- Ninguém se cura de uma cura. De uma doença, sim. De uma cura, não.
- Dois homens lutam (psicanalista e psicanalisado): cerimónia, concentração, ritual. Lutam, mas não se trata de ganhar ao outro. Trata-se de saber ser digno dos ataques do outro. A luta – é com cada qual. Por dentro.
- Também se escreve por dentro. 1% de trama, personagens à flor da pele. 99%, escondido.
- Esquemas, apontamentos, intuições. Um pouco de maldade, porventura. Depois, capítulos: um após outro, a grande máquina, peça a peça, todas as forças para o mesmo fim. Se corre bem, tudo acontece sem a minha intervenção: dedos no teclado, duas, três, quatro horas de inexistência, de repente acordar e ver o texto, ali, no ecrã. Isto – fui eu? Se corre bem, o texto é dado pelos deuses. Depois, limar, limar, até à náusea. Fica o mínimo. E depois, só depois, descobrir: estas personagens sabem mais do que eu. Algumas chegam a ser proféticas, descobrem o futuro. De que eu sou apenas leitor. Eu, o menos de tudo isto.
- Angústia e riso. E o riso da angústia, e a angústia do riso.
- Não se trata de comunicar nada, tese, fundo, propaganda. Se uma personagem afirma, logo outra nega. Escreve-se para perder.
- Saber perder bem. Sair do livro com menos. Livros que roubam. Assalto: a bolsa ou a vida? A vida.
Pedro Eiras
Sem comentários:
Enviar um comentário