A personagem central, H. Monroe é um inspector às voltas com a investigação de um caso que envolve a morte violenta de um construtor abastado e com fortes influências no mundo da política. À medida que vai avançando na recolha de provas e na tentativa de descobrir a autoria do assassinato, surge a figura de Gabriel - o alter ego de Monroe que sofre de um transtorno dissociativo de identidade - que o acompanha desde a infância, quando ele era o único apoio de Ernie o seu irmão mais novo, vítima de violência e de abuso por parte do pai de ambos. Se por um lado Gabriel lhe tem sido muito útil ao longo da vida,pois como ele diz “nunca resolverei caso algum sem a ajuda de Gabriel”, por outro lado é um segredo que ele esconde da mulher e dos filhos, pondo em risco a sua vida familiar.
É uma história passada numa Lisboa que vive os efeitos da intervenção do FMI e dos mercados, em Portugal onde “as regras não passam de sugestões”, num país onde a justiça é uma miragem, onde os corruptos e os degenerados com contactos no poder passam incólumes. É uma história feita das memórias da infância no Colorado, uma infância marcada pela violência desmedida do pai sobre Ernie e a mãe, uma figura apática, aparentemente ausente, mergulhada na leitura, nos poetas e sob o constante efeito do Vallium. É também uma história de sobrevivência, e da preservação dos afectos da relação de Henrique Monroe com a mulher e os filhos e com o seu irmão a viver perto de Évora.
Para além do encadeamento e do desenvolvimento da acção característicos de um romance policial, RichardZimler desvenda neste livro os extremos – o pior e o melhor – nas relações entre pais e filhos e consegue, de forma quase cinematográfica, transmitir a crueza, por um lado, e a doçura e sensibilidade, por outro, que essas situações extremas podem revestir.
É, sobretudo, uma denúncia e um olhar amargo sobre o estado da justiça que não é feita, que está nas mãos de quem tem o poder e que leva a que os poderosos, os criminosos e os opressores continuem impunes, fruto da rede de influências que tecem.
Almerinda Bento
Sem comentários:
Enviar um comentário