Feitas as apresentações e a respectiva ponte para “Felizes os Felizes”, este novo romance de Yasmina Reza e o primeiro a ser publicado em Portugal traz à tona o tema primordial da busca incessante da felicidade com vinte e um personagens que em cada caso em particular tem um capítulo que lhe é dedicado. Os laços existentes entre estes personagens tanto pode ser de natureza familiar, como de amizade ou então situações concretas, profissionais e médicas, por exemplo, que invariavelmente em momentos específicos da vida não há como fugir delas.
Apesar de “Felizes os Felizes” ser referido como um romance, o leitor não perceberá que se trata de um livro desse género em virtude de os primeiros capítulos parecerem histórias independentes podendo as mesmas serem lidas como contos ou histórias isoladas. Só à medida que avançamos na leitura da obra é que as peças do puzzle se vão encaixando e compreendemos então as relações familiares, de amizade e outras encarando “Felizes os Felizes” como um todo.
Yasmina Reza traz também para a vida destes personagens um pouco da sua realidade dado ser filha de um judeu iraniano e de mãe húngara. Alguns dos personagens não sendo propriamente judeus praticantes, não deixam de sentir o peso da cultura e religião judaica sobre as suas cabeças funcionando quase como uma forma de angústia na tentativa de almejar a felicidade que teima em não se concretizar, pois esse espírito de destino do povo judaico tem também em si a ideia de sacrifício e dor, mas sem que os envolvidos no processo não se sintam propriamente felizes. Será por falta de fé? Talvez. Ausência de compromisso? Talvez.
Entre momentos hilariantes, outros gritantes, ambos intercalados com situações em que não sabemos se devemos rir ou chorar à semelhança de “O Deus da Carnificina”, Yasmina Reza põe a nu as fragilidades e insegurança do ser humano e as formas cómicas, atribuladas e tontas de, cada um, à sua maneira, e como pode e sabe, em busca se não da felicidade ao menos de breves momentos em que sinta feliz.
“Felizes os Felizes” é um livro agridoce pejado de frases bem conseguidas que em muitas situações funcionam como aforismos integrados numa moral determinada por cada personagem, demonstrando desse modo a sua capacidade de atingir a felicidade à sua maneira.
Excertos:
"Os objetos acumulam-se e deixam de servir para o que que que seja. Como nós. (...) Tudo o que está sob os nossos olhos já é passado. Não estou triste. As coisas são feitas para desaparecer. Ir-me-ei sem história. Não encontrarão caixão nem ossos. Tudo continuará como sempre. Tudo partirá alegremente pela água." (pp. 55-56)
“Gostaria de sofrer de amor. Na outra noite, no teatro, ouvi esta frase: «A tristeza depois das relações sexuais íntimas, essa é-nos familiar, claro…» Foi no ‘Ah, Os Dias Felizes’ de Beckett. Ah, os dias felizes da tristeza que eu desconheço. Não sonho com uma união, um idílio, não sonho com uma felicidade sentimental mais ou menos durável, não, gostaria de conhecer uma certa forma de tristeza. Adivinho-a. Talvez já a tenha sentido. Uma sensação a meio caminho entre a privação e o coração apertado da infância. Por entre as centenas de corpos que desejo, gostaria de encontrar aquele que tivesse o dom de me ferir. Mesmo de longe, mesmo ausente, mesmo jazendo numa cama, mesmo de costas. Dar com um amante munido de uma lâmina imperceptível capaz de nos arrancar a pele. É essa a assinatura do amor, sei-o através dos livros que lia antigamente, antes de a medicina me ter tomado o tempo.” (p. 57)
"Um casal é a coisa mais impenetrável do mundo. Não conseguimos compreender um casal, nem mesmo quando fazemos parte dele." (p. 97)
“(…) Ser feliz é uma questão de temperamento. Não podes ser feliz no amor se não tiveres um temperamento à felicidade.” (p. 107)
“Sou uma mulher que não gosta de fotografias (nunca tiro), que não gosta de imagens, alegres ou tristes, susceptíveis de revelar uma emoção. As emoções são assustadoras. Gostaria que à medida que a vida avança tudo fosse sendo apagado.” (p. 111)
Texto da autoria de Jorge Navarro
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