O único livro que havia em casa dos meus pais era uma tia muito velhota que nos fazia companhia todas as noites. Ela sentava-me no seu regaço, e eu, menino de cinco anos, ouvia as histórias maravilhosas que nunca me cansavam, apesar de serem sempre as mesmas.
Creio que vem do fundo desse tempo a génese da minha relação com a literatura. Mais tarde, príncipe do império do alfabeto, troquei a tia pelos livros. E com eles fui crescendo, visitante assíduo da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian. E um dia descobri que da minha imaginação brotavam ideias que eu era capaz de transformar em histórias escritas.
Nos caminhos da vida me fui achando e perdendo. Eu era aquele que adorava ter um livro para ler e não o fazer, sem querer imitar Fernando Pessoa. Adorava imaginar histórias, escrevê-las na cabeça e não perder tempo a passá-las para o papel. Como um amante infiel, abandonava os livros e a escrita, e refugiava-me em outras aventuras. Depois acabava por regressar à literatura, e com ela tinha uma relação amorosa intensa. Era muito feliz… até me cansar.
Em tempo de reconciliação com a literatura, quando me vinha a vontade de lançar ao papel a semente da escrita, os prémios literários nasciam tão naturalmente como os frutos da árvore. Eu semeava um conto e nascia um prémio. Contudo, olhando de frente a vida, eu não via um pomar, mas um piano, cujas teclas eram passatempos que seduziam os meus dedos. E nelas me perdia: dó-ré-mi… E por elas fui perdendo a literatura, insensível aos apelos que me fazia em horas de introspeção. E querendo ser uma coisa, perdia-me em outras coisas.
Há dois anos, saturado de tantos caminhos poeirentos e sem destino, reencontrei-me com a literatura. Abracei-a e nunca mais a larguei. Hoje é a minha amante eterna. Para esta viragem de 180 graus, foi decisivo o Prémio Literário João Gaspar Simões, que alcancei em 2010 com o romance O Fotógrafo da Madeira. Cada conto e cada romance são atos de amor que me saciam. Eu já não consigo viver sem esta cumplicidade. Eu estou dependente da literatura como um fumador viciado na nicotina. Faltando-me a escrita e a leitura, a ressaca destrói-me. Escrever é um labor que exige paciência e perseverança, mas que me realiza completamente, porque quando escrevo aconteço. Construir mundos faz-me sentir um deus que não quer descansar ao sétimo dia. Finalmente, tornei-me fiel na minha relação com a literatura. Finalmente, posso afirmar: «Ai que prazer ter um livro para ler! Ai que prazer ter um romance para escrever!»
Eu não busco fama nem glória. Eu apenas quero escrever. Eu apenas quero ser eu. Alguém que escreve contos e romances como uma árvore dá frutos. E assim cumpro a minha condição humana.
António Breda Carvalho
Concordo plenamente, a Literatura ée um vício.
ResponderEliminarComo te compreendo, amigo de outros e destes tempos. A literatura, para quem tem a sorte de a encontrar e «degustar», torna-se mesmo um vício. Pena é que não tenhamos anos suficientes para podermos usufruir de tanto de bom que se tem escrito. Força na caneta (ou nas teclas)!
ResponderEliminarQue surpresa, amigo e colega João Rui! O Mundo parece mais pequeno do que a literatura.
ResponderEliminarAbraço!
ABC