Um Muro no Meio do Caminho, Julieta Monginho, 2017
Um livro
extraordinário.O primeiro que li de Julieta Monginho e que recebeu
por unanimidade o prémio Fernando Namora. Já antes, em 2008,
recebera o Grande Prémio de Romance e Novela da APE por outro livro,
sendo significativa a sua produção literária. Depois de ter lido
“Um Muro no Meio do Caminho” só posso dizer que tenho andado
distraída, pois Julieta Monginho é uma escritora que merece ser
conhecida e divulgada.
No Verão de 2016
aportou a uma ilha grega, não como turista, mas como voluntária num
campo de refugiados. Este livro para o qual alerta os leitores que se
trata de ficção (será mesmo?) traz-nos uma série de personagens
cujas vidas estão suspensas numa “ilha que é uma prisão
disfarçada de paraíso”. No meio do pó ou da lama, do calor
asfixiante ou do frio inclemente que fustiga as tendas e os
contentores onde se amontoam, dos ratos ou dos escorpiões, os
refugiados são sobreviventes que ousaram fugir do inferno da guerra
em Alepo, ou no Afeganistão e continuam a sonhar com uma Europa que
os olha de lado, que os cerca de arame farpado, onde a roupa a secar
é o sinal da dignidade daqueles seres humanos que estão ali para
lembrar ao mundo o direito de asilo que lhes assiste por direito e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos que orgulhosamente a
Europa assinala a cada 10 de Dezembro e que está na génese daquilo
a que se convencionou chamar construção europeia.
As personagens que
nos traz são a paleta do mundo que se encontra confinado num espaço
exíguo que sendo Europa é como se não fosse e que aguardam o
salvo-conduto até Atenas para daí seguirem para poderem concretizar
os seus sonhos: jovens mulheres de hijab, rapazes rebeldes ou
sonhadores (lunáticos?), mulheres sem chão porque perderam tudo,
crianças não acompanhadas “sem casa nem futuro”,
crianças abusadas, intérpretes, cineastas, voluntários incansáveis
também eles “náufragos de idênticas perdas…”. São
pessoas de carne e osso, escrevem e desenham em cadernos, trouxeram
um telemóvel e um computador protegidos dentro dum saco de plástico,
guardam a t-shirt que o filho vestia quando foi abatido, gostam de
dançar e de fazer filmes, apaixonam-se. Revoltam-se, inventam
esquemas para fugir, fintam a burocracia, desesperam. Quem é
refugiado? Quem procura auxílio? Quem é livre?
Claramente
identificada com valores de solidariedade e igualdade entre as
pessoas e com especial atenção e sensibilidade para as barreiras
que se erguem à emancipação e liberdade das mulheres, Julieta
Monginho questiona os estereótipos, quer levar para aquela ilha e
para aquelas raparigas e mulheres no Athena Centre for Women toda a
bagagem teórica que trouxe de Portugal, mas coloca-se numa posição
humilde, de questionamento e de profundo respeito por aquelas
pessoas. “O que é que faço aqui se não lhes valho?” “…
mas pouco podia fazer para ajudar.” ”Em que fresta da sua
identidade entrava o meu paleio ocidental?” Afinal o testemunho
escrito contido neste livro, com personagens e situações
ficcionadas ou não, é por ventura o apoio que perdurará no tempo
para a causa dos refugiados. Enquanto leitores/as não esqueceremos o
apelo de Ashmahn, a jovem grávida, quando se despede da ilha ao
encontro do marido na Alemanha “Vê e não esqueças. Vê e dá
notícia.”
Este livro é uma denúncia. Um testemunho comovente. É o pulsar do
real, dos nossos dias, das nossas vidas, do nosso mundo. Um abanar do
acomodamento, da distância, daquilo que está longe e não me diz
respeito, da insensibilidade. “O mundo já não se choca com
nada.” Valha-nos a literatura para derrubar os muros que estão
no meio do caminho.
18 de Novembro de
2019
Almerinda Bento
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