Nasci e vivi numa ilha, literalmente no meio do mundo, da qual mesmo que - e talvez porque - fosse tão pouco o tempo , me ficaram ténues memórias maravilhosas e a sensação de que foi um privilégio. O clima e a maneira de estar proporcionavam um sentimento de liberdade que não voltei a viver.
Criada numa roça por uns avós, por um lado exigentes, por outro estragando-me com mimos, quem mandava era eu. Em mim e nos filhos dos trabalhadores, meus inseparáveis amigos e cúmplices.
A família era relativamente grande, formávamos um grupo de irmãos e primos traquinos que se juntavam ao fim-de-semana e durante as férias, para alegria e dor de cabeça dos avós, pois aconteciam sempre tropelias no mínimo fantásticas.
Quando em 1974 viemos para o continente, fomos viver para o norte. Do frio à alimentação, foi um verdadeiro choque cultural. Passei a estar mais tempo fechada dentro de casa e refugiei-me um pouco na leitura. Adorava livros de aventuras, transformava-me numa das personagens e isso ajudava-me a passar o tempo, a substituir a liberdade perdida. À noite, quando me mandavam dormir, não tinha sono. As aventuras continuavam na minha cabeça e ajudavam-me a descontrair até adormecer. Não sei bem como, passei a imaginar histórias minhas, que começaram a crescer e, para não me esquecer dos pormenores, comecei a escrever, sentada na cama, com o caderno escondido num livro da escola – proeza que não demorou muito a ser descoberta. Quando dei por ela, estava a escrever um romance.
Desde então, tornou-se no que mais gosto de fazer.
As minhas histórias são sonhos onde a realidade e a ficção se confundem. Se, por um lado, a história é fictícia, por outro, tem muitas experiências e peripécias, vividas, presenciadas ou contadas.
Comecei por ver esta minha faceta como uma libertação, uma forma de me abstrair da realidade e inventar um mundo só meu. Talvez por isso não lhe tenha dado importância quando devia. O meu lado rebelde e aventureiro puxava-me ainda mais para esse mundo de faz de conta, onde não existiam limitações. Sentia uma pena imensa de não poder ingressar na Marinha, partir em busca do desconhecido. Quando se tornou possível, já era demasiado tarde para mim. Como o destino tem a sua força, acabei por trabalhar em navios, de passageiros, mas dei as mesmas, ou mais, voltas ao mundo que me mostraram coisas, lugares e pessoas a explorar. Talvez o Universo achasse que para o meu espírito irrequieto era importante abrir horizontes e estimular a imaginação.
Embora não acreditando que pudesse algum dia publicar, nunca deixei de sonhar acordada e imaginar as minhas histórias, mesmo quando não as escrevi. Permanecem num universo só meu, aguardando o momento certo.
Considero-me uma loba solitária, com dificuldade em conviver com o rebuliço da alcateia. Não encontro outra forma de descrever a Helena enquanto membro da sociedade. Mas é nos meus sonhos transformados em histórias que me encontro. Cada um dos meus romances tem entre linhas uma parte de mim, encriptada. Quando escrever o último, o puzzle estará completo.
"Cartas com amor", o primeiro a ser publicado, é uma história que envolve quase todos os tipos de amor que conhecemos. Do passional ao maternal, à amizade, lealdade. É pura ficção embora pudesse ser verdade.
Como quase todas as histórias que escrevi, começou ao contrário; inspirei-me num casal de irmãos de 8 e 9 anos que um dia entrou numa loja onde trabalhava e me encheu completamente a tarde com aventuras passadas em Angola. Comecei por achar que seriam personagens muito giras. Essas personagens mereciam uma família especial com uma história original e resolvi baralhar completamente as coisas escrevendo uma história diferente; em vez da história banal entre um homem e uma mulher, porque não 2 mulheres? Foi um pouco o querer provocar emoções, fazer pensar e questionar até que ponto somos capazes de aceitar as diferenças nos outros.
Não é uma história sobre sexualidade, é sobre sentimentos. Quando se fala em homossexualidade pensa-se no lado físico, mas como em qualquer relacionamento também é importante o que se sente, é por aí que tudo acontece.
É um livro pequeno mas condensado e intenso, rico em pormenores, sobre o qual a frase “… posso atravessar meio mundo e o que mais vier…” vale por mil palavras.
"O binóculo mágico" é também uma história de amor, ficcionada, mas com muito de real.
O cenário existe, posso arriscar dizer que foi o meu mote. Parte do que descrevo é real, mas foram necessárias modificações para criar romantismo, alguma originalidade e adaptar ao que pretendia escrever.
Foi um desafio porque, resolvi estruturar a narrativa por personagens, que, tendo cada uma a sua história e o seu espaço, estão interligadas na trama central. Precisei de dar movimento e equilíbrio ao passar de umas para as outras e foi na ligação de factos e personagens que procurei a originalidade.
Foi um romance que me deu algum trabalho, mexeu com as minhas emoções e pôs à prova a minha imaginação. A frase “… Apetece-me dançar esse tango contigo…” deixa no ar o espírito envolvente da narrativa.
Ambos pertencem ao mundo onde tudo é possível.
Helena de Macedo
Ler faz muito bem à mente e à alma. Gostaria eu de ler muito mas nisso de livros sou um pouco preguiçosa.
ResponderEliminarAdorei este texto simplesmente belo! Obrigada por partilhar
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Beijos e um Domingo
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Obrigada. Vai tudo ficar bem
Muito obrigada a 'O tempo entre os meus livros' e à sua mentora, Cris Delgado por esta oportunidade. 🙏
ResponderEliminarNós, os leitores, agradecemos as histórias passadas à escrita e que nos fazem sonhar e viajar.
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