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domingo, 11 de março de 2012
Ao Domingo com... António Coimbra
«Havia algo de misterioso no ar e, sem perceber muito bem como, começou a sentir um estranho e mágico cheiro a… terra! Era um espantoso cheiro que parecia dilatar-lhe as narinas e alojar-se no coração de forma definitiva! Por mais estranho que possa parecer, aquela terra vermelha cheirava realmente a África! Como era esse cheiro? É fácil encontrá-lo, ainda hoje, no coração do Tonito do Paço!»
"Este pequeno trecho foi extraído do meu livro ANGOLA – O Horizonte Perdido, editado em Novembro passado pela Papiro e que hoje, com muito gosto, venho compartilhar convosco neste cantinho tão acolhedor.
Chamo-me António Coimbra e nasci a 14 de Fevereiro de 1951 em Molelos, uma típica aldeia da Beira Alta, hoje integrada na cidade de Tondela em pleno Vale de Besteiros e sobejamente conhecida como a terra da loiça preta. Com apenas 11 anos comecei a trabalhar numa fábrica de serração e aos 15 parti para Angola em busca de melhores condições de vida que consegui encontrar na cidade do Lobito, onde passei parte da juventude como trabalhador/estudante. Fui funcionário do CFB e o 25 de Abril “apanhou-me” a cumprir o serviço militar obrigatório na EAMA. Regressei a Portugal a 11 de Setembro de 1975, envolvido no turbilhão da “exemplar” descolonização e fixei-me em Braga, onde resido.
Desde muito cedo que a leitura fez parte da minha vida e quando aos 21 anos fui cumprir o serviço militar obrigatório tinha uma biblioteca particular de 608 livros… todos lidos! Aos 17 anos já tinha lido Sartre e a Bíblia, imaginem! O curioso é que nos romances que fui devorando, raramente me via no papel dos personagens, mas sim, e quase sempre, no papel de escritor… e pronto, aqui está o meu livro que um determinado número de circunstâncias me “obrigou” a escrever, quando a roda da vida gira já nos 60 graus, perdão, 60 anos.
Certamente que será lícito perguntar, porquê só agora, mas a afincada luta que tive de travar para atingir um nível de vida consentâneo com as minhas justas aspirações a isso levou, já que, numa primeira fase, a luta que, tive de travar para conseguir sobreviver ao tão depreciativo termo “retornado”, que nunca aceitei como explico no livro, aliada às tremendas dificuldades com que deparei para me afirmar no precário mundo do trabalho que vim encontrar em Portugal, levaram-me a retardar um desejo, sempre crescente, de escrever, tanto mais que os anos iam passando e eu sentia que a história da descolonização estava pouco e muito mal contada.
Para não se fazerem conjecturas erradas, quero deixar bem claro que nunca fui, não sou, nem jamais serei contra a descolonização de Angola, agora também quero que fique bem expresso que fui, sou e serei sempre contra a forma como ela foi feita.
Mas nem só de Angola e da sua descolonização trata este romance que, embora relate cenas reais vividas por mim, tanto na infância, como durante a guerra civil angolana, está bastante ficcionado e diversificado, pois alia situações cruéis e bem reais a outras bastante caricatas, não faltando algumas apimentadas cenas eróticas.
Assim, os leitores poderão encontrar um retrato muito fiel da vivência dos finais dos anos cinquenta, princípios de sessenta em que as condições de vida nas aldeias, sobretudo no interior do país, atingiam graus de dificuldade que raiavam o incrível. O Tonito do Paço cresceu nesse mundo de quase pobreza e se exponho esse mundo adverso aos leitores é, tão-somente, porque pretendo deixar às novas gerações uma mensagem de esperança para o seu futuro, já que é sempre possível sonhar com um mundo melhor, ainda que as adversidades sejam grandes.
Toda a história é narrada durante o voo de regresso a Portugal e o personagem principal, começa por levar o leitor até à sua meninice, vivida no mundo rural de Molelos, para depois lhe dar a conhecer a bela cidade do Lobito, no litoral-centro de Angola, onde se fixou e viveu os deliciosos anos da juventude, até que, mal saído de uma controlada guerra colonial, teve que enfrentar uma terrífica guerra fratricida, na qual se viu envolvido, sem nada fazer por isso. A partir de 12 de Agosto de 1975 e de forma cronológica, o leitor é introduzido no meio de um conflito brutal onde a vida humana é desprezada até ao limite da nossa compreensão, mas onde, e apesar de tudo, o amor ainda era possível e saiu triunfante.
Ao introduzir alguns diálogos e descrições, por vezes picantes, apenas pretendo evidenciar algumas realidades da vida, com especial incidência na vivência dos fabulosos anos sessenta em que imperava o espírito “paz e amor” que a minha geração “bebeu” de maneira despreocupada e assaz gulosa e que, em certa medida, podemos encontrar na forma como o Tony viveu a sua juventude no Lobito.
Neste contexto, as personagens femininas surgem com frequência e se podemos encontrar toda a inocência das primeiras relações sexuais na Flávia, o mesmo não podemos dizer da Solange que, no acto sexual, representa a própria Angola que não se deixa possuir, mas possui quem por lá passa, marcando essa passagem de tal maneira que as costas do Tony, dilaceradas pelas unhas da Solange, não são mais do que as marcas do sofrimento de quem foi obrigado a partir. Já na Catarina podemos encontrar a parte adormecida África profunda, dócil, meiga e submissa, mas que vai despertando e descobrindo uma outra forma de estar no Mundo, assumindo, por vezes, iniciativas inimagináveis. Pelo meio fica a Márcia que simboliza o português europeu que conquista de forma possessiva, mas também se deixa conquistar e possuir, entregando-se de alma e coração a uma terra que chama sua, mesmo sabendo ser pertença de outrem.
Quando os ventos da guerra civil angolana sopraram com mais violência e o abandono a que os portugueses foram votados pelo seu governo se tornou mais evidente, o Tony, como tantos outros, viu-se obrigado a abandonar uma terra que tanto amava, que tinha adoptado como sua e que havia constituído o maior sonho da sua vida, regressando à sua aldeia, onde, apesar de todas as vicissitudes por que passou, chegaria reconciliado com Deus e com o Mundo, mas onde não tencionava ficar;
«Estranhamente agora, e como naquele fim de tarde da despedida, também me sentia angustiado, mas não pela perspectiva de partir… mas de ficar! Incapaz de me conter, voltei a sentar-me no lugar onde em criança vi a minha avó Maria desfiar rosário atrás de rosário em louvor de Nossa Senhora e, metendo a cabeça entre as mãos, comecei a chorar copiosamente! O pio de uma coruja rasgou o silêncio da noite e despertou-me daquele momento de fraqueza que me aliviou o espírito, mas realçou o cansaço do corpo que reclamava descanso. Enxuguei as últimas lágrimas e lancei um prolongado olhar que abarcou toda a aldeia que, apesar de tudo, seria sempre a minha aldeia. Contudo, quando me enfiei debaixo das cobertas de farrapos, tinha perfeita consciência que aquele já não era o meu mundo, a minha vida já não passava por ali porque, bem lá no fundo do meu íntimo, sentia que jamais reaprenderia a andar descalço!»
Centralizado na personagem do Tonito do Paço, que um dia se viu obrigado a regressar à sua terra natal, vergado ao peso de uma descolonização feita de forma vergonhosa e irresponsável por gente sem escrúpulos que transformaram em tragédia a vida de milhares de portugueses, este romance pretende abranger e homenagear todos aqueles que labutavam no então ultramar português e que, de um dia para outro, descobriram que tinham sido cobardemente traídos e abandonados à sua sorte."
António Coimbra
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Cris
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