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terça-feira, 21 de maio de 2013

A Convidada Escolhe... "Cenas da Vida de Aldeia"


“Cenas da Vida de Aldeia” não tem o formato clássico de um romance; é antes um conjunto de episódios da vida de várias pessoas, habitantes de Tel Ilan, cujas existências se cruzam ao longo dos respectivos quotidianos. A escrita, despojada mas irrepreensível, de Amos Oz traduz em palavras alguns momentos e pedacinhos das vidas dos personagens, quase como se fossem instantâneos fotográficos ou pequenos filmes. Estes são desconcertantes, inquietantes, sendo alguns até algo surrealistas, como se estivéssemos perante uma realidade alternativa. É-nos dado a conhecer um pouco das circunstâncias da vida dos personagens mas as suas histórias não têm um verdadeiro fim. Ficam como que suspensas, congeladas, como um filme que encravou numa cena; ficam num impasse. A última história, da qual esperávamos obter pelo menos algumas respostas, em nada nos ajuda. Pelo contrário, descreve-nos um cenário terrivel e desolador de um local onde é impossível viver com dignidade.

Gostei muito deste livro, não só pelas histórias invulgares que nos oferece, mas também porque me parece que se presta a uma outra leitura: poderá entender-se como uma grande metáfora descrevendo o impasse terrível a que chegou o conflito entre Israel e a Palestina; um confronto para o qual não parece haver fim à vista e daí as histórias inacabadas. Por outro lado, o horror da realidade descrita no último conto é como que uma antevisão do que poderá acontecer àqueles territórios, caso israelitas e palestinianos não consigam encontrar uma solução para viverem lado a lado de forma pacífica. Claro que esta é apenas uma interpretação muito pessoal e, como tal, passível de ser discutida e criticada. Nada sei das reais intenções do autor quanto a esta questão.


“ (…) De vez em quando preciso de um bocado de chocolate, a fim de mitigar um pouco a escuridão da vida, e ela esconde-me o chocolate como se seu fosse um ladrão, acrescentou tristemente, na terceira pessoa, como se Raquel não estivesse ali. Não percebe nada. Pensa que é gulodice. Não e não! Preciso de chocolate porque o corpo deixou de fabricar doçura. (…)”

“ Que bela melodia! É comovente! disse o velho. Recorda-nos o temo em que ainda existia alguma afeição entre os homens. Mas hoje não tem sentido tocar coisas dessas, é anacrónico, as pessoas estão-se completamente nas tintas. Acabou-se. Os corações estão selados. Os sentimentos mortos. As pessoas só se dirigem aos outros por interesse egoísta. O que resta? Se calhar resta apenas essa melodia melancólica, uma espécie de testemunho da desolação dos corações.”

Renata Carvalho





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