A um Deus Desconhecido, John Steinbeck, 1933
A escolha deste mês
do Clube de Leitura da Bertrand do Chiado recaiu em John Steinbeck e
na sua obra. De entre os muitos títulos deste autor que recebeu o
Prémio Nobel da Literatura em 1962, a ideia era trazer a diversidade
dos temas a partir das escolhas que cada membro do clube decidisse
fazer. Daquilo que li em tempos remotos quando estudante de
Literatura Norte Americana, certamente constava Steinbeck, mas a
verdade é que qualquer lembrança se perdeu na memória. “A um
Deus Desconhecido” foi o que encontrei na minha biblioteca na zona
da literatura estrangeira e foi isso que partilhei na roda de
conversa do nosso clube.
Um livro
perturbador, em que o centro é a natureza, a terra e a relação dos
humanos com ela. Joseph Wayne é jovem e tem a ambição de ter terra
própria. Parte para oeste, para a Califórnia, onde há grandes
extensões de território à espera de quem lá se queira fixar.
Joseph deixa o pai por quem tem uma forte ligação e os três irmãos
e respectivas famílias. Escolhe para se estabelecer, construir casa
e criar raízes um largo vale verdejante e promissor, embora desde
logo o tenham alertado que nem sempre foi assim, visto ter havido em
tempos uma seca terrível que queimou e deixou tudo seco. Nesse vale
começa a construir próximo de um grande carvalho que, para ele,
corporiza o pai, como se o pai o habitasse. Essa sensação vai
tornar-se cada vez mais forte após a notícia da morte do pai. Chama
os irmãos para junto de si, desejoso de partilhar com eles o sonho
de poderem viver e partilhar aquela terra fértil. Sendo todos muito
diferentes, a figura de Joseph é, no entanto, central e respeitada,
porque comporta em si as semelhanças com a personalidade do
patriarca. Burton, obcecado pela religião, é sectário, moralista e
não aprova Joseph que considera estar dominado pelo diabo e ter
práticas pagãs pelo seu relacionamento com o carvalho. Thomas é
duro, frio, mas tem uma sensibilidade especial para se relacionar com
os animais da quinta. Benjamim leva a vida sem limites, escolheu
viver de forma irresponsável. Os irmãos são casados, têm mulheres
e filhos e Rama, mulher de Thomas, surge como figura feminina forte,
sendo a conversa que tem com Elizabeth ao descrever-lhe Joseph,
reveladora da centralidade de Joseph na família, que ela cosidera
estar mais perto dos deuses do que dos humanos.
“Ignoro se há
homens nascidos fora da Humanidade, ou se alguns deles são tão
humanos que fazem os outros parecer irreais. Talvez uma divindade
venha viver para a Terra, de vez em quando. O Joseph possui força
sob uma visão confusa, tem a calma das montanhas e as suas emoções
são tão selvagens, ferozes e vivas como os relâmpagos, e tão
destituídas de racionalidade quanto eu me possa ter apercebido.
Quando estiveres longe dele, tenta pensar nele e verás o que quero
dizer com isto. A sua figura crescerá até se tornar enorme, até
ser maior que as montanhas, e a sua força parecer-se-á com o
irresistivel impulso do vento. O Benjy morreu. Não se consegue
conceber o Joseph a morrer. Ele é eterno. O seu pai morreu e isso
não foi bem morrer. (…) Garanto-te que esse homem não é um
homem, a não ser que seja todos os homens. A força, a resistência,
o longo e laborioso raciocínio de todos os homens, e também toda a
alegria e sofrimento, anulando-se um ao outro e mantendo-se contudo
presentes. Ele é tudo isso., um repositório de um pedacinho de cada
alma humana e, mais que isso, um símbolo do espírito da Terra.”
A ameaça de uma possível seca, os receios da noiva de Joseph quando
atravessa o desfiladeiro a caminho da casa no vale, a energia
negativa que se sente na clareira rodeada por pinheiros, e o rochedo
coberto de musgo verde são os sinais de alerta que pairam ao longo
do romance. As lendas dos naturais da região, dos índios e dos
mexicanos que há muito habitam a região têm uma aura de mistério,
de superstição e fatalismo que não deixam de fazer prever algo de
funesto e imprevisível que fará quebrar o aparente equilíbrio e
estabilidade. A pujança da Natureza presente naquele vale e que se
reflecte nas colheitas fartas, nos estábulos cheios de feno e nos
animais domésticos que se reproduzem a bom ritmo, marca os ciclos da
vida e das estações ao longo de anos, bafejados pela abundância
vital da água. Até ao dia, quando se descobre que Burton havia
matado o carvalho antes de partir e abandonar o vale, em que a
desgraça vai cair no vale, nos animais, na família e em toda a
região. A partir de então é o declínio e a morte. Falta a água e
é o desespero. Joseph é a terra. Joseph é a Natureza. A morte é
inevitável.
Um livro repleto de
espiritualidade, onde a Natureza tem o papel central. Impressiona.
Mexe com quem o lê.
16 de Dezembro de
2019
Almerinda Bento
John Steinbeck era efectivamente uma força da natureza.
ResponderEliminar"As vinhas da ira", "Náufragos do autocarro" e todos os livros deste grandioso escritor são grandes obras da literatura que continuam indispensáveis a quem gosta de ler.
Li este livro, mas não nesta colecção, embora tenha lido outros dela, que eram dos meus pais. As vinhas da ira, A pérola, A leste do paraíso. Um grande, grande escritor, tão mas tão melhor que muitos que hoje enchem as prateleiras fruto do marketing e nada mais.
ResponderEliminarQuero ver se leio mais algum dele este ano que ainda estou em falta... beijinho
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