Gosta deste blog? Então siga-me...

Também estamos no Facebook e Twitter

domingo, 25 de outubro de 2020

Ao Domingo com... Iris Bravo


Ser médica e trabalhar em Infertilidade é muito bom. Já o faço exclusivamente há dez anos e continuo a deleitar-me com a sensação maravilhosa de fazer uma ecografia, espreitar para dentro do útero da paciente que teve um teste de gravidez positivo e encontrar o tão desejado embrião. Um pequeno ser com um coração minúsculo a bater, que aparece como um ponto preto e branco a piscar no ecrã.
Durante alguns segundos, os estritamente necessários para confirmar que está tudo bem antes de o anunciar ao casal, estamos só os dois, eu e aquele embrião tão especial. Sou a única que sei que ele está ali, uma nova vida, a crescer e a prosperar. Uma vida para a qual eu também contribuí, ao longo de consultas e ecografias, ao retirar óvulos e quando o coloquei dentro daquele útero. Saber que aquele embrião também é um bocadinho meu, faz-me regozijar, sentir-me orgulhosa e muito grata pela minha profissão.

Como o casal está sempre ansioso por saber notícias boas e não os quero fazer sofrer, sou muito rápida a dar-lhes os parabéns e a virar o ecrã na sua direção, para que eles também apreciem toda a extraordinária beleza que existe na forma de feijãozinho de um embrião com dez milímetros.

É nesse momento que eles se libertam e se descompõem, um descompor bom, de alívio, abraços e felicidade, com risos e lágrimas que nos contagiam. É um momento muito emocionante e que calculo que nunca vá perder a magia.

Lembro-me perfeitamente da reação do meu primeiro diretor, na altura com mais de quarenta anos de carreira em procriação medicamente assistida, quando estava ao meu lado no momento em que se ouviam as batidas rápidas de um coração, de olhos brilhantes e um sorriso rasgado na direção dos futuros pais.

- Ena! Que espetáculo! Este vosso embrião quer apanhar o comboio!

Se o meu diretor se emocionava assim ao fim de quarenta anos, eu também tenho o direito de me sentir de coração cheio e ficar com os olhos húmidos ao fim de dez...

Trabalhar em Infertilidade também é mau. Porque apesar de conseguirmos ajudar muitas mulheres e muitos casais, não conseguimos ajudar todos, nem o iremos conseguir num futuro próximo. E isso é extremamente frustrante.

Custa muito acompanhar um casal, ao longo de vários anos e dos três tratamentos de fertilização in vitro a que têm direito no sistema nacional de saúde, e depois do último teste de gravidez negativo, dizer-lhes que a sua luta connosco chegou ao fim.

É injusto que as outras tenham engravidado e aquela mulher não, que também fez as mesmas inúmeras injeções, ecografias, anestesias, cirurgias, análises ao sangue e outros procedimentos que considerámos necessários, que lhe propusemos e ela aceitou, cheia de esperança e confiança em nós.

Chegámos ao fim da linha, mas ela continua ali à minha frente, a querer um bebé para dar colo exatamente como no dia da primeira consulta, só que eu não tenho mais nada para lhe oferecer.

Foi a pensar que gostaria de fazer algo mais por estas mulheres que comecei a escrever A Terceira Índia. Fiz do insucesso o ponto de partida e tentei que a Sofia fosse uma heroína que as representasse. Uma espécie de homenagem a todas as pacientes a quem dei alta, pela sua coragem numa batalha em que não conseguiram o tão desejada prémio, depois de uma luta que é dura, na maioria das vezes anónima e sobre a qual as pessoas não envolvidas pouco sabem.

“A Verdade é que me doía. ” A Terceira Índia começa com o sofrimento da Sofia e a sua luta por uma gravidez, algo natural e simples de alcançar para a maioria das mulheres, mas não para si. Como muitas das minhas doentes, ela deseja intensamente ter uma família e está disposta a tudo para a conseguir, mas a sua quinta Fertilização in Vitro é cancelada porque o seu ovário não respondeu, uma situação em que se deve assumir que o melhor é desistir.

Ela tinha um casamento de sonho, que se desgastou com a sua infertilidade, um aborto e múltiplos tratamentos que não resultaram. Estes revezes transformam-na numa mulher obcecada em engravidar, que acabou por se afastar do marido, não só pela sua atitude melancólica, mas também porque ele não aceita que façam tratamentos com óvulos de outra mulher e ela não o perdoa por isso.

Depois de descobrir que o marido a traiu, a história ganhou asas e vida própria. Talvez para redimir a “minha” Medicina que ainda não tem resposta para tudo, imaginei que todas essas tragédias precisavam de acontecer, porque de outra forma ela continuaria a sua vida quase perfeita e não alteraria a sua trajetória, e ela estava destinada a ir para outros lugares, conhecer outras pessoas e realizar ações que não aconteceriam se tivesse engravidado.

Rendi-me ao sincrodestino, essa ideia romântica de que os destinos dos seres humanos estão todos ligados e a acontecer ao mesmo tempo. Num determinado momento e com determinados personagens pode parecer que está tudo a correr mal, mas é apenas porque vemos um pedaço que faz parte de um plano maior, só visível à posteriori e quando todos os intervenientes se tiverem cruzado, para que um bem maior seja alcançado.

Se por um lado procurei chamar à atenção para o sofrimento das mulheres com infertilidade, uma causa muito querida para mim, por outro, de uma forma um pouco egoísta, também perdoei as limitações da Procriação Medicamente Assistida, que na minha história, acabaram por contribuir para que o mundo se tornasse num lugar um pouco melhor.

E como diz a Sofia e eu também acredito, “é nas pequenas coisas que se muda o mundo".

Iris Bravo

4 comentários:

  1. Imagino que seja uma profiss|ao grandiosa, maravilhosa, que mexe com sentimentos, estados de alma, amores tanto fisicos como outros. Que Deus ilumine sempre o seu cora;\ao.
    .
    Domingo feliz
    Abraço

    ResponderEliminar
  2. É um caminho tortuoso o da infertilidade...
    Coragem para todas as mulheres que passam por isso.

    ResponderEliminar
  3. Conheço 2 casais que passaram pela luta de tentarem engravidar. Um deles conseguiu, o outro acabou por adoptar uma menina.

    ResponderEliminar