Cá em casa, esta expressão é aplicada a tudo o que nos parece surreal, tudo o que realmente jamais se poderia aplicar em qualquer outro país, no melhor e no pior… A história de “A minha pequena livraria” é, de facto, algo que só mesmo nos States poderia acontecer!
Este livro, baseado em factos reais (como mencionado em selo na capa), não é, para mim, uma história inspiradora (como a capa também refere), retrata, isso sim, as idiossincrasias da sociedade norte-americana e, como um sonho su/irreal se pode concretizar. Não é, ao contrário do que podemos ser levados a pensar, um livro de auto-ajuda nem um livro de gestão… também não é, para mim, um livro sobre “o poder transformador dos livros” (como é referido) pois a livraria bem poderia ser uma loja de doces, roupas ou outra coisa qualquer… como a autora faz questão de referir. Acontece, porém, que a paixão da escritora e do marido são os livros e o seu sonho sempre foi o de abrir uma livraria… uma livraria de livros usados (o que se verifica ser vantajoso por ser mais fácil reunir stock de livros usados que novos).
O retrato desta aventura, que nos é traçado com mestria, transporta-nos em plena crise do subprime para uma pequena cidade carbonífera da Virgínia com 4500 habitantes, cuja mina está em processo de encerramento e onde o casal decide viver e lançar o seu negócio a partir do nada (ou quase nada) – only in America! Desiludida com o Poço de Serpentes em que trabalhava (quem não conhece um…) Wendy beneficia do facto de não ter hipoteca para pagar e de ter uma excelente biblioteca em conjunto com o marido, como refere.
Um livro interessante, que nos apresenta uma certa forma de estar na vida ao jeito do sonho americano, mas que dificilmente se poderia transpor para a nossa cultura e país. Apresenta, no entanto, alguns pormenores práticos interessantes, tais como a menção a sites e as dicas de como avaliar livros usados e elementos básicos de gestão do negócio (que foram sendo aprendidos na net pelos autores…). A vida em sociedade numa pequena cidade sulista e o estabelecimento de relacionamentos são um dos pontos fortes do livro. A descrição de uma cidade com 4500 habitantes com 6 igrejas de diferentes cultos, à volta de uma rua, onde os autores vão sucessivamente assistir aos serviços religiosos para ver de qual gostam mais constitui, para mim, mais uma preciosa ilustração… only in America!
“A minha pequena livraria” é recheado de pequenas pérolas que fazem esse retrato e referências que merece a pena reter.
Podem seguir Wendy e Jack aqui:https://www.facebook.com/pages/Tales-of-The-Lonesome-Pine-LLC/166114776736491?fref=ts
Eu sigo.
Excertos:
“Quando se vende um livro a uma pessoa, não se vende apenas trezentos e cinquenta gramas de papel, tinta e cola – vende-se uma vida nova. Amor e amizade e humor e navios no mar à noite – um livro, um livro à séria, contém todo o céu e a terra.” (Christopher Morley, The Hounted Bookshop – p. 11)
“Estamos sempre a ser bombardeados com a mesma frase: «Vá atrás do seu sonho». Claro, mas não de olhos fechados. Jack e eu tivemos sorte, e quando percebemos que fora mesmo uma questão de sorte, arregaçámos ainda mais as mangas.” (p.72)
“Os bibliófilos sabem que os livros não são apenas ideias encurraladas entre capas, mas artefactos, marcos da nossa vida. «Encaro a minha biblioteca como um troféu pelos meus feitos», disse um académico meu amigo. «Olho para as lombadas dos meus livros e recordo-me de onde estava quando os li e do que aprendi com eles. E tenho um lado da divisão para os livros que vou ler e outro para os que já li. Assim, posso revisitar velhos amigos ou travar novas amizades». (p. 181)
Texto da autoria de Fernanda Palmeira
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