“O matraquear do desejo tinha-se tornado aliás tão ruidoso dentro de mim (a sua corrente elétrica a percorrer um circuito constante entre as minhas têmporas, os meus seios e as minhas coxas) que parecia inevitável o momento em que a luxúria seria capaz de manobrar os meus lábios vaginais como se fossem um boneco de ventríloquo e falar em voz alta. Não conseguia parar de pensar nos rapazes aos quais em breve iria dar aulas.” (p. 6)
A escrita é simples e ousada, provocadora, mas também honesta, abordando a temática de modo claro deixando espaço para o leitor questionar um conjunto de aspetos em que se entrecruzam os desejos com a legalidade dos atos em si mesmos.
Se “Tampa” se inscreve no território daquilo que se passou gradualmente a apelidar de literatura erótica, devo dizer que não sei, tratando-se, pois, do primeiro livro com este tipo de abordagem que leio. Que existem muitos desejos por concretizar por parte desta jovem professora, é um facto.Celeste assume aquilo que sente e tenta na medida do possível concretizar os seus desejos mais recônditos de natureza sexual com adolescentes que já não são meninos, mas que tão-pouco são já homens. O seu desejo, a sua predileção por estes jovens é claramente explicitado devendo também os mesmos ter a maturidade psicológica suficiente para manter o caso em segredo como se tratasse de um amante que se deve omitir perante terceiros.
No caso de Celeste, estes encontros com Jack Patrick, de 14 anos, o aluno escolhido, tornaram-se cada vez mais frequentes, constituindo a única forma de satisfação sexual da professora em contraponto com o casamento forçado, falhado e de circunstância, com Ford, um agente de polícia, filho de pais ricos, cuja vida luxuosa leva Celeste a tirar o máximo proveito da situação.
Até sensivelmente à página 100, Celeste Price vai explicando os esquemas que decide implementar com vista a atingir o seu objetivo. As cenas de foro íntimo são descritas com bastante rigor e exatidão, cenas que, a bem da verdade, também o leitor (creio que) no fundo deseja que tenham lugar. Ainda que sejam levantadas questões de ordem moral até mesmo por parte dos personagens envolvidos que tentam a todo o custo manter o caso em segredo, há a plena consciência de que não é comum ou até mesmo correto um relacionamento entre um adulto e um jovem, neste caso em concreto, de uma professora de 26 anos com um adolescente de 14 anos.
Se a situação é em si mesma complexa para Celeste dado o constante receio da descoberta das suas preferências e atos, também para um jovem que se sente completamente envolvido emocional e sexualmente com uma mulher verdadeiramente bela (e sua professora) também lhe trará alguma perturbação num futuro próximo dado não ter ainda a maturidade necessária para lidar com algo tão sério, uma vez que já não sendo propriamente uma criança, também ainda não é um homem, nem física nem psicologicamente.
Aqui levanta-se precisamente a questão se num caso complexo como este em que existe consentimento de ambas as partes independentemente da diferença de idades e do estatuto/papel de cada um em relação ao outro, se se considerará efetivamente um caso de pedofilia. E se Jack Patrick em vez de se ter envolvido com a sua professora se se tivesse envolvido sexualmente com uma colega da mesma idade, aconteceria alguma coisa? Condenaria a sociedade tal ato quando nos dias que correm os adolescentes iniciam as experiências sexuais cada vez mais cedo?
“Eu estava de biquíni, recostada no capô de um carro desportivo, com o cabelo louro soprado para trás pelo vento. – Se fosse um adolescente – atirou o comentador, apontando um dedo lúbrico à fotografia -, chamaria sevícias a uma experiência sexual com ela?” (p. 266)
O relacionamento entre Celeste e Jack torna-se de tal forma intenso ao ponto de a professora começar a sentir que chegou o momento de pôr termoao relacionamento com o jovem, não só por este se ter(compreensivelmente) apaixonado por ela, mas também porque Jack naturalmente continua a crescer, adquirindo aos poucos as características de homem, deixando, por essa razão, de ser interessante para Celeste.
Celeste entra num ciclo vicioso, viciante e alucinante acabando por enfrentar inevitavelmente um processo judicial sendo acusada de violação de menores com forte impacto nos media a nível nacional.
“- E ela obrigou-te a fazer amor?
- Protesto – disse o procurador. - «Fazer amor» não é um eufemismo aceitável para violação nos termos da lei.
- Vou reformular – propôs o meu advogado. – Fizeste sexo com a Sra. Price. Foi consensual? Quiseste fazer?
- Sim – respondeu o Jack. – Quis. – A voz começava a falhar-lhe; parecia a confissão de algo muito maior.” (p. 282)
“Tampa” não iliba os personagens, mas também não os acusa, ficando essa tarefa para o leitor. O livro surpreende mais do que imaginamos querendo o leitor saber como termina a história, havendo certamente muitas questões com as quais se identifica.
Do mesmo modo que Celeste lida mal com a ideia de envelhecimento tentando a todo o custo graças às novas terapias, spas e cosméticos travar o avançar da idade mantendo sempre visivelmente a ideia de uma reduzida diferença de idade face ao objeto sexual desejado, também nós, tantas vezes, desejávamos ser mais novos quando se nos atravessa alguém jovem e fisicamente atraente que nos desperta os sentidos e consequentemente o desejo sexual. Ainda assim, há uma clara diferença entre o desejo e a concretização do mesmo…
“Por enquanto, a minha juventude e o meu aspeto facilitam a questão. Tento não pensar nos anos frios que aí vêm, em que o tempo irá saquear lentamente a minha juventude e o meu corpo irá iniciar as fatídicas mudanças.” (p. 285)
Texto da autoria de Jorge Navarro
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