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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Soltas...

"O Claudino levantou-se às apalpadelas. Notei que tacteava muito os objectos e que as mãos deslizavam sobre as beiras dos móveis. Deitou a sopa na malga e o polegar metido dentro dava-lhe conta de quando estaria quase cheia. Estava pior da vista. Percebi que à falha de visão se associara uma desabituação de ver o mundo, talvez procurando outro que lhe fosse mais a contento."

"E metia-me asco o público que ria desbocado, que ria do excêntrico, ria do ridículo, ria da diferença grotesca que menoriza os seres humanos, ria em manifestação se superioridade perante as deformações e aberrações da natureza- Ria-se porque ainda se sentia a salvo de qualquer fatalidade, ria-se em forma de esconjuro para espantar o azar que lhe pudesse bater ao ferrolho e deixá-lo tão ou mais disforme que os anões."

"Aquele odor evocava-me sempre a cor verde. Não tinha dúvidas de que cheirava a verde. E recordei como os cheiros têm cor: o cheiro salgado do mar é profundamente azul,  de um azul carregado, espumoso; o cheiro terroso a esboroar-se, das searas de centeio é dum amarelo-acastanhado; assim como o cheiro da morte é o preto."

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