As
Sombras de Leonardo Da Vinci, Christian Gálvez, 2014
Não
é fácil escrever sobre este livro. Identificado como “romance
histórico” “fruto de vários anos de investigação exaustiva
sobre a vida de Leonardo da Vinci”, não consegui abstrair-me de um
certo preconceito relacionado com jornalistas que se tornaram
verdadeiras estrelas pop depois de terem começado a escrever livros
apoiados em grandes campanhas de marketing que fazem com que os seus
livros passem a figurar durante semanas nas montras das livrarias e
no top de vendas! Talvez seja mesmo só preconceito. Sobre o autor,
Christian Gálvez, na badana do livro pode-se ler que “Desde 2009,
divide-se entre o trabalho em televisão e a investigação sobre
Leonardo da Vinci, vivendo entre Madrid e a Toscana. É um dos mais
conhecidos especialistas internacionais do artista.” Também na
capa, o leitor é alertado para o conteúdo do livro que vai fazer
sobressair a faceta do homem, mais do que a do génio.
Quem
não sabe que Leonardo da Vinci foi genial? Que imaginou máquinas e
inventou engenhos que só vários séculos depois da sua morte foram
realizados? Que as suas pinturas são obras de arte que atraem
milhões de visitantes de todo o mundo? Que utilizou técnicas
pioneiras e que, embora tendo vivido num período de grande incentivo
e apoio às artes, se distinguiu de todos os seus pares por ser o
maior? A sua genialidade foi objecto de estudo de especialistas e de
produção de milhares de obras sobre a sua arte e dimensão
multidisciplinar.
Mas
a sua figura como pessoa e a interpretação de algumas das suas
obras têm sido objecto de imensas teorias e controvérsia. Daí, ter
sentido a necessidade de, ao ler “As Sombras de Leonardo da Vinci”
de Christian Gálvez, confrontar informação com outros livros sobre
Leonardo da Vinci. Reconheço que a parte material e visível da obra
é bem mais fácil de ser trabalhada do que a personalidade, os
sentimentos e atitudes de um homem que viveu 67 anos e cuja vida foi
marcada por traições, desafios e vicissitudes, mas uma energia fora
do vulgar que fez dele também um sobrevivente.
O
início do livro situa-se em 1519 no dia 2 de Maio, data da sua
morte, em França, na região do Loire onde viveu os últimos três
anos da sua vida, a convite do rei de França, Francisco I. É a cena
da morte, onde está acompanhado do rei e das pessoas que lhe são
mais queridas, cena essa a que voltaremos no final do livro. Nascido
da relação ocasional do pai, um importante notário de Florença,
com Caterina uma jovem escrava, esse nascimento não desejado pelo
pai marca-o, ao contrário do amor que a mãe lhe devota, mesmo
quando o acompanhamento do seu crescimento e educação lhe são
impedidos e o afastamento do filho lhe é imposto.
Os
diversos capítulos que constituem o livro e que não surgem por
ordem cronológica são cenas da vida de Leonardo da Vinci, em
criança, na oficina do mestre Andrea Verrocchio, nos calabouços do
Palazzo del Podestá em Florença, na sequência duma acusação
anónima de homossexualidade, na sua oficina, em Florença, na Abadia
de Montserrat, em Milão, Roma ou em França. A desenhar, a
projectar, a planear, a dissecar cadáveres, a inventar, a
experimentar, a estudar, a “voar”.
As
rivalidades entre as oficinas dos artistas, a Europa em mudança, a
Península Itálica dividida, as guerras entre os Médici, a Igreja e
os papas, o nepotismo reinante, as teorias e os protagonistas que
queriam reformar a Igreja de Roma, os encontros e desencontros,
amizades e inimizades com outros artistas da época (Sandro
Botticcelii, Michelangelo, Rafael, Maquiavel) tudo isto nos dá este
livro do escritor madrileno. Um romance histórico documentado no
final do livro com uma listagem exaustiva das personagens do romance,
dos papas, dos Médici e dos Sforza que reinaram em Roma, Florença e
Milão durante o período de vida de Leonardo da Vinci, assim como os
reis de Espanha e de França do mesmo período.
Se
Leonardo da Vinci conseguiu salvar Lorenzo de Médici do atentado dos
Pazzi, lançando-se da cúpula de Santa Maria del Fiore para a Piazza
della Signoria e assim usando pela primeira vez a sua máquina
voadora; se Leonardo da Vinci conseguiu escapar da fogueira de
Girolamo Savonarola lançando-se ao rio Arno e usando o seu
escafandro que o impediu de morrer afogado; se Leonardo da Vinci se
vingou dos três torcionários que o torturaram quando ele esteve
preso acusado de práticas homossexuais; se Leonardo da Vinci viveu
em Barcelona (Abadia de Montserrat) antes de ir para Milão; se a
explicação que Francesco Melzi deu ao rei de França sobre o quadro
de Mona Lisa corresponde ao pensamento e intenção de Leonardo da
Vinci ao pintá-lo é a verdadeira…
Tantos
“ses”! As minhas dúvidas.
A
minha certeza: Leonardo da Vinci foi um homem genial, o símbolo
maior do Renascimento, alguém com uma capacidade muito superior ao
comum dos mortais, sempre a querer superar-se.
“O
difícil consegue-se, o impossível tenta-se.”
29
Agosto, 2019
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