Foi este o meu ponto de partida para escrever “E Ficou a Terra”. Se por um lado existia a vontade de colocar no papel algumas histórias que fazem parte do meu imaginário infantil, fruto dos relatos e dos desabafos dos meus avós, alentejanos dos quatro costados que toda uma vida viveram da terra e para a terra, por outro havia o interessar em mostrar o Alentejo dos anos 70, revolucionário, em ebulição, através do olhar de duas personagens que até poderiam estar em lados opostos da
barricada, mas que tinham em comum um sentimento muito forte: o desejo de liberdade.
Verónica é a filha de um latifundiário a quem as convulsões sociais e políticas passam ao lado. Ainda assim, o seu conceito de liberdade levou-a a procurar uma vida dupla, escondida de quase todos, e é neste contexto que conhece o seu futuro marido. Idealista e com um forte sentido de comunidade e justiça, este acaba por lhe apresentar a sociedade de uma outra forma, obrigando-a a uma tomada de posição que poderá colocar em causa os alicerces da sua estável e facilitada vida.
Se me perguntarem direi que toda a construção da narrativa foi um desafio, da mesma forma que o tema em si me pareceu diferente e pertinente. Mas foi a construção de Verónica que mais satisfação me deu. Acho que é importante começar a criar personagens femininas que desconstruam um pouco os estereótipos de género existentes. E uma mulher que não tem qualquer pudor em assumir a sua sexualidade, ou que não tem qualquer embaraço em fazer o mesmo que os homens, é sempre uma personagem que pode acrescentar algo de novo.
Mesmo sabendo que sou suspeita, lanço o desafio de passarem um domingo com Verónica, com o seu marido, assim como com as outras personagens deste livro que dão a conhecer a vida no Alentejo rural dos anos setenta. Acredito que não será um domingo mal passado.
Carla Ramalho
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