Foto de Mário Pires |
Na minha vida escrevi dois livros e alguns contos. Não tenho portanto aquilo a que se possa chamar uma 'obra', até porque o primeiro é um romance que escrevi por iniciativa própria e o segundo um testemunho humorístico que escrevi em resposta a um convite. Mas, entre um e outro, produziu-se em mim uma mudança profunda na forma de encarar a escrita: passei a ser escritora. Não no sentido de estatuto, mas no sentido de me definir interior e exteriormente como tal, de encarar a escrita como sendo, de longe, a actividade mais importante da minha vida.
Demorei muitos anos a ter coragem para tentar escrever, porque sentia que ainda não tinha encontrado a minha identidade, aquela característica única que distinguisse os meus livros dos de qualquer outro escritor.
Talvez devido aos meus antecedentes teatrais, sempre fui muito rápida a apanhar tiques, estilos, sotaques de outras pessoas. Com a escrita era o mesmo: se estivesse a ler Saramago, saía-me um tipo-Saramago; idem com Lobo Antunes, com José Cardoso Pires, com Diniz Machado, com Mário de Carvalho, com Eça de Queiroz... Sim, estes são dos meus autores portugueses preferidos. Só quando consegui 'esquecer-me' deles e escrever sem pensar em mais ninguém descobri a minha voz.
E agora fico imensamente feliz quando alguém observa que detectou na minha escrita laivos de algum deles - porque sei que são laivos, são tributos, e não um pastiche.
De resto, não tenho o problema de muitos ecritores para quem a escrita é uma experiência dolorosa. Escrever dá-me um prazer profundo, quase sexual, quase um transe. Saio sempre dele exausta e feliz. Só tenho pena de não ter mais tempo - por enquanto - para me dedicar à escrita. E nunca, mas nunca cessa de me surpreender que um prazer tão intenso, tão íntimo e tão meu dê prazer a outras pessoas. É um privilégio.
Ana Saragoça
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