Gosta deste blog? Então siga-me...

Também estamos no Facebook e Twitter

sexta-feira, 28 de julho de 2023

A Convidada Escolhe: "Silêncio da Casa do Barulho"


 Silêncio na Casa do Barulho, Margarida Carpinteiro, 1986

Este é um daqueles livros “fininhos” que acabam às vezes por ficar espalmados no meio de outros mais volumosos e demasiado tempo esquecidos sem serem lidos. “Silêncio na Casa do Barulho” é o terceiro livro desta escritora, que é mais conhecida do público pelo seu trabalho como actriz de teatro e de televisão. Para mim, este é o primeiro livro que leio de Margarida Carpinteiro. 

Lisboa do início dos anos 50 do século passado, pela referência ao enterro do general Óscar Carmona. A Lisboa operária, um bairro de gente pobre, de gente que trabalha. Sente-se que as pessoas são tristes; são felizes quando sonham (Licas e Sanefa). Para os mais pobres há a “sopa do Sidónio” cujo nome resistiu e se manteve durante o tempo de Salazar. As fábricas que se construíram – a dos Tabacos e a das Armas – atraíram à cidade homens, que até então nunca tinham calçado sapatos. Cheira a pobreza. As mulheres têm muitos filhos, trabalham sem descanso, fazem a comida, abortam, as bofetadas e os sopapos são a linguagem com os filhos quando fazem alguma coisa mal feita. Os miúdos fazem gazeta na escola e sabem que a fábrica é o castigo certo para quem não consegue ter sucesso na escola. “Pensas que és fina como a de cá de baixo?” (pág. 38) E quando o marido da Adelina Padeira é preso depois da greve na fábrica dos Tabacos, “as crianças compreenderam que as pessoas grandes também apanham quando não obedecem” (pág. 57). 

Os casamentos e os funerais são os momentos sociais que quebram o cinzento dos dias, para além das histórias que se contam à soleira da porta nas noites quentes de Verão. A PIDE é uma ave negra poisada num carro preto. Como a PIDE, a Igreja também vigia e pune quando o rebanho se tresmalha. A farsa das eleições é montada e o cenário é feito de homens de escuro, tristes, que deitam “um papel branco e dobradinho dentro de uma caixa de madeira” (pág. 90). E “porque não estava lá nenhuma mulher?”… “ficaram a fazer o almoço.” (pág. 91). 

Um livro muito bem escrito, muito visual, embora muitas vezes a autora faça uso de uma técnica narrativa não explícita que implica uma maior atenção e reflexão por parte do/a leitora/a. Além disso, é muito marcado pela oralidade; faltam as vírgulas que são dispensáveis.

Tenho de verificar se não terei mais nenhum livro “delgadinho” de Margarida Carpinteiro escondido no meio de dois livros de lombada gorda e anafada.

18 de Julho de 2023 

Almerinda Bento


1 comentário:

  1. Já tinha lido/ouvido opiniões muito positivas relativamente à escrita da autora, mas nunca li nada dela. Este livro parece enquadrar-se nos meus gostos literários.

    ResponderEliminar