Os
Armários Vazios
Maria Judite de Carvalho
1966
A
reler Maria Judite Carvalho, uma escritora desvalorizada e
injustamente esquecida. A sua escrita é muito límpida e retrata a
sociedade portuguesa em que viveu e que bem conseguiu dissecar. Uma
sociedade convencional, asfixiante, puritana e hipócrita onde é uma
vergonha uma mulher engravidar sem ser no casamento. É preciso
abafar os sentimentos socialmente reprováveis; é preciso calar e
guardar segredo daquilo que se considera uma vergonha. Mas, ao mesmo
tempo é a entrada num período de abertura e transformação dos
costumes, protagonizada por Lisa, a filha de Dora Rosário. É o
tempo dos Beatles e os ventos da mudança já sopram.
A
escolha da epígrafe de Éluard para este romance “Os Armários
Vazios” não podia ser mais ajustada: “J’ai conservé de
faux trésors dans des armoires vides”. As duas mulheres,
figuras centrais do romance – Manuela a narradora e a amiga Dora
Rosário – confrontam-se com a realidade de terem alimentado uma
vida de ilusão e de apego a falsos tesouros.
Dora
abdicou da sua autonomia e realização pessoal, vivendo em função
da personalidade apagada do marido que entretanto faleceu. É ainda
uma mulher jovem, mas para a filha Lisa “a minha mãe é uma
pessoa sem idade e sem solução”. Neste romance, aliás,
surgem amiúde reflexões sobre a juventude (Lisa), ou a eterna
juventude (avó Ana), sobre o que é ser velha ou sentir-se velha, a
ambiguidade entre o que é “já ser velho” ou “ainda ser novo”.
E estas ideias e expressões ganham valor diverso, no caso de se
falar de uma mulher ou de um homem. Aquela mulher que ainda não tem
40 anos já é velha, mas aquele homem que já passou a barreira dos
40 ainda é novo!
É
um romance de mulheres, sobre mulheres: a narradora, Dora, Lisa, Ana,
a tia Júlia. E dois homens: Ernesto Laje e Duarte. Independentemente
das diferenças e do estatuto social dos dois, são seres
emocionalmente frágeis e dependentes. Duas transcrições do
romance, que sintetizam as personalidades destes dois homens: “Talvez
gostasse também, embora menos, com os homens nunca se sabe. Os
pobres foram feitos para ter um harém em que todas as mulheres se
entendessem como Deus com os anjos, e isso foi-lhes proibido pela
Santa Igreja. O que hão-de eles fazer? Acumular ou então, mais
raramente, deixar uma para pegar noutra, é normal.” São
palavras de Ana, mãe de Duarte a Dora, depois de lhe ter confessado
que o filho pensara separar-se de Dora para ir viver com outra mulher
pouco antes de adoecer. Ou Ernesto que confessa a Dora “Não sou
feliz. Na verdade não sou feliz. Note que gosto muito da Manuela. A
verdade é que é precisamente essa a razão por que não sou feliz e
procuro aqui e além, desculpe a franqueza, um momento de exaltação.”
De seguida, “Ernesto embrenhou-se numa confusa tragédia de
casal sem filhos e do desgosto que tinha de não os possuir. Ele,
Ernesto Laje, era um lutador, mas que gostaria de saber para quê ou
para quem lutava. Assim…” Mais à frente, Manuela, a
narradora conclui: “Eu julgava que o problema dele não se
chamava Manuela e afinal… Arranjara maneira de eu ser o seu
problema. Era infeliz por eu não ter filhos e procurava compensações
lá fora. Ao mesmo tempo, porém, gostava muitíssimo de mim e não
podia trocar-me por mais ninguém. Um círculo vicioso muito
vicioso.”
É
um romance triste, de mulheres mal amadas, mas mesmo assim lutadoras
e sobreviventes. E de homens egoístas, pouco dados a ver as suas
mulheres como companheiras e não apenas como instrumentos para sua
auto-satisfação e continuidade.
Almerinda
Bento
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