Este é um daqueles livros “fininhos” que acabam às vezes por ficar espalmados no meio de outros mais volumosos e demasiado tempo esquecidos sem serem lidos. “Silêncio na Casa do Barulho” é o terceiro livro desta escritora, que é mais conhecida do público pelo seu trabalho como actriz de teatro e de televisão. Para mim, este é o primeiro livro que leio de Margarida Carpinteiro.
Lisboa do início dos anos 50 do século passado, pela referência ao enterro do general Óscar Carmona. A Lisboa operária, um bairro de gente pobre, de gente que trabalha. Sente-se que as pessoas são tristes; são felizes quando sonham (Licas e Sanefa). Para os mais pobres há a “sopa do Sidónio” cujo nome resistiu e se manteve durante o tempo de Salazar. As fábricas que se construíram – a dos Tabacos e a das Armas – atraíram à cidade homens, que até então nunca tinham calçado sapatos. Cheira a pobreza. As mulheres têm muitos filhos, trabalham sem descanso, fazem a comida, abortam, as bofetadas e os sopapos são a linguagem com os filhos quando fazem alguma coisa mal feita. Os miúdos fazem gazeta na escola e sabem que a fábrica é o castigo certo para quem não consegue ter sucesso na escola. “Pensas que és fina como a de cá de baixo?” (pág. 38) E quando o marido da Adelina Padeira é preso depois da greve na fábrica dos Tabacos, “as crianças compreenderam que as pessoas grandes também apanham quando não obedecem” (pág. 57).
Os casamentos e os funerais são os momentos sociais que quebram o cinzento dos dias, para além das histórias que se contam à soleira da porta nas noites quentes de Verão. A PIDE é uma ave negra poisada num carro preto. Como a PIDE, a Igreja também vigia e pune quando o rebanho se tresmalha. A farsa das eleições é montada e o cenário é feito de homens de escuro, tristes, que deitam “um papel branco e dobradinho dentro de uma caixa de madeira” (pág. 90). E “porque não estava lá nenhuma mulher?”… “ficaram a fazer o almoço.” (pág. 91).
Um livro muito bem escrito, muito visual, embora muitas vezes a autora faça uso de uma técnica narrativa não explícita que implica uma maior atenção e reflexão por parte do/a leitora/a. Além disso, é muito marcado pela oralidade; faltam as vírgulas que são dispensáveis.
Tenho de verificar se não terei mais nenhum livro “delgadinho” de Margarida Carpinteiro escondido no meio de dois livros de lombada gorda e anafada.
18 de Julho de 2023
Almerinda Bento
Já tinha lido/ouvido opiniões muito positivas relativamente à escrita da autora, mas nunca li nada dela. Este livro parece enquadrar-se nos meus gostos literários.
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