ficar sem ver era da ordem da limpeza. E o sábio disse: inclui-te naqueles que frequentam a universalidade.” (pág. 166)

Ela sabia apenas da beleza das palavras porque era com elas que se explicava o mundo.” (pág. 174)

A cega, mais do que nunca, entendia o que era conhecer alguém e começava a dizer: conheço-te. Era a maneira mais exacta que tinha de afirmar que o via.” (pág. 177)

Obstinado com pintar um novo leque, na expectativa do que lhe mostraria, tanto quanto outrora ansiava por saber o que veria no morto de algum bicho.” (pág. 183)

Contava-se que saíra do poço tão imprudente quanto mágico.” (pág. 184)

E Itaro pintava, demorava-se absurdamente a ver cada leque, e subitamente regressava à necessidade de pintar. Era inesgotável. Ele dizia. Que o deslumbre nunca se eternizava.” (pág. 184)

“… sei pouco, sei que há algo mais para saber. Pressentia que a arte era uma revelação, assentava numa suspeita mas nunca garantiria que resultado teria, afinal. Estava diante de um pressentimento de haver algo para descobrir mas faltava-lhe conhecer o quê. Apenas os leques, leque a leque, o levariam utopicamente mais além”. (pág. 185)

28 de Março de 2022

Almerinda Bento