A Terceira Mãe, Julieta
Monginho, 2008
De Julieta Monginho já
conhecia “ Um Muro no Meio do Caminho” e confesso que de entre a vasta obra da
autora, a escolha de “A Terceira Mãe” se deveu ao título e à capa belíssima e
não ao facto de este livro ter ganho o Grande Prémio de Romance e Novela APE 2008.
“Um Muro no Meio do Caminho” foi um dos grandes livros que li em 2019.
A escrita
de Julieta Monginho e a sua sensibilidade não deixam ninguém indiferente.
Talvez por a estrutura temporal
do livro não ser linear, com capítulos curtos em que surgem as várias
personagens que constituem o universo de Rosalina e por a leitura do livro ter
decorrido neste período estranho de confinamento e de pandemia, possivelmente
não aproveitei como devia a qualidade da escrita e nem sempre me foi fácil
seguir a leitura, tendo por várias vezes parado e voltado atrás para melhor
entender os contextos. Mas a linguagem é de uma delicadeza invejável que
gostaria aqui de realçar.
O livro está dividido em 3
partes: Rosalina, Mena e Joana. Avó, mãe, filha. Na primeira parte ̶
Rosalina ̶ que é a parte mais extensa do romance, somos
logo confrontados com a menina, que com a idade de quatro anos, foi levada de
casa dos pais para casa da tia Alice e do tio Celestino. Rosalina é o “espaço
vazio” entre os seis irmãos. Uma infância em que passou da Casa de Pedra para a
Casa de Colmo onde o tio salazarista não se entusiasmava com o gosto pelas
artes da sobrinha e lhe impôs um marido rico ainda menina. Uma menina que se
preenchia desenhando e pintando pássaros em fitas de seda: “Os pássaros voavam continuamente. Desenhava-lhes as asas, às vezes só
duas pinceladas negras que voavam, nódoa negra sobre o azul. Voava, ficava no
pano, nódoa, lágrima. Inchava, a gaveta onde guardava as fitas que podiam
prender, atar as mãos, amarrar o cabelo, apequenar os pés até sangrarem como os
de uma gueixa. Ou então levarem-na com o vento a dar a volta ao mundo. A gaveta
inchava e transbordava à medida que a barriga lhe inchava e transbordava,
faixas de seda com asas perdidas, panos sobre panos sobre a vontade de voar. A
mais bonita era branca e nela Rosalina tinha desenhado um melro sorridente.
Cantava, o pássaro, quando Rosalina lhe fazia cócegas nas penas. Cantava
«L’Amour», como ela cantara no primeiro sonho livre. Foi para cantar essa ária
que o desenhou.”
Tal como mais tarde se
preencherá com o filho Luís, ou com a filha Mena. Ou indo atrás da voz com as
rezas à senhora de Fátima, acreditando no seu poder milagreiro para curar o
segundo marido. Para trás ficaram os seus dotes no manejo dos pincéis ou no
toque do piano. Vivendo, sobrevivendo à depressão, ultrapassando-a, descobrindo
sempre alguma coisa nova naquela natureza-morta de Cézanne, cheia de vida. Ela
é a D. Lina para o enteado, a D. Lina para o vizinho apaixonado do prédio em
frente, a Mamie para a neta Joana.
Rosalina, aquela que
percorre serenamente décadas em que o mundo se transforma, se democratiza, se
moderniza. O esteio de Mena; o porto de abrigo de Joana. Mena e as suas fúrias
e frustrações porque teve de mudar de terra, porque não concluiu o
Conservatório, porque teve um marido violento, porque não tem dinheiro, porque
não consegue comunicar com a filha. Joana à procura de si, à procura de ser
feliz, à procura de crescer como responde à mãe quando esta lhe dizia que ela
pertencia a “uma geração à qual nunca foi
proibido nada, mas que pode guardar tanta fúria, tanto desespero”. E também
a querer fugir de fantasmas, quando esses fantasmas podem estar ligados por uma
fita pintada com um melro.
É disto que trata este
livro. Um percurso de mulheres. Uma inquietação.
30 de Abril de 2020
Almerinda Bento
Não conhecia a autora. Obrigada por me dar a conhecer mais um nome da escrita.
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