A escrita para mim começou nas histórias que inventava e que depois adaptava às brincadeiras que, sendo filha única, partilhava com amigos imaginários.
Sim, se me perguntassem diria que foi aí que a paixão e a escrita tal como a entendo começou.
Para os mais puristas, os que acham que escrever é alinhar caracteres e letras de modo a fazerem algum ( nem que mínimo!) sentido, então direi que o meu primeiro conto foi publicado, teria eu talvez doze anos, no jornal regional.
Nessa altura vivia em Oliveira de Azeméis, depois de ter andado qual saltimbanco, por todo o país à custa da profissão do meu pai que era ( “é” – corrigir-me-ia ele . “ Um militar nunca deixa de ser militar!”) oficial da GNR.
Calhou-me em sorte ter nascido em Lisboa , no bairro de Campo de Ourique, corria a Primavera de 1962.
Campo de Ourique era uma pequena aldeia no meio da cidade onde todos se conheciam e onde era possível ( e tão bom!!) brincar na rua até à hora do jantar.
A profissão do meu pai deu-me uma ténue luz política desde muito cedo. Recordo que tinha um diário onde escrevi aquando da publicação do livro do General Spínola “ Portugal e o Futuro” o seguinte comentário. “ A este homem ou o matam ou o fazem presidente .“ Devia ter talvez dez anos, o que faz de mim uma pequena precoce!!!
CONTRABANDO, MINÉRIO, TOIROS, AMORES PROIBIDOS... TUDO NUMA TERRA QUE TODOS ESQUECERAM. |
Foi o que fiz . Que remédio! O dinheiro que a minha mãe, doméstica como se impunha, conseguia desviar para que eu não passasse fome( -“ minha rica filha!”- ) era sempre curto!!
Entrei como estagiária no Correio da Manhã, cantei em bares, passei (- fugazmente - ) pelo O Jornal, dediquei-me às agências de publicidade, que pagavam melhor, e lá conclui a licenciatura.
A escrita ficou na gaveta. Mas jamais seria para a gaveta porque essa não sabe ler nem me iria fazer críticas!
Apaixonei-me, casei e rumei à província. Aí comecei a escrever para jornais regionais e para o Primeiro de Janeiro. Assinava duas colunas. “Agridoce” –de carácter político e “ Mil-folhas” de crítica literária.
Mas a escrita, aquela com que sonhava , as histórias que me assaltavam, estavam lá a aguardar.
Uma delas impunha-se-me como um karma, quase uma maldição: a história da minha avó, mulher raiana que desafiara tudo e todos e se tornara chefe dum grupo de contrabandistas. Mas mais que essa , chamemos-lhe biografia, havia toda a história daquela aldeia, esquecida de todos, sobrevivendo ao tempo, às guerras, à fome, ao desaparecimento.
Desde sempre teve título: Chamar-se-ia TERRA DE NINGUÉM e levou anos a ver a luz do dia.
UM LIVRO DE MULHERES PARA MULHERES. E PARA OS HOMENS QUE AS SABEM AMAR |
Antes quis fazer um pequeno exercício, algo simples , uma história de mulheres para mulheres e para os homens que as sabem amar. Uma história de amizade madura e forte que contraria a ideia que “- mulher não é amiga. É concorrente.
Nasceu assim o “ NÃO HÁ AMORES PERFEITOS “.
Mas era o TERRA que me preenchia os sonhos. Seria eu capaz de agarrar a alma raiana pelos cornos tal como o fazem aqueles homens ( e algumas mulheres. Sim!!!) nas garraiadas de Santo António?
Perdoem-me a imodéstia mas estou em crer que sim.
O livro, dedicado aos meus pais e à memória de Teresa Afonso, minha avó, que nunca entrou numa sala de aula mas que aprendeu, do lado de fora da janela da escola , a ler e a escrever, que sempre disse que um dia escreveria um livro sobre a saga daqueles tempos de pobreza numa terra de ninguém, pretende ser uma homenagem ao povo raiano e uma viagem no tempo desde o final da monarquia até ao início da Segunda Grande Guerra.
O contrabando, o minério e um amor proibido espalham-se pelas páginas deste livro.
Não sei se defraudei aquela mulher que, com 14 anos apenas, criou sozinha 4 irmãos.
Não sei se fiz jus à força daquela gente, ao seu passado e ao seu presente. Esse veredicto deixo-o aos leitores.
Eu estou em paz! Agora posso abraçar um novo projecto que já me ocupa as mãos e o espírito.
Quem sabe em breve não vos falarei dele…?
Manuela Inês Nabais
Cara Manuela,
ResponderEliminaracabo de ler o seu livro TERRA DE NINGUÉM e sinto que tem toda a razão para estar em paz, pois foi capaz de transmitir a essência de um povo generoso, lutador, sonhador, como é o povo raiano. Devo até confessar, como estudo histórico e sociológico que também é, ter usado passagens do seu livro em aulas a alunos do ensino secundário! Felicito-a, pois, por este projeto editorial!
Com respeito e amizade,
José M F. Gonçalves