Edição/reimpressão: 2012
Páginas: 256
Editor: Saída de Emergência
ISBN: 9789896374594
Não posso deixar de vos confessar que tinha um certo desejo de, com este livro, voltar à minha infância. Queria identificar-me com os locais descritos pelo autor, com os cheiros e as cores de uma Angola que deixei ficar para trás ainda menina...
Ao ler a sinopse fiquei curiosa. O autor tinha nascido na minha cidade natal e gostei de passear de novo pelos sítios que ainda hoje recordo, embora as memórias sejam, necessariamente, diferentes.
História verídica, amores e guerras vividos pelo autor e nunca esquecidos, tudo faz parte de um período de uma Angola conturbada, de ódios fortes e perdas ainda maiores.
A escrita não a soube apreciar totalmente. A prosa e o que eu chamo (não sei se correctamente!) de prosa poética misturam-se e acabaram por me baralhar um pouco.
Mesmo assim, gostei da forma como é narrada a sabedoria do povo angolano, conhecimentos ancestrais transmitidos de pais para filhos; gostei da maneira como o autor conseguiu passar para o papel toda a insegurança, o medo, o ódio indiscriminado que muitos viveram numa Angola que conheci de portas sempre abertas, de sorriso fácil e de uma musicalidade extrema.
Aspectos ficaram por esclarecer nesta história de um amor vivido e nunca esquecido. Mas a Vida às vezes prega-nos partidas e não é, ela mesma, simples nas suas respostas ... Ou será que o autor não se quis expor e contar-nos tudo? Fiquei na dúvida.
Terminado em 1 de Dezembro de 2012
Estrelas: 4*-
Sinopse
Angola, 2002. A convite da Ordem dos Engenheiros de Angola, Júlio regressou ao país onde nasceu e viveu até aos vinte anos. É então que, numa praia em Benguela, conhece uma freira que lhe faz lembrar Ana Liz, o amor da sua infância.
Estranhamente, a freira conhece a história de Ana Liz e dos acontecimentos que rodearam a sua aparente morte em 1975. Algumas revelações que desconhecia fazem Júlio sonhar com a possibilidade de, afinal, Ana Liz estar viva. Decidido a descortinar uma verdade com quase trinta anos, Júlio parte com alguns companheiros para o interior do país.
Recordando os terríveis eventos do início da sangrenta guerra civil de Angola, a viagem para o interior torna-se numa viagem atribulada por memórias da infância, adolescência e de felizes anos rendidos à tragédia. Mas é também, no momento que menos se espera, que brota a esperança…
Linda esta história recheada de “metáforas” que impõem momentos de reflexão. As descrições tão bem fundamentadas são a marca da saudade arrastada no tempo, onde não se esqueceu os trilhos das picadas, o cheiro a terra e a pó, infâncias passadas nas praias, o capim em época seca, a fauna, as cores deslumbrantes do Sol a desaparecer no horizonte para depois voltar maravilhoso a nascer. No azul límpido daquele olhar de sister Anne, insiste a perfeição que imaginamos existir quando somos tão jovens. Aquelas mãos calorosas, compreensivas e carinhosas lêem-nos a alma. Guiam-nos! Os lírios brancos personalizam a Fé, a Esperança que nos move. Por fim o destino.
ResponderEliminarA célebre Ana Liz, um mistério não desvendado no livro, mas que talvez não seja senão o som dos primeiros amores que nos perseguem para além do tempo. O som da alegria, a canção da vida que nos tocou viver num determinado momento, algures, num lugar mágico mas longinco.
Pressente-se a dor da separação inevitável, que nos foi imposta, num grito resignado, que nos dobra, que nos quebra, que nos desfaz. Um grito imperativo. Do tamanho do mundo.
No Jeremias, revi o velho e sábio cuanhama Henrique, grande companheiro de “jipadas”, acampamentos e caçadas do meu pai, que dominava vários dialetos e enfrentava o mato das “terras do fim do mundo” como ninguém, a quem ainda chamo “meu avô”. Não tive outro.
A minha querida Madalena deve ter esperado por mim sentada nas escadas da varanda da nossa casa, tal como fez a Rita. Espero que tenha tido melhor sorte.
No decorrer dos interessantes diálogos, dispara a adorável linguagem característica “o preto-guês”, em que Paulo, o fiel amigo, personaliza a Amizade, sentimento sublime que desde então paira nos nossos corações, num sentir desinteressado, puro, eterno.
Uma viagem de ontem, de hoje, para os nossos filhos e netos. Memórias para lembrar e nunca esquecermos. Porque não se consegue esquecer.
Obrigada, muito obrigada, Júlio Borges Pereira, por as ter escrito tão bem!
Maria João
ResponderEliminarUm livro, é um livro, ponto final. Poderíamos acrescentar: deve cheirar a papel e a tinta, elementos insubstituíveis por uma qualquer pantalha televisiva, que cheira a descargas de electricidade e outras coisas esquisitas que parece não serem bem deste mundo.
Quem quiser saber o que está dentro do livro, só tem uma coisa simples a fazer: é lê-lo.
Os livros lêm-se com os olhos e processam-se com a nossa própria alma, estimulada pela alma das pessoas e coisas que estão lá dentro.
Há livros assim, onde vamos encontrar paisagens soberbas, bafejadas pelos ares da fortuna, mas também outras e não raras vezes flageladas pelos ventos contrários.
O livro ainda não está, felizmente, sujeito às regras consumistas, pois se o estivesse teria de revelar em local visível do seu exterior a composição e doseamento dos seus ingredientes, tal como nas latas de sardinha em conserva.
Contudo, sem esse roteiro prévio, há livros assim: cheiram a terra e aos elementos, aos animais e às pessoas e estas têm alma que comunica com a nossa se estiverem ambas em simbiose.
Das almas que encontrei em “O Último Retornado”, de Júlio Borges Pereira, vou destacar, com um prévio pedido de desculpa ao autor, os dois ovimbundos Paulo e Rita, com o timbre bem vincado que distingue aquela etnia, a lealdade e a fidelidade aliadas a uma alegria de viver a cantar, o que raramente encontramos por esta Europa cada vez mais consumista e, sobretudo, egoísta. O Jeremias é um caso à parte, tal como é distinta em termos de etnografia angolana a etnia cuanhama da família dos Ambós. Dignidade, sabedoria sobre os segredos da Mãe Natureza, irmã mais velha da Mãe África, e prudência, estão vertidas em dose certa naquele personagem, o meu eleito.
Embora distintos, até em compleição física, ovimbundos e cuanhamas comunicam por linguas da mesma origem, a cultura Banto. Curiosamente, ou talvez não, o romance do Júlio fez despertar uma frase, provérbio, há muito adormecida no meu sótão de ideias:
O KAMBA TU 'RI BAKA MU TULU (O amigo, nós o trazemos no peito; da cultura Banto. A expressão pode ser encontrada em várias linguas daquele ramo, com significantes cuja acústica pouco varia)
Bem haja Júlio e bem hajam os promotores deste espaço por me deixarem sonhar quando estou a atingir o inverno da vida.
Real Soares, Alcoentre
Ana Liz, partira fugida da guerra cruel. Esperou na mesma. Não no mesmo sítio, nem à mesma hora. Aquela que está escrita no tronco de uma árvore que o tempo matou de pé. Ana Liz não morreu. Continuou esperando...No lugar onde o sol a viu nascer.
ResponderEliminar