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sexta-feira, 27 de maio de 2016

A Escolha do Jorge: As Viúvas de Dom Rufia

"As Viúvas de Dom Rufia" é o sucessor das obras aclamadas de Carlos Campaniço, "Os Demónios de Álvaro Cobra" (2013) e "Mal Nascer" (2014), cujo universo continua a decorrer no Alentejo profundo, embora, desta vez, a narrativa decorra nos primeiros anos após a implantação da República.
"As Viúvas de Dom Rufia" é-nos apresentado num estilo mais descontraído, brejeiro por vezes, seguindo em linha com o Firmino, o Dom Rufia, personagem principal, que está decidido a vencer na vida, deixando para trás a vida de trabalho árduo nos campos, de sol a sol, e de miséria, com muito pouco para sobreviver.
Abandonado pelo pai e órfão de mãe, Firmino é criado pelos tios, Maria Teresina e Homero que, desde tenra, revelou-se uma criança com muita energia e dotada de imaginação antevendo-se grandes sarilhos à conta das suas traquinices ao ponto de ser reconhecido como ser reconhecido como um potencial problema em Fernão de Baixo, aldeia onde vivia com a família.
Determinado em enriquecer, contrariando assim uma pobreza que se vivia na região e que estava longe de ser ultrapassada, além da dependência do poder dos senhores detentores das terras, Firmino (ou simplesmente Dom Rufia, a alcunha que lhe foi atribuída na sequência de uma das suas tropelias) parte de terra em terra, no Alentejo, à procura da sua sorte. Aproximando-se de mulheres solteiras, casadas ou viúvas, Firmino não olhava a meios para alcançar o seu grande objetivo. Com uma grande lábia e dois palmos de testa, não houve menina ou senhora madura que resistisse aos seus galanteios. Passou por Moura, Alvito, Almodôvar, Beja, Viana do Alentejo e outras tantas localidades em busca de riqueza, mas acabando por vingar como o perfeito pinga-amor. De terra em terra, semeou amores, colheu paixões e a todas amou este Dom Rufia!
Fez-se passar por ourives, médico, advogado e até diplomata! Tal era a conversa de Dom Rufia que o fez inventar um novo personagem a cada mulher que conhecia numa nova localidade! A todas mentia, a todas regressava! A todas amava e todas o amavam! Foi verdadeiro uma única vez. Foi com Mariana a quem contou toda a verdade porque o peso de todas as mentiras já era maior do que ele. Embeiçou-se de tal forma por Mariana ao ponto de se condoer com a sua pobreza ser ainda maior do que a dele, devolvendo-lhe, na medida do possível, uma vida mais condigna. "Confessou que vivia para enriquecer, que buscava viúva, solteira, encalhada, jovem com bens, qualquer uma que o salvasse da pobreza." (p. 225)
A par de Firmino, destaca-se igualmente um personagem peculiar, errante, oriundo do Chile, conhecido por Juan de los Fenómenos, que "levava a sua única vida a desembrulhar enigmas (p. 135), "um investigador do comportamento da Metafísica e da ordem da Criação" (p. 246) ou simplesmente era tido como "uma espécie de filósofo com fé" (p. 249). Juan de los Fenómenos interessava-se por todas as situações curiosas cuja explicação não existe na razão, como por exemplo a criança que muda a cor dos olhos consoante a estação do ano, o indivíduo com unhas cujas propriedades eram milagrosas curando todos os males ou a idosa que adivinha o que as pessoas tinham comido. A par destes casos que Juan de los Fenómenos ia conhecendo aqui e acolá pelo Alentejo profundo, deparou-se também com um dado indivíduo, multifacetado, com o dom da ubiquidade, vestindo uma identidade diferente em cada localidade por onde passava.
Os capítulos dedicados a Juan de los Fenómenos intercalados com a história de Dom Rufia correspondem, de certa forma, à herança mais remota, aos ecos de "Os Demónios de Álvaro Cobra" que não procuravam explicações para estranhos fenómenos e acontecimentos com o herói da história.
De terra em terra, de peripécia em peripécia, Dom Rufia vai divertindo o leitor com as suas muitas vidas, muitas histórias e mentiras incontáveis. Dom Rufia constrói um mar de ilusões a cada dia que passa, aproximando-se do inevitável precipício.
Fica a advertência de Homero, o tio de Dom Rufia: "Há mentiras que se tornam tão caras que nem a verdade do dinheiro por vezes as salva." (p. 244)

Excerto:
"Mas a verdade, senhores e senhoras, é que ele nasceu e cresceu nesta família humilde, que não teve hipóteses de lhe dar outra vida. Nunca aceitou tal condição. Jurou não se deixar escravizar pelos donos destes campos, que obrigam um homem a trabalhar de sol a sol para ganhar o que mal dá para pagar um pão. Ideias que ninguém lhe meteu na razão. Ele as descobriu, ele as defendia. Ajudou-o a natureza, que lhe pôs muita imaginação na cabeça. O resultado disso foi querer tornar-se um homem rico. Era esse o lugar que havia escolhido para si, sem deixar que fosse o destino a escolhê-lo." (pp. 256-257)

Texto da autoria de Jorge Navarro

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