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terça-feira, 5 de maio de 2020

A Convidada Escolhe: "A Terceira Mãe"


A Terceira Mãe, Julieta Monginho, 2008

De Julieta Monginho já conhecia “ Um Muro no Meio do Caminho” e confesso que de entre a vasta obra da autora, a escolha de “A Terceira Mãe” se deveu ao título e à capa belíssima e não ao facto de este livro ter ganho o Grande Prémio de Romance e Novela APE 2008. “Um Muro no Meio do Caminho” foi um dos grandes livros que li em 2019. 


A escrita de Julieta Monginho e a sua sensibilidade não deixam ninguém indiferente.

Talvez por a estrutura temporal do livro não ser linear, com capítulos curtos em que surgem as várias personagens que constituem o universo de Rosalina e por a leitura do livro ter decorrido neste período estranho de confinamento e de pandemia, possivelmente não aproveitei como devia a qualidade da escrita e nem sempre me foi fácil seguir a leitura, tendo por várias vezes parado e voltado atrás para melhor entender os contextos. Mas a linguagem é de uma delicadeza invejável que gostaria aqui de realçar.

O livro está dividido em 3 partes: Rosalina, Mena e Joana. Avó, mãe, filha. Na primeira parte  ̶  Rosalina  ̶  que é a parte mais extensa do romance, somos logo confrontados com a menina, que com a idade de quatro anos, foi levada de casa dos pais para casa da tia Alice e do tio Celestino. Rosalina é o “espaço vazio” entre os seis irmãos. Uma infância em que passou da Casa de Pedra para a Casa de Colmo onde o tio salazarista não se entusiasmava com o gosto pelas artes da sobrinha e lhe impôs um marido rico ainda menina. Uma menina que se preenchia desenhando e pintando pássaros em fitas de seda: “Os pássaros voavam continuamente. Desenhava-lhes as asas, às vezes só duas pinceladas negras que voavam, nódoa negra sobre o azul. Voava, ficava no pano, nódoa, lágrima. Inchava, a gaveta onde guardava as fitas que podiam prender, atar as mãos, amarrar o cabelo, apequenar os pés até sangrarem como os de uma gueixa. Ou então levarem-na com o vento a dar a volta ao mundo. A gaveta inchava e transbordava à medida que a barriga lhe inchava e transbordava, faixas de seda com asas perdidas, panos sobre panos sobre a vontade de voar. A mais bonita era branca e nela Rosalina tinha desenhado um melro sorridente. Cantava, o pássaro, quando Rosalina lhe fazia cócegas nas penas. Cantava «L’Amour», como ela cantara no primeiro sonho livre. Foi para cantar essa ária que o desenhou.”

Tal como mais tarde se preencherá com o filho Luís, ou com a filha Mena. Ou indo atrás da voz com as rezas à senhora de Fátima, acreditando no seu poder milagreiro para curar o segundo marido. Para trás ficaram os seus dotes no manejo dos pincéis ou no toque do piano. Vivendo, sobrevivendo à depressão, ultrapassando-a, descobrindo sempre alguma coisa nova naquela natureza-morta de Cézanne, cheia de vida. Ela é a D. Lina para o enteado, a D. Lina para o vizinho apaixonado do prédio em frente, a Mamie para a neta Joana.

Rosalina, aquela que percorre serenamente décadas em que o mundo se transforma, se democratiza, se moderniza. O esteio de Mena; o porto de abrigo de Joana. Mena e as suas fúrias e frustrações porque teve de mudar de terra, porque não concluiu o Conservatório, porque teve um marido violento, porque não tem dinheiro, porque não consegue comunicar com a filha. Joana à procura de si, à procura de ser feliz, à procura de crescer como responde à mãe quando esta lhe dizia que ela pertencia a “uma geração à qual nunca foi proibido nada, mas que pode guardar tanta fúria, tanto desespero”. E também a querer fugir de fantasmas, quando esses fantasmas podem estar ligados por uma fita pintada com um melro.

É disto que trata este livro. Um percurso de mulheres. Uma inquietação.

30 de Abril de 2020
Almerinda Bento





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