Acabei de ler as crónicas do meu amigo alfarrabista (não alfarrobista) Adelino Pires. Se ele ler este meu pequeno texto, poderá achar abusivo que o trate por amigo. Afinal, só estive com ele uma vez, no passado Agosto, quando a Helena me convidou a conhecer um sítio e uma pessoa, dizendo à partida, que eu ia gostar muito. E acertou. Fui conhecer o alfarrabista mesmo no coração de Torres Novas e descobrir os tesouros que só um espaço com história e com coração conseguem ter. Fora os livros, os quadros, as colagens, a pessoa que dá vida a todo aquele espaço, sai-se dali com vontade de lá voltar, percebendo-se que há ali tanto para descobrir.
Folheio as crónicas e logo fico presa ao prefácio de Fernando Alves, um dos membros do Clube das Pessoas Raras. Na badana, o autor das crónicas elucida-nos que o conteúdo deste seu primeiro livro surgiu no Jornal Torrejano ao longo de 2014 e 2015 e, sem rodeios, sugere uma leitura pausada e com a possibilidade de se ficar a meio ou de se chegar ao fim. Cheguei ao fim e com muito gosto. À medida que lia uma crónica, tinha vontade de passar à seguinte.
O livro tem uma apresentação simples e muito cuidada, direi mesmo muito elegante. Embora as crónicas estejam divididas por três grandes grupos, cada qual iniciado por um poema e por uma ilustração de Alexandra Sirgado, há uma unidade e uma coerência que fazem das crónicas um painel de reflexões e de opiniões de alguém que, com extrema sensibilidade e acutilância não receia ser politicamente incorrecto e definitivamente nada neutro. O abandono dos centros históricos e do pequeno comércio local, o privilegiar do comércio em série nos mega espaços comerciais, a preguiça e a incúria dos governantes ávidos de responder às suas clientelas desbaratando o lado genuíno e específico de cada região, o desprezo pelo potencial que há em cada pessoa… surgem ao longo das crónicas com ironia, com grande domínio da linguagem, com trocadilhos, com jogos de palavras que a nossa língua permite a quem a conhece bem e que com ela sabe lidar. Adelino Pires não esquece os seus escritores e pintores de referência, os meninos e jovens que têm passado pela Livraria d’Outro Tempo e nos quais deposita a esperança dum futuro mais justo. Estou com o amigo alfarrabista quando ele diz “que não há futuro nem sustentabilidade sem o paradigma dos afectos.”
Este é um primeiro livro de Adelino Pires, mas percebe-se que ele tem material para muito mais, deixando-nos na esperança, ao falar do seu avô Adelino que nos anos 30 do século passado foi para Moçambique e lá casou, que isso talvez desse um livro… A última crónica passa-se na maternidade no dia em que a neta Maria Benedita nasceu, mas prolonga-se no capítulo dos Testemunhos, todos eles escritos pelos familiares mais próximos. Um livro que respira amor por todos os poros.
Por fim, a capa é linda ou não tivesse sido escolhido um belíssimo prato ratinho tão comum no Ribatejo e na região de Portalegre de onde Adelino Pires é natural. Para quem já visitou a casa-museu de José Régio, teve a possibilidade de aí encontrar uma colecção incrível daqueles pratos usados pelos trabalhadores beirões que sazonalmente asseguravam a ceifa dos cereais. Também na Livraria d’Outro Tempo, para além de preciosidades livrescas, é possível encontrar pratos ratinhos e outras belíssimas peças de artistas anónimos e de pintores de Torres Novas.
2 de Abril de 2021
Almerinda Bento
Acredito que seja um livro muito interessante de ler.
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Abraço poético
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Estou a ficar fã de livros de crónicas. Obrigada pela escolha.
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