Sangue do meu
Sangue, Michael Cunningham, 1995
A opinião de
escritor admirável que tinha àcerca de Michael Cunningham quando,
há já alguns anos, lera “As Horas”, foi reforçada com a
leitura de “Sangue do meu Sangue”. A história começa em 1935,
com Constantine, um rapaz grego que um dia partirá para os Estados
Unidos para fugir da pobreza, movido pela quimera da terra das
oportunidades. Aí namorará, irá casar e ter três filhos. A tensão
entre o casal resulta não só das diferenças entre as culturas
grega e americana, mas também das dificuldades financeiras iniciais
e da forma como cada um lida com os filhos, desculpando ou não as
birras, os caprichos e os sobressaltos do crescimento das crianças.
A ascensão social da família, fruto do negócio de construção de
casas baratas, vai acentuar a distância entre Constantine e a
família, em vez de a diminuir. A inesquecível cena da fotografia de
família para o cartão de Natal a enviar aos amigos não passa de
uma capa que esconde a animosidade e a violência latente naquela
família americana.
Com o crescer dos filhos – Susan, Billy e Zoe – cada um vai
seguir o seu destino e os laços familiares vão-se tornar cada vez
mais ténues e esporádicos. Casamentos, divórcios, relações
fortuitas, escolher o fio da navalha, descobrir a sua identidade
sexual, profunda insatisfação pessoal, o vírus da sida, o
sentimento de fracasso, o viver de aparências, a fragilidade na
doença, a decadência e a velhice, o reencontro e a aproximação, o
amor, a solidariedade, o apaziguamento, o preconceito, a dificuldade
em aceitar a diferença, a homofobia, os traumas recalcados, tudo
isto vai surgindo, ao mesmo tempo em que vamos acompanhando as
diversas personagens à medida que os anos passam. Até 1995 seguimos
o que cada um faz, decide, sente, escolhe, sendo nesse ano que a
instável “paz” e “harmonia” da família Stassos é
definitivamente estilhaçada. A partir daí e até 2035, ou seja, cem
anos depois da cena inicial em que o menino Constantine sonha
conseguir arrancar o primeiro pimento, a primeira beringela e o
primeiro tomate da sua pobre horta na Grécia natal, a narrativa
correrá veloz. É o ciclo da vida e da morte. Na última cena, em
2035, Jamal quer estar sozinho quando deitar as cinzas dos pais –
Will e Harry – na baía.
Admirável a forma
como Michael Cunningham disseca as contradições e os sentimentos
das pessoas, os seus sonhos e frustrações, as classes sociais e o
estatuto que as mesmas conferem aos indivíduos, a falsidade do sonho
americano, os negócios fraudulentos que geram milionários de um dia
para o outro, a homossexualidade e a homofobia, a solidariedade e
também as preocupações de ordem ambiental.
Sem dúvida um dos
grandes livros que li este ano e que recomendo.
1 de Novembro de
2019
Almerinda Bento
É um dos meus escritores favoritos!
ResponderEliminarNão me lembro de ter lido nada dele mas fiquei curiosa com a opinião da Almerinda e com a tua.Tenho de pegar num livro deste autor!
EliminarCristina, o que ando agora a ler Ao Cair da Noite deste excelente autor.
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