O Anão é passado numa corte italiana renascentista, embora a noção de tempo não seja significativa em virtude de algumas das referências marcantes aludirem especificamente ao século XIV, nomeadamente a fome, a peste e a guerra comummente denominadas por trilogia negra.
Piccolino é o anão que após ter sido rejeitado pela sua mãe foi vendido por esta ao príncipe para servir como bobo da corte. Porém, Piccolino é muito mais do que o bobo da corte, é a personificação de todo o mal atendendo ao facto de que aquilo que mais odeia é o ser humano não esquecendo todos os seres da sua estirpe que odeia com todas as suas forças.
Quer por iniciativa própria, quer por indicação do príncipe, Piccolino age deliberada e conscientemente cometendo todo o tipo de atrocidades com vista à extinção humana de quem sente o mais profundo desprezo.
Nesta obra, o mal é dissecado sob as suas múltiplas facetas sendo que Piccolino assume-se como a personificação de Satanás sentindo uma exaltação imensa, um puro delírio na prática do mal como se tratasse da sua religião. É perfeito na consecução da maldade! Aliada à rejeição que sente por parte dos homens, Piccolino sente igualmente o temor que os homens sentem quando se cruzam consigo quase sentindo de forma espelhada e num ser com aquelas características todos os receios, medos e aterrorizando-os verdadeiramente “o anão que se esconde neles” (p. 24).
Mesmo na condição de prisioneiro a dada altura da narrativa, Piccolino tem a nítida consciência e convicção de que o seu senhor “não poderá passar muito tempo sem o seu anão” (p. 178).
Ler O Anão pode tornar-se desconfortável na medida em que a maldade que corre no sangue envenenado de Piccolino torna-o um ser mesquinho, miserável e desprezível, sendo, pois, um reflexo de até onde pode ir a natureza humana que é imune ao espaço e ao tempo.
São inúmeras as leituras cruzadas que se podem fazer a partir deste livro, nomeadamente através de extensões a Antígona de Sófocles, O Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdão, O Discurso da Dignidade do Homem de Pico della Mirandola, não esquecendo também O Príncipe de Maquiavel, além de outros exemplos que aqui poderiam ser referidos.
Pär Lagerkvist criou sem dúvida uma obra incontornável da literatura contemporânea e com uma mensagem de caráter universal valendo-lhe, em 1951, a atribuição do Prémio Nobel de Literatura.
Texto da autoria de Jorge Navarro
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