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quarta-feira, 16 de outubro de 2024

A Convidada escolhe: "As Inseparáveis"


As Inseparáveis, Simone de Beauvoir, 1954

Quando no ano passado li “A Força da Idade” de Simone de Beauvoir, lamentei já mal recordar “Memórias de uma Menina Bem-Comportada” que lera há muitos e muitos anos e que na altura teve um grande impacto no meu desenvolvimento. Aí, logo no início, se referia várias vezes a grande amiga Zaza e a enorme influência que essa amizade tinha tido na sua juventude e ao longo da vida. “As Inseparáveis” é um romance que vai ressuscitar essa amizade profunda entre Élisabeth Lacoin (Zaza) e Simone de Beauvoir. Para isso, em “As Inseparáveis” a autora cria duas personagens: Andrée que é Zaza e Sylvie/Simone, a narradora.

Conheceram-se com nove anos, numa escola de freiras católicas. Se antes de passarem a ser colegas de carteira, Sylvie não tinha amizades com ninguém em particular, “Todas as crianças que conhecia aborreciam-me” (p. 16), Andrée vai ser para ela uma revelação. Rebelde, confiante, frontal, independente (vai sozinha da escola para casa), habilidosa e muito inteligente, Sylvie vai nutrir pela colega uma amizade profunda, a tal ponto que, quando as férias as separam, confessa que “viver sem ela não era viver” (p. 22). Mas incapaz de revelar essa paixão, só para si própria confessava que “nos livros, as pessoas fazem declarações de amor, de ódio, têm coragem de dizer o que lhes vai na alma; porque é que isso não é possível na vida real?” (p. 29) e só bastante mais tarde lhe revelou que o que a ligava à amiga era muito mais do que estima.

No entanto, a narradora, ao aprofundar a sua convivência com a colega e com a família, vai descobrir insuspeitos aspectos da vida de Andrée, que sempre lhe parecera uma rapariga insubmissa e diferente do comum das jovens que conhecia. Filha de uma família numerosa, profundamente religiosa, tradicional, classista, conservadora, o destino que lhe estava previamente traçado, era o de não ter direito à escolha, de se moldar ao que a sociedade queria dela enquanto mulher, de reprimir desejos, de pôr a família em primeiro lugar e de seguir um destino igual ao da sua mãe, também ela castrada por uma mãe autoritária. A narradora descobre que a casa e a família de Andrée não passam de uma prisão; que os casamentos são arranjados, pois “um casamento por amor é considerado suspeito” (p. 84); que a alternativa ao casamento é o convento e que, afinal, a amiga é profundamente infeliz “Não tenho um minuto livre” (p. 79).

Em “As Inseparáveis” Andrée é a personagem central, sendo o papel da narradora o de desvendar a personalidade da amiga e em consequência, traçar o retrato de uma época, incidindo a atenção sobre a vida das mulheres e das raparigas de uma determinada classe social. Simone de Beauvoir tinha 46 anos quando escreveu este romance e o seu pensamento sobre a condição feminina estava amadurecido e já publicara “O Segundo Sexo” e “Os Mandarins”. Sendo “As Inseparáveis” um romance e não um ensaio filosófico, ele denuncia, contudo e de forma clara, a visão de um sector conservador e poderoso da sociedade francesa, o peso da ideologia da Igreja na construção do conceito de pecado ligado à sexualidade e aos sentimentos; os preconceitos de classe e de raça que discriminam pessoas e as tornam personae non gratae, ou, por exemplo, os medos daquele sector privilegiado da sociedade, de que o sufrágio feminino viesse beneficiar os inimigos da Igreja.

Na contracapa desta bela edição da Quetzal, com tradução de Sandra Silva, pode ler-se na sinopse, que o livro contém “um posfácio da filha adoptiva de Simone de Beauvoir – Sylvie Le Bon de Beauvoir – em que é feito um relato factual e cronológico desta amizade, da vida e do contexto familiar de Zaza, e um conjunto de cartas e de fotografias, As Inseparáveis é um livro de grande valor literário e documental e uma peça importante no conhecimento da vida e obra de Simone de Beauvoir”.

9 de Outubro de 2024

Almerinda Bento



domingo, 13 de outubro de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Setembro

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Setembro.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionado um vencedor! Foi ele:

R y k @ a r d o


Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

 
Cris


 

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

"Erva" de Keum Suk Gendry-Kim (GN)


É preciso comer um bife para conseguir pegar nesta novela gráfica, digo-vos já! São quase 500 páginas e quase que parece um tijolo de tão “grossa”! Se gostei? Sim, claro. Sabia  ao que ia pelo menos no que concerne às ilustrações porque desta autora já tinha lido "A Espera" e tinha gostado muito. Opinião aqui.

O tipo de traço é idêntico, como que feito por um pincel, e também é a preto e branco. A autora nasceu na Coreia do Sul e esta GN foi a que lhe deu mais projecção internacional.

Conta-nos a história de Ok-Sun, uma criança sul coreana, que viu os seus sonhos, a sua vontade de aprender e ir à escola e a sua vida no geral sacrificados porque, pertencendo a uma classe social extremamente pobre, se viu “vendida” pelos seus pais, durante a segunda Guerra Mundial. Posteriormente foi explorada como “mulher de conforto” pelos militares japoneses. A autora retrata através de Ok-Sun a vida de muitas mulheres aquando da ocupação japonesa, as humilhações e dificuldades por que passaram.

História verídica impressionante mas de uma resiliência e superação imensas. Gostei muito e recomendo!

Terminado em 15 de Agosto de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Uma história real que ilustra como a atrocidade da guerra devastou a vida de inúmeras mulheres. Erva é uma poderosa novela gráfica que conta a história verídica de Ok-Sun Lee, uma criança sul-coreana que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi vendida pela família e explorada como «mulher de conforto», o eufemismo utilizado pelos militares japoneses para se referirem às suas escravas sexuais. Até hoje, este continua a ser um dos capítulos mais negros e chocantes da História. Ok-Sun Lee sobreviveu a décadas de desespero e, no fim da sua longa vida, tornou-se ativista pelos direitos das mulheres, dando a conhecer as suas dolorosas memórias. Com base nos seus relatos, Keum Suk Gendry-Kim ilustra o período que antecedeu a guerra a partir da perspetiva vulnerável de uma criança forçada a enfrentar as mais cruéis adversidades, valendo-se apenas da sua força e determinação para sobreviver. Com recurso a pinceladas a negro tão delicadas quanto duras, a autora descreve em pormenor a forma desumana como muitas raparigas de famílias humildes viveram a ocupação japonesa e a vida de sofrimento generalizado que herdaram. 

Cris

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

"A Estrada" Graphic Novel de Manu Larcenet (Adaptado da obra homónima de Cormac McCarthy)


Li, faz muito tempo, o livro com o mesmo nome de Cormac McCarthy e, na altura, sei que gostei muito. Dessa leitura recordo apenas que é retratado um mundo distópico e desolador e o longo caminho que pai e filho percorreram para encontrar um local seguro livre de agentes agressores: o mau tempo e o Homem mau. Por isso não sei se esta GN traduz com perfeição a história total. Parece-me que sim mas dos detalhes dessa leitura feita há muito já não me recordo.

No entanto, posso afirmar que esta foi a GN que já li que mais me impressionou pela qualidade das ilustrações! Pouco texto foi preciso porque as ilustrações são realmente sublimes, muito duras e parecem reais. Os personagens são a preto e branco, o fundo muda ligeiramente de cor de quando em quando.

Achei fantástica esta novela gráfica e, se tiverem oportunidade, folheiem-na! Verão que falo a mais pura das verdades! Fiquei mesmo rendida pelo que atribuo as estrelas máximas!




Terminado em 13 de Agosto de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Entre os sobreviventes de um mundo pós-apocalíptico devastado, coberto de cinzas e de cadáveres, um pai e o seu filho deambulam por uma estrada, empurrando um carrinho de compras cheio de objectos diversos que, supostamente, os ajudarão ao longo da sua viagem. Sob a chuva, a neve e expostos ao frio, avançam rumo às costas do Sul, com o medo colado ao estômago: hordas de canibais selvagens que vagueiam pelo território aterrorizam o que resta da humanidade. Conseguirão eles sobreviver e chegar ao seu destino? A adaptação a banda desenhada de um romance marcante da literatura contemporânea. Após O Relatório de Brodeck, Manu Larcenet volta a adaptar uma outra obra maior da literatura. Galardoada com o prémio Pulitzer em 2007, A Estrada obteve, em todo o mundo, um enorme sucesso, tendo sido adaptada ao cinema em 2009, com Viggo Mortensen no papel principal. 

Cris

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Para os mais pequeninos: "Rápido, Rápido!"

Gosto muito de ler livros infantis. Por isso de vez em quando, aqui aparece um comentário!

Gosto das capas duras, das ilustrações coloridas e muito expressivas, de não existir necessidade de grandes textos já que as imagens falam muito e complementam os mesmos e gosto, sobretudo, da mensagem que pretendem passar aos mais pequeninos mas também aos educadores. Muitas vezes constitui um alerta para estes últimos. 

Este assim é! A vida do dia a dia é um corre-corre sem parar e no frenesim em que nos movimentamos levamos frequentemente as crianças connosco. E a frase “depressa, depressa” é utilizada quase diariamente. Vi-me retratada nesta história porque, em tempos idos, utilizei bastante essas palavras às minhas três crianças, hoje homens adultos.

A personagem principal e narradora é uma criança e leva-nos a “toque de caixa” ao explicar-nos a correria dos seus dias… Mas os pais atentos, dão-se conta que a vida passa a correr e que é preciso parar e dar tréguas ao corrupio diário. Ainda bem para esta pequenina!

Gostei muito e recomendo!





Cris

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

A Convidada escolhe: "A Boa Sorte"

 “A Boa Sorte”, Rosa Montero, 2020

Depois de “Os Cus de Judas” de António Lobo Antunes, acho que não podia ter feito melhor escolha. Para além de gostar da escrita de Rosa Montero, do que ela escreve e de como o faz, “A Boa Sorte” tem todos os ingredientes para ajudar a sair do tom depressivo de Lobo Antunes. “A Boa Sorte” é um livro positivo, optimista e é, além disso, cheio de suspense e com um encadeamento que daria um excelente filme.

Por coincidência, Rosa Montero usa inúmeras vezes a expressão “cu de Judas”, para falar de Pozonegro, o lugar escolhido pela personagem principal – Pablo Hernando – para se afastar do seu presente e, sobretudo, para tentar fugir ao seu passado. Pablo, de 54 anos, é um arquitecto famoso, que vive para a profissão, rico, meticuloso, “um animal de hábitos” (pág. 26), viúvo há sete anos e que um dia, no auge da sua carreira profissional, compra uma casa num lugar improvável, desliga o telemóvel e o computador e fica incontactável para o mundo. Mas a verdade é que não é possível fugir do passado, porque o passado é como um fantasma que está sempre presente. No microcosmo que é Pozonegro e o prédio onde Pablo mora, está lá o mundo todo: a bondade e a maldade, a velhice e a vontade de viver, a alegria e a frustração, a violência e a solidão, a inveja e a solidariedade, a cobardia e a coragem.

As personagens criadas pela autora, que nos surgem como narradoras a falar na primeira pessoa, ou pela voz de um narrador que as retrata, não são lineares, antes têm os sentimentos e as contradições que fazem delas personagens muito reais e muito concretas, moldadas pela vida. Há neste livro várias histórias de abandono, até mesmo a “Cadela” encontrada junto ao corpo da mãe morta. A violência não surge como um acto banal, mas como um fenómeno com raízes fundas numa sociedade violenta e egoísta, mas a perspectiva do livro é a da crença na mudança e na bondade humana. E Raluca, a jovem romena vizinha e colega de trabalho no hipermercado “o alegre paraíso do consumo” (pág. 28) é esse ímã de bondade, de solidariedade, de ingenuidade, é essa pessoa que se considera afortunada e a quem “a boa sorte” sempre tem acompanhado.

Para além do retrato minucioso das personagens, dos diálogos verosímeis, das situações inesperadas, Rosa Montero põe-nos a reflectir sobre a violência que está mesmo no andar de cima e que fingimos não ouvir nem ver, sobre a vida que nos afasta de quem mais amamos, sobre a falta de comunicação entre as pessoas, sobre a solidão na velhice, sobre os medos de podermos fracassar de novo, sobre os monstros sociais que se agigantam nos nossos dias em sociedades aparentemente saudáveis. É, por isso, um romance que não se limita a contar (bem) uma história, mas que nos obriga a pensar, mesmo que a leitura em determinados momentos seja vertiginosa.

Como se pode ler na sinopse: “A Boa Sorte” espelha, sobretudo, um profundo amor à vida. No fim de contas, depois de cada perda, pode haver um recomeço. Porque a sorte só é boa se assim o decidirmos.”

Almerinda Bento

16 de Setembro de 2024

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

A Convidada escolhe: "Os Cus de Judas"

“Os Cus de Judas”, António Lobo Antunes, 1979

Há precisamente um ano, andava eu a ler “Memória de Elefante” jurei a mim própria que tinha de ultrapassar a ideia feita/preconceito de que é muito difícil ler António Lobo Antunes, embora sobre as suas crónicas o consenso seja altamente favorável. A verdade é que fui acumulando livros deste autor que me iam sendo oferecidos, e como tinha de começar por uma ponta, decidi-me entrar na obra de A. Lobo Antunes, por ordem cronológica. Depois de “A Memória de Elefante”, passei a “Os Cus de Judas”, o segundo livro do autor.

Este livro que ele dedica ao amigo Daniel Sampaio, começa com a profunda ironia de um narrador que nos fala da sua infância muito ligada aos animais do Jardim Zoológico, dado viver perto do Jardim e portanto não ser alheio aos sons dos animais e às suas características. Mas, de todo aquele mundo de animais, a sua maior e mais agradável memória prende-se com o rinque de patinagem e a elegância do professor preto “rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas”(pág. 9). Em contraponto a estas memórias ruidosas, luminosas e felizes, a casa das tias na Barata Salgueiro cheirava a mofo e a velho e os reparos que lhe faziam sobre a sua magreza, apenas viam a tropa como salvação para vir a tornar-se um homem. Até que chegou esse dia em que “a tribo” se foi despedir dele no dia em que embarcou para Angola.

O resto do livro, ao longo de 23 capítulos de A a Z, é a memória da guerra, desde a chegada a Luanda, de onde seguiam para “os cus de Judas” os lugares para onde eram mandados para morrer, “em nome de ideais veementes e imbecis, em dois anos de angústia, de insegurança e de morte” (pág. 26). Esse longo relato de memórias, de flashes da sua experiência nesses “cus de Judas” é feito pelo narrador a uma mulher com quem está num bar ao fim da tarde e prolonga-se até ao amanhecer do dia seguinte no apartamento do narrador. Ácido, irónico, contundente, sarcástico, traz consigo a realidade da repressão, da PIDE, do salazarismo, da violência fascista, da Mocidade Portuguesa, das senhoras do Movimento Nacional Feminino, da União Nacional. O medo da morte, a solidão, o desamparo, a angústia são os sentimentos possíveis naquele absurdo para onde foram lançados um milhão e quinhentos mil homens que passaram por África. Os homens que deixaram as mulheres grávidas, que só souberam da notícia do nascimento das filhas e filhos por aerograma, que regressaram tristes e carregados de silêncios.

“Trazemos o sangue limpo, Isabel: as análises não acusam os negros a abrirem a cova para o tiro da PIDE, nem o homem enforcado pelo inspector na Chiquita, nem a perna do Fernando no balde dos pensos, nem os ossos do tipo de Mangando no telhado de zinco. Trazemos o sangue tão limpo como o dos generais nos gabinetes com ar condicionado de Luanda, deslocando pontos coloridos no mapa de Angola, tão limpo como o dos cavalheiros que enriqueciam traficando helicópteros e armas em Lisboa, a guerra é nos cus de Judas, entende, e não nesta cidade colonial que desesperadamente odeio, a guerra são pontos coloridos no mapa de Angola e as populações humilhadas, transidas de fome no arame, os cubos de gelo pelo rabo acima, a inaudita profundidade dos calendários imóveis” (pág. 188).

O regresso a Lisboa, à cidade feliz da sua infância, das lembranças dos animais do Jardim Zoológico e do professor negro que ensinava as meninas a patinar, é o regresso a uma cidade que o acolhe com indiferença, tal como as tias que ao vê-lo “envergando um fato de antes da guerra que me boiava na cintura” (pág. 195), apenas conseguem mostrar o seu desagrado:

 – Estás mais magro. Sempre esperei que a tropa te tornasse um homem, mas contigo não há nada a fazer.” (pág. 196)

Impossível ficar indiferente ao que foi a guerra colonial, contada com a crueza de quem a viveu e que decidiu trazê-la a público, através de uma escrita dura e elaborada. Impossível ficar indiferente.

9 de Setembro de 2024

Almerinda Bento

 

 

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

"Gente Pobre" de Fiódor Dostoiévski

Queria gostar muito deste livro mas estive sempre a lê-lo com uma sensação de irritação constante. Teria sido pela forma em como Dostoiévski escreve? Pela caracterização das personagens? Por senti-lo datado, fruto de uma época (escrito em 1846) e não me saber distanciar convenientemente? Algo me irritou mas não sei definir com clareza pelo que irei ler outro livro deste autor para tentar perceber se as sensações se mantêm.

Este é um romance epistolar pelo que todo ele se centra nas cartas trocadas entre um funcionário já entradote na idade e uma jovem costureira, ambos muito pobres. Da parte dele sente-se nas palavras que lhe dirige, amor e paixão, com um tom paternalista que não me seduziu. Da parte deda, uma amizade, o sentir que se encontra só, sem amigos e só ele é quem lhe dá atenção. Amor desesperado, sem futuro, desgraças umas atrás das outras que ora aproximam, ora afastam estas duas personagens.

O ambiente social no bairro de São Petersburgo é muito bem descrito e a leitura, para além do tom crescente de irritabilidade que me fez sentir, flui bem nas suas poucas páginas.

Veremos o que Dosto me fará sentir num próximo livro...

Terminado em 12 de 1Agosto de 2024

Estrelas: 4*

Sinopse
Romance epistolar, Gente Pobre marca a estreia de Dostoiévski na literatura, em 1846 -­ quando o autor tinha apenas 25 anos -­ ­­, e estabelece desde logo os fundamentos para uma abordagem social, psicológica e profundamente corrosiva da compreensão humana.

O autor transporta-nos para um dos bairros mais miseráveis de São Petersburgo, onde um funcionário de meia-idade troca correspondência com uma jovem costureira. Demasiado pobres para se casarem, o seu amor passa todo e apenas por cartas mantidas ao longo do tempo, que reflectem a cruel realidade do quotidiano num ambiente de extrema precariedade.

A análise pormenorizada das personagens e das suas convicções, enquadradas por um pano de fundo de crítica subtil, ganha em Dostoiévski uma força e um poder imagéticos que extravasam as páginas dos seus livros. Genialmente construído com um mínimo de descrição, este é um romance que obriga o leitor a reinventar tudo aquilo não é dito.

Cris

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A Convidada Escolhe: “A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”

A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”, Patrícia Reis, 2024

Antes de tudo, Patrícia Reis adverte o/a leitor/a que “esta não é uma biografia imparcial” (p. 17) nem é “uma radiografia” (p. 17) e que lhe “foi muito difícil terminar esta biografia” (p. 13). Ligam biografada e biógrafa o facto de serem amigas, jornalistas e a tristeza e a solidão de Maria Teresa Horta, desde a morte do marido, não ter deixado de, até certo ponto, contaminar a feitura deste livro.

Cada uma das cinco partes de que é feito “A Desobediente” tem, a encimar os diferentes capítulos que as constituem, os nomes de cinco das muitas obras de Maria Teresa Horta: “Espelho Inicial”, “Estranhezas”, “Anunciações”, “Jardim de Inverno” e “Poesis”.

A primeira parte – “Espelho Inicial” – que se ocupa da infância, da adolescência, da sua paixão por Luís de Barros e das escolhas de Maria Teresa Horta até ao nascimento do seu único filho, é o período estruturante de todo o resto da sua vida. Fala da mãe, da avó Camila sua grande aliada, do pai, do sentimento de desamor, de solidão e abandono, a percepção dos preconceitos em relação às mulheres e a intrepidez que desde sempre assume na escrita. A sua personalidade nos meios onde se move tem a marca da luta pela liberdade que então não existia em Portugal. Apaixonada pela escrita, pela poesia e também pelo cinema, para além de sócia de um cineclube, faz parte da direcção do cineclube ABC o que era inédito na altura. A censura, as intervenções da PIDE e o ódio visceral de Moreira Baptista secretário da Informação por Maria Teresa Horta são episódios num país que nega direitos básicos, que vicia as eleições e que manda assassinar Humberto Delgado, para além de torturar todos os que se opunham ao regime. No entanto, é também nesta altura que ela começa a entrar em contacto com escritores e a receber apoios e incentivos dos seus pares.

Minha Senhora de Mim” foi uma pedra no charco na literatura feita até então por mulheres e de tal forma incomodou o poder, que a violenta agressão feita a Maria Teresa Horta por um grupo de legionários, iria motivar a criação de “Novas Cartas Portuguesas”. Jornalistas e também amigas de Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno decidem ao longo de nove meses escrever uma obra ímpar que vai abalar concepções sobre as mulheres, sobre a política e até sobre a própria criação literária. Uma sociedade podre e cheia de contradições não podia ficar indiferente àquela obra que é apreendida ao fim de três dias de ter sido publicada. Natália Correia, Maria Lamas, José Gomes Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues e tantos outros, para além de todos os apoios internacionais com destaque para Simone de Beauvoir e Marguerite Duras vão ser alguns dos nomes que acompanharam a onda de extraordinária solidariedade para com as três escritoras e que ficou conhecido como o processo das Três Marias que terminou com a sua absolvição no dia 7 de Maio de 1974.

A revolução aconteceu, mas as contradições criadas com as reivindicações das mulheres e com as reivindicações feministas não deixaram de existir por uma revolução democrática ter acontecido. Havia no Portugal acabado de chegar à democracia muita incompreensão e insensibilidade sobre as reivindicações específicas das mulheres, nomeadamente a questão do aborto, um tabú, a par de tudo o que tivesse a ver com os corpos das mulheres. Tema tão caro a Maria Teresa Horta, mulher assumidamente feminista, e que está no coração da sua poesia, desde sempre. Aliás, e como a biografia sobre Maria Teresa Horta abundantemente refere, nem o 25 de Abril trouxe maior visibilidade à obra da poetisa, nem lhe granjeou grande popularidade. Ser feminista não traz popularidade nem simpatia, mesmo no seio da esquerda. E então quanto à direita, nem se fala.

Se a obra de Maria Teresa Horta está largamente divulgada, traduzida e estudada em todo o mundo, nomeadamente “Novas Cartas Portuguesas”, com destaque no Brasil, os prémios e o reconhecimento em Portugal vieram, embora tardiamente. A quarta parte da biografia dá destaque a algumas das suas obras e ao romance “As Luzes de Leonor – A Marquesa de Alorna, uma sedutora de anjos, poetas e heróis”, a que dedicou treze anos de intenso trabalho, uma verdadeira “devoção”, em que “Leonor e Teresa se confundem”. (pág. 357) Insubmissa, desobediente, coerente, Maria Teresa Horta recusa receber o prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus das mãos do então primeiro-ministro Passos Coelho (2011).

A última parte da biografia começa com a morte inesperada de Luís de Barros, poucos meses antes da pandemia. A perda e a solidão são imensas, depois de uma vida de paixão intensa pelo marido ao longo de 56 anos. Maria Teresa Horta sabe que a salvação está na poesia e decide dedicar mais um livro ao marido, desta vez com o título “Paixão”. Embora mais limitada ao espaço da casa, continua sempre a escrever e sempre atenta ao mundo e à política. Mesmo a terminar a biografia, transcrevo este período que é significativo sobre esta mulher extraordinária: “O modo como está o mundo também te diz muito sobre o modo como está a vida das mulheres. Imagine-se as mulheres da Ucrânia, as atrocidades que sofrem, os devaneios pelos quais têm passado. As notícias são importantes por isso, para conseguirmos medir a pulsação das coisas”. (pág. 404)

É sempre com muito respeito e humildade que escrevo sobre livros que li e que me merecem consideração para fazer uma apreciação, como registo que gosto de partilhar. Este livro, entre outros, é um deles. Antes do mais pela consideração que me merece uma mulher feminista que toda a vida assumiu a liberdade e que nunca virou costas às dificuldades e às suas convicções mais profundas, numa postura de coragem e de coerência num mundo tão adverso à frontalidade e ao feminismo. E claro, também pela coragem da autora e pelo trabalho de grande fôlego e valor que é o de biografar uma mulher com uma vida tão rica e tão inspiradora. Parabéns. Muito obrigada às duas.


22 de Agosto de 2024

Almerinda Bento




segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Agosto

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Agosto.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Alexandra Guimarães

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

 

Cris