É uma história que se estranha ao princípio mas que se entranha rapidamente. O cenário é no mínimo estranho e algo sobrenatural, uma casa meia assombrada que quase tem vida própria, uma família disfuncional, mulheres de uma família, de diferentes gerações, que tentam sobreviver.
A narrativa é feita a duas vozes, ambas femininas, a avó e a neta e retrata quatro mulheres de gerações diferentes, numa Espanha que vai desde o Franquismo até à contemporaneidade. A casa é o ponto central, de união mas também de discórdia. Quase que opina, obriga e dirige aquelas vidas. A casa, uma personagem a juntar aquelas outras quatro gerações de mulheres. As suas paredes escondem segredos, os homens não duram muito dentro dela, daquelas paredes que parecem ter vida própria.
A mesquinhez das pessoas, as raivas antigas acumuladas, a violência que a fome e a miséria trazem, a vingança, tudo corrói por dentro o ser humano. Como o caruncho.
De leitura fluída, muito diferente e original, um texto algumas vezes corrido como se de um discurso oral se tratasse, com uma trama arrebatadora precisamente pela diferença que o leitor sente ao lê-lo. Bem escrito, muito bem escrito. Capa belíssima, apropriada.
Nota final: no posfácio do tradutor podemos ler "deste livro não saímos incólumes. O ambiente está saturado de rancor, de violência; quem o lê sente o bicho ruim a roer as páginas e a querer desenterrar túneis para as suas mãos, por baixo da epiderme; a certo ponto, quase sentimos o caruncho dentro de nós." (pág. 121)
Terminado em 2024 em data não assinalada
Estrelas: 5*
Sinopse
CARUNCHO (2021) narra o regresso de uma neta, acusada de um crime, à casa rural da família e mergulha o leitor no coração de uma Espanha vazia, marcada por resquícios do franquismo, uma terra tão agreste e estéril como o destino a que condena as mulheres que nela vivem. Contada a duas vozes, pela jovem e pela avó, esta história de rancor e vingança é indissociável da memória do lar assombrado, de espectros que clamam justiça, entre quatro paredes sobre as quais pesam traumas herdados e décadas de violência e opressão. Um aclamado romance de estreia, com ecos de Pedro Páramo, de Juan Rulfo, e de alguns contos de Silvina Ocampo, em que se entrelaçam terror, injustiça social e uma pesada herança familiar que, como o caruncho, corrói as protagonistas.
Cris
Não conhecia, mas parece interessante.
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