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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

"Os Mutilados" de Hermann Ungar

Na sinopse lê-se algo que me fez desejar lê-lo de imediato: "Os Mutilados foi a obra a encabeçar a lista de livros a destruir pelo regime nazi". Ungar foi apagado do mapa e só foi redescoberto no final do século XX. 

E que livro estranho este! Foi uma leitura completamente fora da caixa, diferente da que costumo ler e com dois sentimentos opostos sempre presentes. Se por um lado não houve nenhuma personagem com a qual eu criasse uma ligação, imediata ou não, por outro, não consegui parar de ler porque o enredo, de tão estranho e diferente, assim o obrigava. 

Franz Polzer é um indivíduo com fracas capacidades sociais. Inadaptado, diria. A sua vida é feita de rotinas às quais não pretende fugir, querendo controlar todos os seus  acontecimentos diários para que nada de diferente surja e lhe altere os hábitos. Funcionário bancário, com horários rígidos impostos por si, auto-controlados ao minuto. De poucas falas, ou melhor, de nenhumas. Vive num quarto numa casa alugada e a sua senhoria, uma viúva promíscua com quem troca o mínimo de palavras, não contribuiu para o estereótipo de mulher bonita. É gorda, com peles e pêlos por todo o lado. Possui uma qualidade pela qual ele lhe está grato: trata da sua roupa e comida. Mas aos poucos vai-se insinuando e intrometendo na sua vida. Os restantes personagens são igualmente estranhos: um amigo inválido e paranóico, a sua esposa chorosa em demasia, um talhante/enfermeiro religioso fanático...

E é aqui que as coisas começam a fugir ao controle de Polzer. Da "paz" ao caos total. Estranhos acontecimentos vão-se infiltrando aos poucos no enredo e fazem com que o leitor fique preso aos pormenores e às palavras que têm por detrás significados que à partida não reconhecemos.

O título não poderia ser outro. Todas as personagens são, efectivamente, de uma forma ou outra, mutilados sociais, com handicaps vários que causam no leitor tanto repulsa como atracção. Considerada na época uma obra de escândalo dada a forma como aborda, através da crueza das palavras, as questões sexuais, este livro também é considerado o primeiro thriller psicológico. Se tivermos em atenção a época em que foi escrito (antes de 1939), é um livro muito à frente dos cânones da época. As personagens são bizarras senão fisicamente pelo menos intelectualmente. 

Escrita sem pejo, que chama as coisas pelos nomes e que não tenta minimizar aos olhos do leitor os horrores e fragilidades do ser humano. Leitura que se faz lenta pese embora o livro não chegue às 200 páginas. Gostei tanto quanto não gostei. Estranho isso!

Edição belíssima da E-Primatur, colecção Livro B. Capa preta contrastando com as páginas azuis cinza no seu interior. Fiquei apaixonada pela beleza desta edição pese embora não tenha sido a minha primeira escolha porque há (ou havia, dado que não encontrei!) outra capa mais apelativa à primeira vista. Só à primeira vista porque esta já me conquistou em definitivo.

Terminado em 25 de Setembro de 2021

Estrelas: 5*

Sinopse

«Uma obra-prima que deveria ser incluída entre os grandes clássicos da Literatura.» Thomas Mann, prémio Nobel de Literatura 

Um inferno sexual, pleno de depravação, crime e da mais profunda melancolia - uma digressão monomaníaca, se preferirem, mas apesar de tudo uma digressão interior de arte no seu sentido mais puro, escreveu Thomas Mann sobre este romance de Hermann Ungar. 

A história de um empregado bancário neurótico e socialmente inepto cuja grande ambição é a criação de uma vida controlada e sem surpresas mas que é arrastado numa cadeia de eventos para o caos total.

Escrito em pleno coração cultural de uma Europa sob influência das doutrinas de Freud, Os Mutilados, é um romance que nos fala das nossas inseguranças e põe a nu as relações menos lícitas e raramente abordadas entre o indivíduo e a sociedade.

Obra de escândalo na forma como aborda as temáticas sexuais, o livro de Ungar caiu no esquecimento antes da Segunda Guerra Mundial e foi apenas redescoberto nos anos 80, altura a partir da qual passou a integrar o cânone da melhor literatura europeia do Século XX.

Um livro maravilhoso e horrível, cativante e repulsivo, inesquecível embora se ficasse contente por poder esquecê-lo. Stefan Zweig

Cris

3 comentários: