"O Rei do Monte Brasil" foi em 2013 o livro vencedor do Prémio Literário de Novela e Romance Urbano Tavares Rodrigues, instituído pela FENPROF a obras literárias escritas por docentes e investigadores/as. Desta vez, foi Ana Cristina Silva, docente do ISPA e autora de diversas obras literárias a galardoada com este prémio.
A obra situa-se no final do século XIX, início do século XX e tem como figuras centrais Gungunhana e Mouzinho de Albuquerque. É uma obra com interesse histórico, pois leva-nos ao período da primeira guerra colonial, quando os portugueses quiseram impor a sua soberania e domínio sobre os povos colonizados, neste caso, do sul de Moçambique, o reino dos Vátuas governado por Gungunhana. Mouzinho de Albuquerque foi o oficial ao serviço do rei D. Carlos I que o capturou e levou prisioneiro para Lisboa e posteriormente para a ilha Terceira.
O início do romance leva-nos a Angra onde Gungunhana é surpreendido com a notícia do suicídio de Mouzinho, no início de Janeiro de 1902. O feroz e vitorioso Mouzinho de Albuquerque era afinal um ser vulnerável e frágil que não tinha tido a coragem de lidar com a sua decadência e queda após um período de ascensão e glória! Mouzinho que nutrira a convicção da superioridade dos brancos sobre os pretos que considerava inferiores, ferozes e mais próximos da condição de animais!
Afinal, eram maiores as semelhanças do que as diferenças entre as duas personagens, ambas despóticas e sem hesitações quando tiveram todo o poder nas mãos.
Gungunhana é uma personagem complexa que viveu a sua condição de chefe máximo de um reino, exercendo o poder de forma ambígua nos seus relacionamentos com os portugueses emissários do rei D. Carlos e os ingleses súbditos da rainha Vitória; eloquente e ardiloso, dominando os seus súbditos pelo terror e o arbítrio; desregrado e insaciável nas suas ambições sem limites. A sua vulnerabilidade revelou-se aquando da morte de uma das mulheres e de um dos filhos. Mais tarde, já longe de África, vivendo a condição já não de rei de Gaza, mas de rei do Monte Brasil na Terceira, onde se embrenhava para caçar coelhos e fugir dum mundo que lhe era estranho. Agora, Gungunhana não passava de uma sombra ou de personagem exótica para ser observada por jornalistas, senhoras da sociedade ou pela população. Aliás, Gungunhana apercebera-se, na hora da sua captura, que era um homem só, abandonado e desprezado pelo seu povo que não lhe tinha amor, mas sim medo.
Acompanhamos neste romance as últimas horas da vida de Mouzinho de Albuquerque, que havia tido as maiores honrarias e reconhecimento até a nível internacional, pelos seus feitos e bravura em África. Mas, com a queda da sua popularidade e importância na corte, Mouzinho decidiu pôr cobro ao sofrimento, suicidando-se. Ele acha que fez o melhor pelo seu país e que Portugal lhe virou as costas, não vê préstimo em continuar a viver, mas não quer que o seu suicídio seja visto como cobardia ou acto de loucura. É firme a sua intenção de pôr termo à vida, mas ao acompanharmos as suas últimas horas de vida, como se de um filme se tratasse, vamos percorrendo as ruas da baixa lisboeta como pano de fundo e o/a leitor/a é convidado/a a acompanhar os pensamentos, os sentimentos, as dúvidas e as contradições de quem sempre teve uma imagem de firmeza e segurança e cujo acto poderá ser entendido como fraqueza e cobardia. São as figuras omnipresentes da mulher, da rainha D. Amélia por quem nutre uma paixão platónica e do rei D. Carlos que o acompanham em pensamento antes do tresloucado acto tão bem retratado nalgumas das páginas deste interessante romance que aborda estes heróis da nossa história como pessoas de carne e osso e não apenas como personagens de quem apenas conhecíamos pelo nome e pouco mais.
Almerinda Bento
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