Nasci em Lisboa, em 1969. Já em miúda, enquanto a minha irmã subia às árvores ou escarafunchava recantos à caça de bichos, eu preferia sentar-me na poltrona de xadrez do meu pai, de nariz enfiado num livro. Gosto da natureza, mas a minha própria natureza vencia-me. Na adolescência nasceram os diários e os primeiros poemas cheios de maiúsculas, de pontos de interrogação e de exclamação, a tentar compreender o mundo, confrontá-lo com a minha indignação. Ah, a arrogância dos jovens. Como se ao mundo importasse mais uma adolescente emotiva. Cresci. Entreguei-me a um primeiro manuscrito ingénuo, que rapidamente abandonei…mas o bichinho estava lá, era preciso pousar os livros por um instante e tentar ir à caça dos meus bichos, escarafunchando histórias, personagens, lugares. Tornei-me cantora profissional por acaso. Casei, fui mãe. Tive a sorte de ir conseguindo ganhar a vida a fazer o que gosto. O meu filho pedia-me histórias inventadas. Eu obedeci. Metiam sempre coisas e animais, nunca princesas, dragões, cavaleiros, fadas ou bruxas. Fui escrevendo e guardando papéis nas minhas gavetas. Um dia brinquei aos escritores e publiquei uma novela. O Pisa-papéis. Publiquei na revista Egoísta, primeiro um pequeno texto de ficção, depois alguns poemas. Fui escrevendo. Escrevi mais nos anos em que, abençoada por uma espécie de emprego, como cantora, que me dava um ordenado certo e me deixava muito tempo livre, pude libertar-me da angústia de não saber se iria conseguir pagar as contas no mês seguinte. Os tempos mudaram, todos sabemos. A nossa vida mudou. Fui cantando menos e escrevendo mais, como se a vida me passasse um
estandarte; me tirasse da mão para me dar com a outra. Hoje sinto-me mais cigarra do que formiga…escrevendo.
Um dia troquei a cidade pelo campo. Decidi tentar a sorte, perseguindo o sonho da escrita. Sentimentos contraditórios: muitas vezes não sei o que persigo, se o ofício de escritor, se a mera ideia romântica de o ser: a escritora junto à enorme janela, na sua casa de campo, a chávena de café, os pássaros lá fora.
Veio o Prémio Revelação APE/Babel com uns contos que escrevi para adolescentes. E em 2012 terminei, enfim, o primeiro volume de uma longa história que me obrigou a trabalhar muito; que ainda hoje me rouba múltiplas horas: a trilogia “A Ilha de Melquisedech”.
Tal como eu, esta história tem idade interior incerta. Não se percebe muito bem a que faixas etárias se destina, nem se sabe ao certo como classificá-la. Uns dizem que é literatura fantástica, outros que é uma alegoria, outros, como eu, chamam-lhe um romance de fantasia (pois também mete um feiticeiro, fadas, faunos, um ciclope, lestrigões e até uma mulher com oito braços). Parece que o livro só quer brincar mas não é bem assim: a brincar a brincar, nele vai surgindo o mundo a sério e, afinal, o que parecia fantasia não é bem. E porque, muitas vezes, o que separa a realidade mais dura da fantasia, a lucidez da loucura, a verdade da mentira, são fios de cristal quase invisíveis; porque precisamos de fugir para mundos de papel onde fingimos paraísos. Onde tudo é perfeito na imperfeição de vidas inventadas que, sendo imperfeitas, bem que podiam ser realmente nossas.
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Vera de Vilhena
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