Há momentos bons dentro das páginas deste livro, pedaços de escrita com que nos revemos, nós os apaixonados pela leitura! Começo logo com este excerto lido nas primeiras páginas: “Pressenti algo que só racionalizaria muitos anos depois: o poder da história contada” Pág. 27
Da história contada e da leitura à escrita foi uma descoberta que a autora brasileira, jornalista e repórter premiada, nos revela neste relato íntimo, introspetivo. A história da sua vida com as palavras. Não-ficção, portanto.
“Hoje, ao lançar meus anzóis no lago nebuloso do passado, em busca de um mapa cujo único destino sou eu, percebo que escrever me salvou de tantas maneiras e também desta. Desde pequena eu tenho muita raiva – e quase nenhuma resignação. A reportagem me deu a chance de causar incêndios sem fogo e espernear contra as injustiças do mundo sem ir para a cadeia. Escrevo para não morrer, mas escrevo também para não matar.” Pág. 61
E esta pequena maravilha? Referindo-se à pessoa que a fez descobrir os livros: “Só Lili sabia que os livros não eram objetos, eram portais.” Pág91
Para além deste aspecto que me encantou, embrenhamo-nos numa narrativa algo dispersa pelo seu passado mas que nos agarra. Não achei uma leitura corrida, tampouco devia ser esse o objetivo da autora, pelo que nos traz um texto que impõe reflexão ao leitor. A dor e a perda de voltar atrás e relembrar. Mas também um sentimento bom ao fazê-lo.
Gostei e recomendo.
Terminado em 2 de Janeiro de 2025
Estrelas: 5*
Sinopse
«Lembro que, quando tudo começou, era escuro. E hoje, depois de todos
esses anos de labirinto, todos esses anos em que avanço pela neblina
empunhando a caneta adiante do meu peito, percebo que o escuro era uma
ausência. Uma ausência de palavras. Essa escuridão é minha pré-história.
Eu antes da história, eu antes das palavras. Eu caos.»
Era uma
vez uma menina que parecia estar sempre a piscar o olho à morte. Essa
menina revela, neste livro, como foi resgatada pela escrita. A cada
página, desfilam, vivíssimos, lugares e personagens fantasmáticos, que
pertencem ao imaginário coletivo ou a um álbum de família: a
«casa-túmulo»; a praça da cidade pequena; a irmã morta, que é afinal a
mais viva entre todos; a mãe, despovoada de alegria; o pai, filtrado
pela sombra de peripécias domésticas e de um país amordaçado; a avó,
comedida em tudo menos na imaginação; as tias, transformadas em flores
para não murcharem.
Meus desacontecimentos marca a estreia
em Portugal de uma escritora singular e multipremiada, que aqui regista
a história da sua vida com as palavras: um relato delicado, impressivo e
inquietante sobre como nos tornamos quem somos a partir da língua, da
escrita, da memória. Neste itinerário de dentro para dentro, afiadíssimo
e despudorado, Eliane Brum conta como se tornou uma narrativa de si,
conduzindo o leitor numa viagem encantatória.
Cris
A força da palavra escrita é extraordinária.
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