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domingo, 12 de maio de 2013

Ao Domingo com... Beatriz Gil


Se alguma coisa de verdadeira se pode dizer acerca do individuo que reside dentro de nós, suspeito que se resuma áquilo que se olha com os olhos de quem, por mais vidas que viva, por mais palavras que use, sempre corre atrás de um conceito que na realidade, para quem observa de fora, não existe. Isto para tentar de alguma forma dizer que o auto-conceito é, na maior parte dos dias, de caracter altamente tendencioso. Partindo deste pressuposto, agora que estamos na mesma página e concordamos com este facto, talvez seja capaz de despir a capa do pudor para atentar na tarefa perto de impossível de colocar em palavras aquilo que me explode dentro do peito.

Se soubesse quem sou ou para o que venho talvez fosse capaz de colocar em pré-reforma as letras, os cadernos, as esferográficas e tudo mais que me escorre dos olhos quando escrevo. Escrevo para saber quem sou e, mais que isso, para que ao longo da descoberta o peso não se torne tão pesado que julgue não ser capaz de o suportar, e sucumba á tentação de definhar devagar num sítio de onde de mim só se veja a carne, os ossos e a pele. É aqui que reside a necessidade de escrever: usar de um código natural para me certificar que sou mais que isso, que embora possa definhar – e definho – não é a carnificina orgânica que fará as hostes da minha existência, mas antes a natureza emocional que comove e estremece, como a terra debaixo dos pés que abala o sentido para lá do que é lógico: amor, dias de sol, o cheiro de um café acabado de tirar, os primeiros acordes de uma guitarra que chora, o silêncio ensurdecedor, o sorriso de um rosto que não se conhece, e outras (des)noções que coloquem o mundo em pausa, só para que a vida possa acontecer. O processo de escrita é isto mesmo: uma necessidade básica e visceral, a secreta esperança de que outros como eu existam por aí - a descansar à sombra de um chaparro, no trânsito a sonhar com uma outra vida qualquer, a desistir de tudo para que não desistam deles próprios – que se revejam naquilo que tenho para dizer, e façam das minhas as suas palavras e as reformulem para que num ou outro dia, isto tudo afinal faça algum sentido.

Beatriz Gil

1 comentário:

  1. Só por esta pequena "amostra" da autora já fico de olho na sua obra!
    Beijo
    Teresa Carvalho

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