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sexta-feira, 21 de maio de 2021

A Convidada Escolhe: Margarita e o Mestre

Margarita e o Mestre, Mikail Bulgakov, (1928-1940)

Numa das minhas poucas resoluções para 2021, constava ler um conjunto de livros há muito comprados e ultrapassados na voragem das novas aquisições que acabam sempre por se impor. Na altura, fiz essa lista de livros a resgatar ao esquecimento, que irei ler e intercalar com novidades que entretanto vá adquirindo. 

Nessa lista de livros “esquecidos” na minha estante, “Margarita e o Mestre” de Mikail Bulgakov é considerado a sua obra maior e uma das grandes obras-primas da literatura universal. O livro, que Bulgakov começou a escrever em 1928 e que terminou em 1940, ano da morte do escritor, precisou de 27 anos para poder ser lido pelos leitores russos, tendo sido publicado na revista Moskva, em 1967, numa altura em que as autoridades russas já tinham reabilitado este escritor perseguido e banido da literatura. Tendo escolhido escrever de forma independente, escolhendo os temas e não se submetendo aos cânones impostos pela Associação Russa dos Escritores Proletários, as suas peças teatrais gozavam de grande popularidade junto ao público, mas eram alvo da comissão de censura e dos críticos teatrais, pelo que em 1930 foi totalmente banido das editoras e do teatro. Não podia publicar, mas escreveu sempre. Apaixonado pelo teatro, trabalhou sobretudo como consultor literário, tendo dramatizado “Almas Mortas” de Gogol e “D. Quixote” de Cervantes, duas das referências que nos aparecem em “Margarita e o Mestre”.

Este enquadramento da época em que Bulgakov viveu ajuda-nos a compreender “Margarita e o Mestre”. Aliás, acho que é passível de inúmeras leituras, dada a escrita torrencial, fantástica e a imaginação prodigiosa ao longo de todo o livro, repleto de descrições muito visuais, diria mesmo cénicas. Podemos encontrar três histórias dentro deste livro, separadas mas indissociáveis. O Mestre, que aparece pela primeira vez quase a meio do livro, na instituição psiquiátrica onde se encontra o poeta Ivan, escreveu um livro recusado sobre Pôncio Pilatos e Margarita, a mulher amada que o quer resgatar e provar o seu amor, só aparece mais tarde no livro 2, capítulo 19. A história do Mestre e de Margarita é, quanto a mim, a história de Bulgakov e da sua mulher e da luta das suas vidas pelo reconhecimento e pela sobrevivência num mundo opressivo, que o excluiu assim como os artistas e escritores alvo da censura. Mas antes desta história, temos aquela que vai começar com o poeta Ivan e Mikail Berlioz, editor de uma revista literária e administrador da MASSOLIT, uma das mais importantes associações literárias de Moscovo. Conversam sobre a existência ou não de Jesus, quando são abordados por um “estrangeiro” que lhes vai contar uma história em que Pôncio Pilatos interroga Yeshua Ha-Nozri, condenado à morte, não obstante Pôncio Pilatos querer a sua absolvição. Esta terceira história, que assim se insinua, cria desde logo uma estranheza, até entre Ivan e Berlioz, que se perguntam se tinham mesmo ouvido aquela estranha história, ou se teria sido um sonho. O que é a verdade? O que é a mentira? Esse estrangeiro que vai predizer a morte para breve de Berlioz, o que acontece, é afinal Woland, o Diabo, designado de diferentes formas: turista, estrangeiro, louco, professor de magia negra, criminoso, malfeitor, espião. Woland com a sua comitiva – Behemoth (o gato preto), Azazello, Koroviev e Hella – vão provocar o caos em Moscovo com as suas patifarias, fazendo desaparecer pessoas, criando uma sucessão infindável de acontecimentos estranhos, trazendo ao de cima os males da sociedade onde a corrupção, os favores e a delação imperam. O poeta Ivan, que tentara tudo junto às autoridades policiais para que prendessem aquele perigoso estrangeiro, é internado numa clínica psiquiátrica, diagnosticado de esquizofrenia, por contar a história de Pôncio Pilatos que lhe tinha sido narrada pelo estrangeiro. Margarita, para resgatar o seu amado Mestre, vende a alma ao diabo, transforma-se numa feiticeira que voa sobre Moscovo e vai-se vingar das maldades que fizeram ao Mestre.

Uma história bizarra, com muitas personagens, com imensas cenas algumas até cómicas, uma imaginação prodigiosa, uma sátira, uma alegoria a um tempo e a uma sociedade em que o mal andava à solta, desrespeitando os indivíduos.

 Voltamos ao princípio e à conversa de Ivan e Berlioz, sobre a existência de Jesus, sobre a existência do Bem e do Mal e concluímos que o Bem e o Mal fazem parte da natureza. “Dizes as palavras como se não reconhecesses a existência nem das trevas nem do mal. Mas quererás ter a gentileza de pensar um pouco no seguinte: para que serviria a tua bondade se não houvesse mal e como pareceria a terra se as trevas desaparecessem dela? Afinal, as sombras são projectadas pelos objectos e pelas pessoas. Há a sombra da minha espada. Mas há também as sombras das árvores e das criaturas vivas. Quererias desnudar a terra de todas as árvores e de todos os seres vivos só para satisfazer a tua fantasia de júbilo na luz crua?” (pág. 372).

A epígrafe que abre “Margarita e o Mestre”, extraída do “Fausto” de Goethe, antecipa a dualidade presente na natureza humana: 

“Quem és tu, então?”

“Parte daquela força que eternamente deseja o mal e eternamente cria o bem.”

6 de Maio de 2021 

Almerinda Bento





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