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domingo, 4 de maio de 2014

Ao Domingo com... Carlos Campaniço

Uma das grandes virtudes da Literatura é quebrar a rotina dos nossos próprios pensamentos. Levado nesta regeneração, a cada leitura, apaixonei-me. Cada página era um tempo próprio, um modo próprio, um mundo diferente. Sendo uma aldeia no Alentejo tão pequena, o mundo era, afinal, tão grande através dos livros. 
Não há quem escolha pai ou mãe. Do mesmo modo, não escolhi escrever. Não há nada de messiânico, predestinação nenhuma, nenhuma inteligência selectiva. Nada! 
Nem escrevo porque preciso, tão-somente porque gosto. 
Nesse acto sofrível de parir palavras, não dou graças à inspiração, nem sei o que é, pois que em mim mora a inquietação. É ela a transformadora. Dela faz o pensamento reguinhos de letras, histórias de gentes e de povos. Que poderia a inspiração fazer por mim? Contar-me como se beijam os namorados? Grato, sim, à inquietação que me faz denunciar a opressão dos homens, a mingua dos pobres, a tortura das mulheres frágeis ou o trabalho das crianças tenras. 
Não podendo mudar o mundo à força, forço as palavras para que mudem um bocadinho o mundo. Não acredito na Literatura meramente recreativa, pois não tem tempero no sangue. 
À força do meu Alentejo fico devedor, infundindo em mim uma métrica de paixão. Escrevo sobre o Alentejo, donde Safara, minha terra-mãe, é a medida para todas as coisas. Escrevo sobre a província e sobre a aldeia, porque julgo conhecê-las, porque pretendo que as conheçam nos seus diferentes mas sempre fatídicos tempos de opressão campesina. Paradoxalmente, escrevo sobre tempo idos, sobre homens imaginados e remotos, como se estivesse desconfiado que os actuais não são capazes de façanhas ou proezas, capazes de acolher sofrimento ou amores tão medonhos. 
E assim chego aqui, nu perante o leitor. Não disse palavras que não sinta, sem mais maneiras de ver a Literatura: apenas uma força que lavra em mim e que de mim faz escritor.

Carlos Campaniço

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