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domingo, 16 de março de 2014

Ao Domingo com... Teolinda Gersão

Escrevo para entender. A  vida, o mundo, a sociedade, são incompreensíveis, e, se formos honestos,
cada um de nós encontra dentro de si uma dose razoável de opacidade. Escrever é uma forma de conhecer, um processo de atenção continuada. Um  trabalho cerebral e emocional. Como a pintura, a música e as outras formas de arte.
Sim, a vida intriga-nos, magoa-nos e desconcerta-nos. E também nos surpreende e deslumbra. A escrita é um bom caminho para lidar com isso.
Trabalho muito os livros, re-escrevo-os e corrijo-os até me satisfazerem.  Antes de começar  tiro um monte de notas e trago-os  em projecto na cabeça, vou-os construindo mentalmente, durante um tempo indeterminado, que não controlo e pode ser mais ou menos longo. Até que os livros “saltam” para o papel e começam o seu caminho, que nunca obedece ao que eu pensava.
Julgo que não fui influenciada especialmente por nenhum autor,embora pertença à “família” dos escritores do inconsciente. Mas claro que fui influenciada não só por tudo o que li, como também por
outras áreas, como o cinema, o teatro, a pintura, a dança, a música. E por tudo o que vivi e vi viver, pelas histórias que me contaram, pela sociedade e pela época que, para bem e para mal, é onde estou.
Escrevo para mim, mas também para os outros.Estamos todos no mesmo barco. No mesmo mundo.
Quando digo coisas destas, em geral perguntam-me  se acredito  na função social da escrita. A fórmula parece-me antiquada, mas o cerne da questão mantém-se. Claro que a literatura contribui para mudar a mentalidade. E, quando muda a mentalidade, a sociedade muda. Desde logo a nossa, mas a afirmação é válida em relação a todas. Cada vez mais não escrevemos para um país, mas para o mundo.
A nível nacional e internacional estamos fartos de ser mal governados. Já percebemos como o dinheiro é insensível e  corrupto e roda num círculo vicioso. É tempo  de exigir transparência e justiça. Podemos pagar caro por fazer exigências, mas pagaremos ainda mais caro se não as fizermos. Estamos fartos de sermos sempre os mesmos a pagar sozinhos, porque  os donos do dinheiro nunca pagam: São pagos por nós, para nos fazerem pagar-lhes. 
Não acredito em celebridades, génios, ícones,  lendas, mitos, estrelas e quejandos. Há  quem tenha
talento e quem não tenha, mas só o tempo se encarrega de joeirar o trigo e o separar do joio. E em geral mais tarde verifica-se que afinal os mídia nem acertaram assim tanto.
Talvez estas pequenas notas soltas satisfaçam o pedido da nossa amiga  Cristina Delgado, e possam ser um contributo para o blog que ela tem  corajosa e persistemente mantido, num diálogo  virtual connosco. Obrigada, Cristina. E bom domingo!

PS:
Como sou  contadora de histórias, não resisto a acrescentar uma pequena história real: Há tempos o arrumador de carros da minha rua correu atrás de mim: Ó senhora! Então  passa aqui todos os dias e é escritora? 
- É que moro aqui, justifiquei.
Ele riu-se na minha cara :
-Claro que mora aqui, estou sempre a vê-la, com as compras do supermercado. Admirei-me é por ser escritora.
 Ri-me também, divertida com o seu ar escandalizado. Mas agora ele já não ria.
-Estava numa revista, no quiosque, rematou num tom de incredulidade, ou de censura.Decididamente, eu não correspondia ao que ele achava que devia ser.
No entanto a partir daí passou a acenar e a dizer “Bom dia” e  com o tempo tem vindo a olhar-me com menos desaprovação. Aos poucos talvez até acabe por perdoar-me por  trazer  sacos do  supermercado e vestir  uma roupa qualquer.

Teolinda Gersão

2 comentários:

  1. Que excelente leitura numa tarde de domingo soalheiro. :-) Almerinda

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  2. Um aconchego, ler este pequeno texto neste dia de chuva...obrigada a ambas, beijinho :-)

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