A Louca da Casa, Rosa Montero, 2003
Este é o quarto livro que leio desta escritora e jornalista madrilena. Posso dizer que é uma escritora que me enche as medidas, leio-a com muito agrado e este é mais um livro surpreendente. É um livro repleto de citações, de referências a autores e às suas vidas, um livro que apetece sublinhar, copiar frases…
É uma reflexão sobre a literatura, a vida, a morte, as vidas que se vivem/ocultam dentro do narrador, sobre a imaginação, a loucura, a paixão, o poder, a vaidade, o mercado… em suma, a diversidade de temas que as vidas da escrita implicam e que ela tão bem conhece enquanto pessoa para quem, escrever e ler é como respirar.
Se em “Histórias de Mulheres”, Rosa Montero nos dera a conhecer histórias pouco ou nada conhecidas de mulheres, a partir da leitura de biografias ou diários, em “A Ridícula Ideia de não voltar a ver-te” desvenda-nos o diário que Marie Curie escreveu no ano a seguir à morte de Pierre Curie, em “A Louca da Casa” revela-nos detalhes curiosos e inusitados de vários escritores célebres como Rimbaud, Paul Verlaine, Hemingway, Tolstoi, Goethe, Melville, Truman Capote, Joseph Conrad, Oscar Wilde, García Márquez e tantos outros, ilustrando com as suas vidas, defeitos e qualidades os temas que aborda ao longo do livro. Dos portugueses faz referência a José Luís Peixoto (ps. 16 e 17) – “… estas agruras são compensadas com a fabulação criativa, com as outras vidas que os romancistas vivem na intimidade das suas cabeças. José Peixoto, um jovem narrador português, batizou estes propósitos de existência como os «e se…». E tem razão, a realidade interior multiplica-se e excede-se assim que nos apoiamos num «e se…»” – para introduzir o tema da imaginação (a louca da casa como lhe chamava Santa Teresa de Jesus), aquela que salta fora da rigidez e lucidez escrupulosa da razão.
Neste livro que é quase um diálogo com o leitor/a, a autora questiona-se, por exemplo, sobre o destino de algumas personagens reais que deram origem a personagens literárias; refere os fantasmas inconscientes que a perseguem e que são recorrentes nos seus textos; a insatisfação do escritor/a que quer sempre ser nomeado e, em última instância, aspira à eternidade não é senão um sinal de vaidade; num mundo dominado pelo mercado promovem-se os bestsellers tantas vezes sucessos de momento que não ficarão para a história e é sabido que um livro, que tenha poucas vendas e seja considerado um fracasso editorial, terá a guilhotina como destino.
Rosa Montero também fala de si como escritora e, embora deteste a tendência para se arrumar e catalogar a literaura e os/as escritores/as, identifica-se como “raposa a 100%” em oposição a autora-ouriço, pois tenta não se conformar, nem repetir. “Nunca se contentou com o que sabia” seriam as palavras que gostaria que um dia escrevessem na sua crenologia! E diz-nos como detesta aquelas perguntas que lhe fazem com imensa frequência sobre se há uma escrita de mulheres e sobre se ela se sente como escritora ou como jornalista… Ela que é antissexista e escritora e também jornalista aproveita para falar daquelas grandes escritoras que tiveram de se esconder debaixo dum nome de um homem para escrever e das muitas mulheres de escritores que tantas vezes foram tidas como musas… mas que não poucas vezes foram verdadeiras criadas e secretárias insubstituíveis para que os maridos viessem a brilhar como grandes escritores!
A certa altura Rosa Montero confia-nos um episódio que ela, jovem jornalista e um famoso actor de cinema, protagonizaram há muitos anos. Talvez para nos recordar que a louca da casa anda à solta e que não podemos esquecer “… as quantidades de vidas diferentes que podem existir numa só vida…”, essa mesma história do tempo em que Rosa era uma jovem jornalista hippy em princípio de carreira vai surgir em dois momentos distintos do livro, baralhando-nos com desenvolvimentos e finais completamente diferentes e hilariantes.
“E se…” como diria José Luís Peixoto, Martina a “obscura irmã gémea” de Rosa que surge amiúde no livro não passar de uma personagem criada por Rosa Montero para nos recordar que autor e narrador são duas figuras distintas?
Quando acabo um livro gosto sempre de voltar ao princípio. Lê-se na dedicatória:
“Para Martina, que é e não é.
E que não sendo, me ensinou muito.”
Outubro 2017
Almerinda Bento
Sem comentários:
Enviar um comentário