Escrevo quase todos os dias. Coisas diversas. E não sofro com isso, o que não significa que me não aflija.
Na minha escrita jornalística, sigo a realidade, faço-o de modo a sacudir da prosa uma visão particular do sucedido, pretendo que sejam os leitores a tirar as suas conclusões. À noite e ao fim de semana, como que me vingo dessa escrita fabulando o passado, o presente e o futuro, com a ideia de conduzir o leitor para os meus domínios. Por vezes, vou ao passado para fazer de repórter e fico espartilhada pelos factos, como sucedeu quando contei em seis livros a vida de 177 portuguesas do século X ao XX, mas o espartilho não me retira o prazer da escrita. Por vezes, percorro livremente o futuro, como na ficção “A Cueca Bibelô”, apenas publicada em versão digital, passada num ano incerto, num tempo estranho em bibelôs :) ou em “A Tomada da Pastilha”, história guardada numa pasta do meu computador e posta na nuvem para evitar um desgosto.
O advento do computador - as minhas primeiras peças nos jornais e ficções foram escritas à máquina… julgo estar a envelhecer :) - redobrou-me o prazer da escrita, deixando-me trocar palavras, manobrar frases, construir textos como puzzles, sem estragar papel. Gosto de
burilar a prosa, inquieta-me escrever à velocidade dos acontecimentos; gosto de rever e reler, reler e rever. Mas aflige-me, sobretudo, não escrever. E nesta última aflição se inclui um assunto mais prosaico: não escrever significa atrasar um livro, não é ter menos tempo para o fazer, uma obra tem um tempo para se fazer. O meu último livro, por exemplo, “O Assassino do Aqueduto”, demorou mais do que o previsto. Não possuo um tempómetro, erro sempre os cálculos, tenho dificuldade em dar por encerrada a pesquisa, penso escrever xix carateres por dia e nunca acerto; há noites em que me sinto demasiado cansada, há noites em que outros apelos me movem, e na reta final preciso de terminar uma primeira vez só para me afastar do escrito o tempo necessário a lê-lo com outros olhos, altura em que fico com vontade de o reter mais um tempinho. As editoras têm sido compreensivas. Acaba por ser um segundo prazo a obrigar-me à conclusão e o grau da minha aflição sobe à medida do incumprimento, mas, quando me sento à escrita, a pressão solta-se e o prazo esgota-se…
Deste último livro, tenho desculpa, tive de lidar com um assassino conhecido, líder de uma quadrilha identificada, envolto numa lenda que serviu de papão em algumas gerações. Merecia cuidado para não dar um mau acordar a seres desaparecidos há muito. Pesquisei o máximo que pude, usei o meu tempo o melhor que consegui, adorei andar atrás daquela gente do século XIX, de a ‘processar’ na minha imaginação. Mas - gosto da palavra mas, é algo que se opõe, que tanto pode ser um desafio como uma desculpa, algo muito humano -, mas, dizia eu, existem outras coisas na vida, não se pode (não consigo) dar sempre um não à família, aos amigos, mesmo até ao que vem do desconhecido. Constatando que, se há mais do que uma vida na terra, ninguém se lembra da vida anterior, estou consciente de que é esta a minha oportunidade de… escrever :).
Anabela Natário
“O Assassino do Aqueduto” deve ser espetacular, estou super curiosa!
ResponderEliminarAna Rute estou a acabar de lê-lo... Não se lê num ápice pq a escrita da autora tem muita terminologia usada na época. Tem de ser saboreado devagar até para entendermos todo o seu significado. Uma história com muitos factos verídicos arrepiantes contada de uma forma muito peculiar.
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