Conhecendo relativamente bem toda a área suburbana de Lisboa, Pedro Vieira apresenta-nos um romance sólido e bastante consistente que agarra o leitor desde as primeiras páginas só conseguindo parar no final da história que, na verdade, já todos sabemos de antemão o que vai aconteceratendendo ao desenlace final e fatal que é apresentado assim que iniciamos a leitura.
Ainda que a história culmine numa tragédia, o livro retrata-nos um conjunto de pequenas tragédias que se vão adensando à medida que a narrativa avança trazendo o autor para este campo toda uma realidade do dia-a-dia que é comum a milhares de portugueses que se deslocam na sua labuta diária em movimentos pendulares casa-trabalho-casa de comboio do concelho de Sintra para Lisboa
Pequenas histórias que aparentemente nada têm de importante ou interessante e nas quais acabamos por nos rever igualmente nessas mesmas pessoas, revendo-nos igualmente nas suas angústias, desafios e dilemas do quotidiano.
“Última Paragem, Massamá” tem o seu epicentro no complexo triângulopseudo-amoroso Vanessa ama Lucas que se apaixona por João e que acabam por se transformar em laços profundamente solidários fruto da desgraça que bateu à porta dos dois primeiros personagens.
Pedro Vieira apresenta-nos uma história contemporânea despida de aspetos menos inverosímeis levando o leitor a encarar o livro como algo que poderia estar a acontecer consigo ou com os seus familiares e amigos, histórias aparentemente banais, mas que adquirem uma tonalidade mais intensa mediante o caráter trágico a elas associadas.
Para quem acompanha o Pedro Vieira nos vários programas de televisão certamente está habituado ao seu sentido de humor peculiar que não é esquecido neste romance de estreia sem, no entanto, cair em excessos ou mesmo no ridículo, bem pelo contrário. O autor apresenta-nos uma história pejada de humanidade e solidariedade numa sociedade que aparentemente se desvia dessas virtudes perante situações mais angustiantes que as pessoas vivem sem muitas vezes transparecerem aos outros, mesmo às pessoas mais próximas.
“Última Paragem, Massamá” é, pois uma surpresa agradável no âmbito da literatura portuguesa dos últimos anos constituindo mesmo uma lufada de ar fresco na forma como a história é narrada.
Excertos:
“Por ora sabemos que Lucas está doente, por culpa própria, Vanessa foi a primeira a apontar-lho. Um dia destes, uma página destas, falar-se-á de João, terceiro vértice deste triângulo, Vanessa não lhe guarda rancor, nem sequer algo que lhe amachuque a disposição.
(…)
Dobrar os joelhos, mexer a língua, coisas que se tiram de letra, se viemos nus ao mundo que mal tem de reforçar a ideia, mostrar o que temos de frágil é que é pior, e encontrar quem nos apare os golpes, isso sim éeuromilhões de orelha, rabo, volta à praça e saída em ombros. Lucas haveria de segurá-la pelos colarinhos da auto-estima. E de pô-la nos eixos da confiança, da casa-trabalho-casa, da necessidade de consolo possível de satisfazer. Depois trataria de partir tudo, baralhar e voltar a dar, irritantemente, sem sair do mesmo sítio. Aì entra João. Mais a doença. Daí sairá Vanessa. Faltam dois minutos e picos, 127 segundos, pouca-terra, pouca-terra, é só o que ela pede. Ou pelo menos que lhe seja leve. Já se veem as pupilas do senhor maquinista, a espiral acaba de começar.” (pp.13-14)
Texto da responsabilidade de Jorge Navarro
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