Um livro vertiginoso, delirante, perturbador, alucinante. Foram os adjectivos que me saíram, mal acabei de ler este livro, cuja leitura foi rápida e viciante. Partindo de um acontecimento que constituiu o mais dramático acidente ferroviário em Portugal – Alcafache, Setembro de 1985 – o autor cria um verdadeiro puzzle de personagens, momentos e situações em torno de Marta, de quem só foi encontrada uma mochila no meio dos destroços daquele terrível acidente.
Marta é uma estudante de Belas Artes, desenhadora à vista. Tudo é motivo para os seus desenhos em cadernos, os seus diários visuais. Esses desenhos podem ser feitos durante uma viagem de metro, numa rua do Intendente, numas férias em Lagos ou na casa de Sofia perto de Grândola, ou a partir da janela do quarto que dá para a Praça de Londres. Em qualquer sítio. E podem aparecer aqui ou ali, fazendo parte duma história maior, contada por um narrador que junta peças, que junta falas, que recorda situações, que traz memórias de episódios ou de vozes. Ele, criança, o irmão mais novo de Marta, que ela nunca desenhava e não deixava entrar no quarto para espreitar os seus desenhos. Ele, agora, passados trinta anos.
Tudo no livro é muito visual e nítido: os desenhos de Marta, as brincadeiras de João (o narrador) com os seus exércitos de índios e generais, os relatos do acidente ferroviário feitos por jornalistas, por bombeiros, por feridos e sobreviventes, o trabalho de Silvana a limpar cada objecto do quarto de Marta, sem esquecer o postal de Detroit. E tem partes hilariantes, bem dispostas, ligando histórias dispersas e desconexas, que me fizeram recordar “A Tia Júlia e o Escrevedor” de Mario Vargas Llosa.
Bem perto do final do livro, o narrador dirige-se ao leitor neste termos: “Querido leitor, prometo-te desde já que esta é a última vez que te interpelo nestes termos. Na verdade, detesto fazê-lo. Porque o faço, então? Para te lembrar que deste lado está um homem doente, e que este livro que seguras nas mãos é apenas uma das muitas manifestações da sua doença. Se ainda guardas alguma expectativa a respeito das páginas que te restam, apelo à tua boa vontade, faz uma de duas coisas: deita fora as expectativas ou deita fora o livro.”
Claro que mantive as expectativas e fui até ao final do livro. A cidade de Detroit tinha aparecido inúmeras vezes ao longo do livro, para além do postal de Detroit que Silvana sempre limpava e colocava no mesmo sítio no quarto de Marta, entre os livros sobre Caravaggio ou Cézanne, as pilhas de cadernos de desenho ou a fotografia da equipa feminina de voleibol de que Marta fazia parte. Foi preciso um estorninho entrar pelo quarto de Marta e atirar uma série de objectos ao chão, entre eles o postal de Detroit, para João o apanhar e finalmente ler o que lá estava escrito.
E mais não digo. Leiam o livro. Leiam-no e saberão quem escreveu aquele postal a Marta.
13 de Março de 2021
Almerinda Bento
Um livro bem curioso! :))
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Vagueio, vou ao encontro da luz
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Beijo, e um excelente dia...
Não conhecia este livro. Obrigada pela sugestão.
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