“O Vício dos Livros” – Afonso Cruz, 2021
Tudo nos atrai neste livro. Desde logo o título, a ilustração da capa, o livro objecto em si, de capa dura. Do autor apenas tinha lido há anos “Nem todas as Baleias voam”, que fala da arte, de que não se consegue fugir quando se é capturado por ela.
E quando se é capturado pelos livros? “O Vício dos Livros” fala da extraordinária força dos livros. Do seu poder imenso. Basta ir seguindo os títulos dos textos de que é constituído este pequeno livro, uma espécie de roteiro que vamos seguindo. A leitura chega a conseguir afastar a morte: “A morte também é leitora, por isso, aconselho a que andem sempre com um livro na mão, porque, quando a morte chega e vê o livro, espreita para ver o que estamos a ler, tal como eu faço no autocarro, e distrai-se.” A leitura é um verdadeiro elixir para aumentar o tempo e a qualidade de vida, digo eu.
Por vezes, deparamos com surpresas no meio de livros esquecidos nas estantes. Pois “os livros são seres pacientes. Imóveis nas suas prateleiras, com uma espantosa resignação, podem esperar décadas ou séculos por um leitor.” Quantas vezes isso não nos aconteceu, embora eu nunca tenha conhecido “um esquifobético”, que se referia ao seu corpo como “neve”.
De entre os vários títulos que constituem “O Vício dos Livros”, quero salientar alguns que achei especiais.
“Liberdade” que fala duma escritora árabe que, apontando para um niqab exposto numa loja, diz: Já fui uma mulher destas”… “Comecei a ler e libertei-me.”
“O Terceiro pulmão de Bagdade” que fala de lugares onde não se desiste. A Rua Al-Mutanabi em Bagdade é o terceiro pulmão da cidade pois, apesar de atentados suicidas que mataram e feriram dezenas de pessoas, continua a ser um local de resistência, onde livreiros, alfarrabistas e escritores expõem, vendem e trocam os seus livros. Em 2019, a Feira do Livro de Bagdade teve mais de um milhão de visitantes, o que é deveras extraordinário, se compararmos com outras feiras do livro de renome mundial.
“Gatos” pois “gatos e escritores são espécies claramente aparentadas: por trabalharem sós, pela contemplação e observação e curiosidade”.
“Bibliotecas” com referência à biblioteca do faraó Ramsés II que tinha os seguintes dizeres no cimo da porta de entrada: “Casa para terapia da alma”. Para Jorge Luis Borges “Uma biblioteca é uma autobiografia”.
Muitas vezes, já tarde nas nossas vidas, percebemos que não estivemos disponíveis nem atentos a ouvir e a aprender com os velhos, com os nossos familiares que já morreram e é assim que há “Histórias que se estragam”, porque “quando morre um velho, desaparece uma biblioteca”, segundo um adágio africano. É essa “luz por dentro”, o extraordinário conhecimento que descobrimos em tantos velhos através das suas histórias, das suas memórias e reflexões e a que tantas vezes damos pouco valor e atenção.
Como se atesta em “O Vício dos Livros”, depois de se ler um livro, sai-se sempre modificado. Um livro não pode ser neutro, nem inodoro, nem algo que não cause sobressaltos no leitor. “A leitura é um diálogo entre autor e leitor”, “… deve resultar numa transformação e um leitor deverá saber que aquele que abre um livro não é a mesma pessoa que o fecha”. “Um bom livro dirige-se ao futuro de cada leitor e não ao seu presente”. Numa das suas muitas referências bibliográficas ao longo do livro, Afonso Cruz cita Graham Greene para dizer que “Quando abrimos um livro, abrimos um futuro”.
A impressão inicial no primeiro contacto visual e táctil com “O Vício dos Livros” é confirmada quando se chega à sua última página. Dá vontade de ir buscar-lhe excertos, pequenas citações. Daqueles livros a que se vai, a que se quer voltar sempre.
8 de Outubro de 2021
Almerinda Bento