Brel”, Nuno Costa Santos, 2023
Uma verdadeira revelação este livro. Chegada à Horta, na ilha do Faial, a caminho da marina, encontrei na montra da loja que fica ao lado do Café Sport Peter este livro, acabado de ser publicado. Não só porque era o primeiro dia de um passeio que iria incluir cinco ilhas do arquipélago dos Açores, mas porque sou da geração que ouviu e conhecia muitas das canções de Jacques Brel, aquele livro era irresistível. Comecei a lê-lo logo no primeiro dia da viagem e terminei-o dias depois já na ilha das Flores e com a intenção de o reler no continente a ouvir os poemas de Brel com alguns versos traduzidos ao longo da narrativa.
Há uma grande ternura na escrita desta história de um homem com um talento gigante, que um dia decidiu cortar radicalmente com uma vida pública em que os holofotes e a fama estavam no auge. Tal como uma relação que termina e em que as pessoas se afastam, a sua relação de amor com o público terminou, tendo o palco e os aplausos sido substituídos pelo mar. Brel foi “um homem de instintos e decisões inequívocas” (pág.33), alguém que não aceitava sentimentos pela metade, que “viveu do modo que quis, como quis, com quem quis.” (pág.143). Uma personagem complexa, impossível de ser caracterizada ou catalogada.
Esta “viagem com Jacques Brel”, como surge no título do livro de Nuno Costa Santos, é uma biografia de Brel, em que as vidas do biografado e do biógrafo se entrelaçam, se cruzam, tanto mais que “o ímpeto da comparação é inevitável” (pág.25). O narrador, logo no início da narrativa mostra a sua intenção de querer partir como um marinheiro, acompanhar Brel na sua viagem por mar até às ilhas Marquesas, onde se encontra sepultado Paul Gauguin. Estabelece diálogos e semelhanças com o poeta, fala das suas mágoas por ser um pai distante e ausente, mostra o desconforto quando vivendo no continente se sentia como um emigrante.
A estrutura desta “viagem” segue um roteiro com capítulos curtos em que as vidas de Brel e do narrador vão surgindo. Os títulos dos capítulos são como que o guião dessa viagem com algumas personagens decisivas. Sérgio Paixão, açoriano e autor do blogue “O Canto de Brel” é decisivo na construção desta biografia, pelo profundo conhecimento da obra de Brel e da passagem do poeta pela ilha do Faial no ano de 1974. De entre tantas mulheres e homens que passaram pela vida de Brel, uma referência especial a Jojo, o maior amigo e confidente de Brel, “o homem da sua vida”(págAlmerinda Bento. 93) e Delphine, a prostituta que “desconhecia que Jacques era o artista que actuava para plateias cheias de fãs à procura nas suas canções de um aconchego para as suas mazelas sentimentais.” (pág.62). O dr. Decq Mota, uma das amizades desinteressadas mas verdadeiras, que o tratou no curto período em que Brel passou pela ilha. Dinarte Branco, o actor que aceitou sem hesitação o convite para fazer o papel de Brel numa apresentação no Teatro Micaelense, o pescador Genuíno Madruga e o mestre na arte de scrimshaw Othan Rosa da Silveira.
O último capítulo “Estrelas Inacessíveis” é uma reflexão sobre o valor da amizade. Aquelas amizades que ocorreram num período tão curto da vida de Brel nos poucos dias em que ele esteve na ilha do Faial, foram momentos, acontecimentos, não planeados, desinteressados, afinal o que de melhor há num mundo tantas vezes dominado pela superficialidade das relações movidas por interesses não genuínos.
Um livro maravilhoso que irei sempre associar a Brel, à energia das suas canções e à maravilhosa viagem que fiz ao arquipélago açoriano. Depois de ter visitado a ilha do Faial e a região onde ocorreu a erupção do vulcão dos Capelinhos, torna-se inesquecível o diálogo imaginário entre os Capelinhos e Brel, dois vulcões em repouso.
24 de Junho de 2023
Almerinda Bento
Levo a sugestão 👏😘👏
ResponderEliminarNão conhecia o livro, nem a passagem de Brel pelo Faial. Do cantor conheço uma ou outra música. Parece ser uma boa leitura.
ResponderEliminarAconselho vivamente. É um livro muito poético e bem escrito.
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