Depois de “Um Cão no Meio do Caminho” de Isabela Figueiredo e na sequência da reflexão sobre as relações de puro afecto que se estabelecem entre as pessoas e os animais, a sugestão do próximo livro, aceite pelo grupo do Círculo de Leitura da UNISSEIXAL, foi este livro de Paul Auster. Para mim, o primeiro livro que leio deste autor norte-americano falecido este ano.
Mr. Bones é a personagem principal em “Timbuktu”. Mr. Bones, um vira-lata, “uma completa embrulhada de traços genéticos” (pág. 8) que, ao longo da narrativa vai ser “baptizado” com outros nomes. Há sete anos que Mr. Bones é o companheiro fiel de Willy, um vagabundo e poeta que, embora sabendo ser “uma alma perturbada e que chumbara no exame de aptidão a este mundo”, andava “de cabeça erguida” (pág. 12), pois tinha noção do valor dos manuscritos que escrevera ao longo da vida. Afinal, “era apenas mais uma criatura bizarra na cena americana” (pág. 27), tendo Mr. Bones como seu interlocutor e fiel companheiro de jornada. Logo no início do livro, percebemos, tal como Mr. Bones, que Willy está a chegar ao fim da vida.
O que acontece a um cão que fica sozinho no mundo? Como sobreviver, quando reconhece que o dono não lhe preparou o futuro? O narrador põe-nos na cabeça de Mr. Bones que reflecte sobre si, sobre a sua visão do mundo, moldada pela aprendizagem da sua vagabundagem ao longo de sete anos com Willy. Mr. Bones tem sentimentos - ansiedade, medo, terror, bem-estar, saudades – e sonhos premonitórios que o preparam para o que virá a seguir. É também o resultado dos preconceitos e do estilo de vida errante que o seu dono lhe proporcionou. Treme quando vê polícias e foge a sete pés nas proximidades de um restaurante chinês. Fica humilhado quando ao fazer tudo bem para abocanhar um pombo, ele lhe foge no último segundo. Percepciona quem mais precisa dele e lhe confidencia os seus problemas mais íntimos. Questiona-se sobre se será melhor viver na rua e em liberdade a comer os restos que encontra, ou amarrado e confinado a um espaço limitado, mas com comida e água garantidas. Mr. Bones teve a possibilidade de conhecer o mundo da pobreza e o mundo da opulência, a rua e a “América das garagens para dois carros” (pág, 139).
Desde que Willy morreu, sempre que as suas pernas lhe permitiram, Mr. Bones fugiu. Willy falara-lhe num sítio “onde as pessoas iam depois de morrerem. (…) Nas últimas semanas, Willy não tinha falado de outra coisa, e agora não havia na mente do cão a menor dúvida de que o outro mundo era um sítio real e não uma invenção. Chamava-se Timbuktu” (pág. 45). Por muito carinho que algumas pessoas lhe tenham dado depois da morte de Willy, Mr. Bones sente saudades e sempre que sonha com ele acorda com “a sensação de que Willy continuava com ele. Mesmo que o dono não pudesse estar presente, era como se estivesse a observá-lo. (…) Mr. Bones não era propriamente um especialista em análise de sonhos, visões e outros fenómenos mentais, mas estava certo de que Willy morava agora em Timbuktu, e se há pouco estivera com Willy, talvez isso também quisesse dizer que o sonho o levara a Timbuktu.” (pág. 108).
É um livro de uma grande ternura, triste, mas com momentos hilariantes, com descrições hiper-realistas e muito bem traduzido por José Vieira de Lima. E, ao ter um cão no centro da narrativa, tem a grande qualidade de nos questionar sobre a vida dos humanos e dos animais. Uma leitura que recomendo.
11 de Dezembro de 2024
Almerinda Bento
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